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sábado, 14 de junho de 2014

[7024] - THE CAT AMONG THE PIGEONS...


QUANDO UM AUSTRALIANO LANÇA UMA PEDRADA NO CHARCO DAS ÁGUA TURVAS DO PORTO GRANDE

 
Em Março de 2014, Tony Park, após o seu cruzeiro no MSC Sinfonia, que aportou no Porto Grande de S. Vicente, escreveu um artigo que foi uma autêntica pedrada em forma de boomerang na blogosfera cabo-verdiana. Pela primeira vez tivemos uma opinião publicamente expressa por um turista ou estrangeiro sobre Cabo Verde. Não é surpreendente que tenha sido um anglo-saxónico a fazê-lo.

Tony Park veio a Mindelo, viu, exprimiu uma opinião (1), dizendo que não gostou daquilo que viu. Não terá gostado dos serviços ou da Ilha? Como os gostos são subjectivos e por isso não se discutem, inclinamo-nos para a primeira hipótese.

Da leitura que se faz do artigo depreende-se que o australiano não se referiu a nenhum pormenor físico da ilha, nem da sua gente. Centrou a sua análise nos aspectos puramente materiais e circunstanciais, ou seja, os serviços disponíveis ou disponibilizados na ilha. Com efeito não viu, o turista, indícios de alguma indústria turística na ilha, nem tão pouco na cidade, e se viu alguma coisa deverá ter sido considerado irrelevante. Imaginem!, ele não encontrou nas suas deambulações pela cidade, pelo menos durante o dia, sequer um pub conceituado (segundo os critérios de um turista de cruzeiro) onde pudesse tomar o seu famoso cappuccino, como o faz qualquer turista que se preze. Hélas, não disse que procurou salas de espectáculo ou de concerto, galerias de arte, exposições de artesanato local, museus, exposições culturais, shoppings, uma grande livraria digna do seu nome onde poderia comprar revistas como Le Monde, The Herald Tribune, El Pais, Der Spiegel ou o Financial Times, ou os últimos livros publicados no mundo ou presentes em qualquer livraria de uma qualquer cidade do mundo, ou seja a componente cultural e intelectual que caracteriza uma grande metrópole moderna hoje. Felizmente para nós, pois se esse senhor se apresentasse como um intelectual ou um homem de cultura, as suas lamentações atingiriam os céus. E eu sinceramente estou mais preocupado com questões de ordem cultural decorrentes do clima de depressão socioeconómica de que vive a ilha há décadas, do que com os cappuccinos do senhor Parker, que tanto alarido causou. É assim que descreveu a ilha como um sítio parado no tempo, sem a mínima infraestrutura própria de qualquer cidade moderna, fora do circuito mundial turístico, em perfeito contraste com o produto que se pretende vender. Quando lhe garantiram que a surpresa das surpresas seria a Baía das Gatas, viu cenas, como conta, de incivilidade em plena praia e à luz do dia, ‘shocking’ para um anglo-saxónico!!!

Pois é, o retrato que fez da ilha é uma autêntica bofetada àqueles que andam a alardear pelo país e o mundo fora, o turismo como a indústria nacional, a galinha de ovos de ouro.

Concorde-se ou não com a sua análise, Tony Park disse o que lhe veio na alma anglo-saxónica. Obviamente feriu o orgulho susceptível do leão mindelense, símbolo da invencibilidade vicentina e desencadeou uma autêntica histeria colectiva na blogosfera crioula.

