QUANDO
UM AUSTRALIANO LANÇA UMA PEDRADA NO CHARCO DAS ÁGUA TURVAS DO PORTO GRANDE
Tony Park veio a Mindelo, viu,
exprimiu uma opinião (1), dizendo que não gostou daquilo que viu. Não terá
gostado dos serviços ou da Ilha? Como os gostos são subjectivos e por isso não
se discutem, inclinamo-nos para a primeira hipótese.
Da leitura que se faz do artigo depreende-se
que o australiano não se referiu a nenhum pormenor físico da ilha, nem da sua
gente. Centrou a sua análise nos aspectos puramente materiais e circunstanciais,
ou seja, os serviços disponíveis ou disponibilizados na ilha. Com
efeito não viu, o turista, indícios de alguma indústria turística na ilha, nem
tão pouco na cidade, e se viu alguma coisa deverá ter sido considerado
irrelevante. Imaginem!, ele não encontrou nas suas deambulações pela cidade,
pelo menos durante o dia, sequer um pub
conceituado (segundo os critérios de um turista de cruzeiro) onde pudesse tomar
o seu famoso cappuccino, como o faz
qualquer turista que se preze. Hélas, não disse que procurou salas de
espectáculo ou de concerto, galerias de arte, exposições de artesanato local,
museus, exposições culturais, shoppings, uma grande livraria digna do seu nome
onde poderia comprar revistas como Le
Monde, The Herald Tribune, El Pais,
Der Spiegel ou o Financial Times,
ou os últimos livros publicados no mundo ou presentes em qualquer livraria de
uma qualquer cidade do mundo, ou seja a componente cultural e intelectual que
caracteriza uma grande metrópole moderna hoje. Felizmente para nós, pois se esse
senhor se apresentasse como um intelectual ou um homem de cultura, as suas
lamentações atingiriam os céus. E eu sinceramente estou mais preocupado com
questões de ordem cultural decorrentes do clima de depressão socioeconómica de
que vive a ilha há décadas, do que com os cappuccinos
do senhor Parker, que tanto alarido causou. É assim que descreveu a ilha como um
sítio parado no tempo, sem a mínima infraestrutura própria
de qualquer cidade moderna, fora do circuito mundial turístico, em perfeito
contraste com o produto que se pretende vender. Quando lhe garantiram que a surpresa
das surpresas seria a Baía das Gatas, viu cenas, como conta, de incivilidade em
plena praia e à luz do dia, ‘shocking’
para um anglo-saxónico!!!
Pois é, o
retrato que fez da ilha é uma autêntica bofetada àqueles que andam a alardear
pelo país e o mundo fora, o turismo como a indústria nacional, a galinha de
ovos de ouro.
Concorde-se ou não com a sua análise,
Tony Park disse o que lhe veio na alma anglo-saxónica. Obviamente feriu o
orgulho susceptível do leão mindelense, símbolo da invencibilidade vicentina e desencadeou
uma autêntica histeria colectiva na blogosfera crioula.
Mas num ponto concordo com muitos
detractores deste senhor, seriam necessários dias para ‘tomar o seu pulso’ e fazer
uma real avaliação da ilha e das suas potencialidades em termos de indústria
turística. Pois, de certeza que na sua avaliação não se referiu ao que Deus nos
deu, à inquestionável beleza física da ilha, e não perscrutou a verdadeira alma
mindelense, nem apreciou a morabeza crioula da sua gente. Pura e simplesmente,
não teve tempo para admirar a baía do Porto Grande, reputada como uma das mais
belas do mundo, nem o esplendor do Monte Cara em todas as suas perspectivas
e cores. Não admirou o interior agreste e duro da ilha em todo o seu
deslumbramento, este presente belo e majestoso da natureza, que facetou a personalidade
mindelense e que impressiona muitos estrangeiros.
O sr. Parker de certeza não teve
tempo de ir a uma romântica noite mindelense/cabo-verdiana, nem talvez deva
gostar do prato tipicamente mindelense/cabo-verdiano, a cachupa, ou da sua
versão que se come de manhã, ‘guizod c’ov
estrelod’, nem ‘cuscuz c’mantega’,
nem ‘doce de papaia c’ quej de cabra’.