Mas num ponto concordo com muitos detractores deste senhor, seriam necessários dias para ‘tomar o seu pulso’ e fazer uma real avaliação da ilha e das suas potencialidades em termos de indústria turística. Pois, de certeza que na sua avaliação não se referiu ao que Deus nos deu, à inquestionável beleza física da ilha, e não perscrutou a verdadeira alma mindelense, nem apreciou a morabeza crioula da sua gente. Pura e simplesmente, não teve tempo para admirar a baía do Porto Grande, reputada como uma das mais belas do mundo, nem o esplendor do Monte Cara em todas as suas perspectivas e cores. Não admirou o interior agreste e duro da ilha em todo o seu deslumbramento, este presente belo e majestoso da natureza, que facetou a personalidade mindelense e que impressiona muitos estrangeiros. O sr. Parker de certeza não teve tempo de ir a uma romântica noite mindelense/cabo-verdiana, nem talvez deva gostar do prato tipicamente mindelense/cabo-verdiano, a cachupa, ou da sua versão que se come de manhã, ‘guizod c’ov estrelod’, nem ‘cuscuz c’mantega’, nem ‘doce de papaia c’ quej de cabra’. Ou seja, poderíamos concluir que o senhor Parker talvez não seja um turista ‘sustentável’, para usar um jargão técnico-ambientalista, mas sim um turista sofisticado que se adapta melhor ao conforto dos resorts e condomínios fechados da ilha do Sal, do que deambular-se em pleno dia perdido pelas ruas desertadas deste Mindelo, outrora a metrópole cabo-verdiana e cosmopolita. Mas não temos bases para concluir o que suponho aqui. Mas uma coisa convenhamos, o australiano não tinha nem tem que saber se situar na cidade, pois que devia haver um Ofício do Turismo, apresentando um leque de informações, roteiros da cidade, panfletos, desfolháveis etc. Num país que fala todos os dias de turismo, e que se aplicou na implantação de dezenas de hotéis, resorts e condomínios fechados de luxo, mundos à parte do mundo cabo-verdiano, é o mínimo que se esperava. Ele não tinha que adivinhar que a ilha de S. Vicente foi um importante centro cultural e intelectual do arquipélago ou o baluarte da música cabo-verdiana, que nos tempos áureos, da geração dos seus pais/avós, haviam conceituados piano-bares e pubs, tais como o Café Royal, Picnic, Café Portugal etc., onde talvez algum ascendente anglo-saxónico seu poderia (se residisse em Mindelo) ter tomado equivalentes dos cappuccinos da época, servidos com toda a classe como em qualquer pub europeu, e que a cidade/burgo tinha a dignidade de uma cidade bem organizada para época. Mudaram-se os tempos mudaram-se as vontades. Não sabia que ele poderia praticar desportos introduzidos pelos ingleses tais como o golf, o cricket, o basebol etc. Para a nossa vergonha actual, saberia que a nossa cidade contemplava um grande leque de actividades culturais, desportivas, intelectuais, rádios, jornais de um nível bastante bom e avançados para a época e para o arquipélago. Também não tinha que saber que a Inglaterra deu uma grande contribuição ao desenvolvimento económico, intelectual e cultural da ilha e do arquipélago, e que deixou marcas indeléveis no património arquitectónico da ilha, hoje maltratado por interesses especulativos e o desleixo ou a ignorância das autoridades (2, 3, 4). Nem tão pouco que o jovem estado não deixou, simplesmente por birras políticas e ideológicas ou jogos estratégicos, que a ilha anglófila desenvolvesse relações privilegiadas, culturais, desportivas e até intelectuais, com os países do Reino Unido ou da Commonwealth. Mas a culpa não é do australiano, se a cidade, a segunda do arquipélago, se decrepitou em 40 anos de história de país independente, ou se todos os atributos e os trunfos da ilha não fazem parte de um cartão-de-visita digno de uma cidade moderna, a serem vendidos a qualquer turista logo à sua chegada. Ele também não tinha que perceber como é que esta ilha com um grande potencial turístico e cultural não investe suficientemente nestas áreas, fazendo tudo para vender o máximo de impressões materiais e imateriais sobre ela. De qualquer maneira, esta deveria ser a filosofia a presidir ao business do turismo em S. Vicente e Cabo Verde, que os directores sentados nas cadeiras douradas do Mindelo ou da Praia deveriam saber. Hélas…

Na realidade, Tony Park analisou friamente a indústria turística do ponto de vista de um consumidor rápido (que não passa num mesmo local dias ou meses, mas sim horas), como o faz qualquer analista turístico ou especialista de questões de turismo, que não visitam os países por razões de fraternidade, nem pelos belos olhos dos autóctones. Comparando com os elogios que teceu da ilha Madeira, de Portugal (5), o veredicto proferido do australiano na curta estada em S. Vicente é pois, sem apelo nem agravo, uma afrontosa provocação, um autêntico balde de água fria na presunção bacoca de alguns mindelenses, chegando ao cúmulo de convidar os turistas a não saírem do navio, caso venham acostar no Cais do Porto Grande. Nessas preocupações não se incluíam os perigos do caçubody e de outras violências susceptíveis de vitimar qualquer aventureiro que se afaste inadvertidamente alguns metros do centro da cidade a partir de certas horas da noite, não havendo um único polícia nas imediações que o socorra, horas impróprias para o trabalho de um “funcionário”. Mas Cabo-Verde é ainda visto como um país de brandos costumes!

 A indignação, compreensível para aqueles que acreditam piamente que S. Vicente é a terra onde Deus despejou a sua alegria e felicidade, ou popularmente dizendo, Soncente é Sabe, subiu de tom e auto-alimentou-se chegando ao ponto de misturar esta opinião civil com questões políticas, trazendo para o debate argumentos que não eram tidos nem achados, mas que hoje, passada a efervescência, se denunciam pela ligeireza da retórica: se o Sr. Parker não sabe devia saber, os australianos anglo-saxónicos são descendentes e actuais de opressores de aborígenes, (assim como os nossos amigos americanos o são dos índios), pelo que não têm o direito à opinião. Pior, o sr. Parker, sendo australiano, será ele mesmo racista?! Um bom cliché! Esse senhor é tido por culpado por emitir opinião, e da próxima vez e onde for, abstenha-se de emitir opiniões. Bem, com argumentos deste nível tão primário, temos especialistas com excelentes argumentos para preencher um Livro Branco do Turismo em Cabo Verde. Assunto arrumado, não se debate mais.

                                                         José Fortes Lopes
Referências:
1-Turista critica São Vicente num jornal australiano;http://asemana.publ.cv/spip.php?article97800&ak=1
2- O Património Arquitectónico e Histórico do Mindelo Tem os Seus Dias Contados?, Expresso das Ilhas, 9/12/2009.
3-São Vicente é uma ilha à deriva; http://www.forcv.com/opinions/3911-sao-vicente-e-uma-ilha-a-deriva.
4- Liceu velho, Fortim Eden Park - revistando o artigo sobre o caos urbanístico no Mindelo: “Uma ilha à deriva”; http://www.jsn.com.cv/index.php/opiniao/349-jose-fortes-lopes-liceu-velho-fortim-eden-park-revistando-o-artigo-sobre-o-caos-urbanistico-no-mindelo-uma-ilha-a-deriva
5- Visit the island of Madeira aboard the MSC Sinfonia; http://www.heraldsun.com.au/travel/world/ visit
the-island-of-madeira-aboard-the-msc-sinfonia/story-fnjjva7c-1226832814529.

 

 

 


 

2 comentários:

  1. O amigo e companheiro José Lopes explicou-se muito bem neste texto.
    É preciso pôr os pés no chão e não pensar que o turismo dá frutos por uma tuta e meia. É preciso que se tenha a noção de que a competitividade internacional é grande no sector e que os outros há muito fizeram o trabalho de casa. E mesmo assim não acredito que pensem que tudo está feito e pronto.

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  2. A maior parte da fruta não cai das árvores como manga-de-terra: é precis escalar bem alto, nos coqueiros da vida!

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