Ou seja, poderíamos concluir que o senhor Parker talvez não seja um turista
‘sustentável’, para usar um jargão técnico-ambientalista, mas sim um turista sofisticado
que se adapta melhor ao conforto dos resorts e condomínios fechados da ilha do
Sal, do que deambular-se em pleno dia perdido pelas ruas desertadas deste Mindelo,
outrora a metrópole cabo-verdiana e cosmopolita. Mas não temos bases para
concluir o que suponho aqui. Mas uma coisa convenhamos, o australiano não tinha
nem tem que saber se situar na cidade, pois que devia haver um Ofício do
Turismo, apresentando um leque de informações, roteiros da cidade, panfletos,
desfolháveis etc. Num país que fala todos os dias de turismo, e que se aplicou
na implantação de dezenas de hotéis, resorts e condomínios fechados de luxo,
mundos à parte do mundo cabo-verdiano, é o mínimo que se esperava. Ele não
tinha que adivinhar que a ilha de S. Vicente foi um importante centro cultural
e intelectual do arquipélago ou o baluarte da música cabo-verdiana, que nos
tempos áureos, da geração dos seus pais/avós, haviam conceituados piano-bares e
pubs, tais como o Café Royal, Picnic, Café Portugal etc., onde talvez algum ascendente
anglo-saxónico seu poderia (se residisse em Mindelo) ter tomado equivalentes dos
cappuccinos da época, servidos com toda a classe como em qualquer pub europeu, e que a cidade/burgo tinha
a dignidade de uma cidade bem organizada para época. Mudaram-se os tempos
mudaram-se as vontades. Não sabia que ele poderia praticar desportos
introduzidos pelos ingleses tais como o golf,
o cricket, o basebol etc. Para a
nossa vergonha actual, saberia que a nossa cidade contemplava um grande leque
de actividades culturais, desportivas, intelectuais, rádios, jornais de um
nível bastante bom e avançados para a época e para o arquipélago. Também não
tinha que saber que a Inglaterra deu uma grande contribuição ao desenvolvimento
económico, intelectual e cultural da ilha e do arquipélago, e que deixou marcas
indeléveis no património arquitectónico da ilha, hoje maltratado por interesses
especulativos e o desleixo ou a ignorância das autoridades (2, 3, 4). Nem tão
pouco que o jovem estado não deixou, simplesmente por birras políticas e
ideológicas ou jogos estratégicos, que a ilha anglófila desenvolvesse relações
privilegiadas, culturais, desportivas e até intelectuais, com os países do
Reino Unido ou da Commonwealth. Mas a culpa não é do australiano, se a cidade,
a segunda do arquipélago, se decrepitou em 40 anos de história de país independente,
ou se todos os atributos e os trunfos da ilha não fazem parte de um cartão-de-visita
digno de uma cidade moderna, a serem vendidos a qualquer turista logo à sua
chegada. Ele também não tinha que perceber como é que esta ilha com um grande
potencial turístico e cultural não investe suficientemente nestas áreas, fazendo
tudo para vender o máximo de impressões materiais e imateriais sobre ela. De
qualquer maneira, esta deveria ser a filosofia a presidir ao business do turismo em S. Vicente e Cabo
Verde, que os directores sentados nas cadeiras douradas do Mindelo ou da Praia
deveriam saber. Hélas…
Na realidade, Tony Park analisou
friamente a indústria turística do ponto de vista de um consumidor rápido (que não
passa num mesmo local dias ou meses, mas sim horas), como o faz qualquer analista
turístico ou especialista de questões de turismo, que não visitam os países
por razões de fraternidade, nem pelos belos olhos dos autóctones. Comparando com os elogios
que teceu da ilha Madeira, de Portugal (5), o veredicto proferido do australiano na curta estada em
S. Vicente é pois, sem apelo nem agravo, uma afrontosa provocação, um autêntico
balde de água fria na presunção bacoca de alguns mindelenses, chegando ao
cúmulo de convidar os turistas a não saírem do navio, caso venham acostar no Cais
do Porto Grande. Nessas preocupações não se incluíam os perigos do caçubody e de outras violências susceptíveis
de vitimar qualquer aventureiro que se afaste inadvertidamente alguns metros do
centro da cidade a partir de certas horas da noite, não havendo um único polícia
nas imediações que o socorra, horas impróprias para o trabalho de um “funcionário”.
Mas Cabo-Verde é ainda visto como um país de brandos costumes!
A indignação, compreensível para aqueles que acreditam
piamente que S. Vicente é a terra onde Deus despejou a sua alegria e felicidade,
ou popularmente dizendo, Soncente é Sabe,
subiu de tom e auto-alimentou-se chegando ao ponto de misturar esta opinião
civil com questões políticas, trazendo para o debate argumentos que não eram tidos
nem achados, mas que hoje, passada a efervescência, se denunciam pela ligeireza
da retórica: se o Sr. Parker não sabe devia saber, os australianos
anglo-saxónicos são descendentes e actuais de opressores de aborígenes, (assim
como os nossos amigos americanos o são dos índios), pelo que não têm o direito à
opinião. Pior, o sr. Parker, sendo australiano, será ele mesmo racista?! Um bom
cliché! Esse senhor é tido por culpado por emitir opinião, e da próxima vez e
onde for, abstenha-se de emitir opiniões. Bem, com argumentos deste nível tão
primário, temos especialistas com excelentes argumentos para preencher um Livro
Branco do Turismo em Cabo Verde. Assunto arrumado, não se debate mais.
José Fortes Lopes
Referências:1-Turista critica São Vicente num jornal australiano;http://asemana.publ.cv/spip.php?article97800&ak=1
2- O Património Arquitectónico e Histórico do Mindelo Tem os Seus Dias Contados?, Expresso das Ilhas, 9/12/2009.
3-São Vicente é uma ilha à deriva; http://www.forcv.com/opinions/3911-sao-vicente-e-uma-ilha-a-deriva.
4- Liceu velho, Fortim Eden Park - revistando o artigo sobre o caos urbanístico no Mindelo: “Uma ilha à deriva”; http://www.jsn.com.cv/index.php/opiniao/349-jose-fortes-lopes-liceu-velho-fortim-eden-park-revistando-o-artigo-sobre-o-caos-urbanistico-no-mindelo-uma-ilha-a-deriva
5- Visit the island of Madeira aboard the MSC Sinfonia; http://www.heraldsun.com.au/travel/world/ visit
the-island-of-madeira-aboard-the-msc-sinfonia/story-fnjjva7c-1226832814529.
O amigo e companheiro José Lopes explicou-se muito bem neste texto.
ResponderEliminarÉ preciso pôr os pés no chão e não pensar que o turismo dá frutos por uma tuta e meia. É preciso que se tenha a noção de que a competitividade internacional é grande no sector e que os outros há muito fizeram o trabalho de casa. E mesmo assim não acredito que pensem que tudo está feito e pronto.
A maior parte da fruta não cai das árvores como manga-de-terra: é precis escalar bem alto, nos coqueiros da vida!
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