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domingo, 29 de junho de 2014

[7099] - S.VICENTE - EVOLUÇÃO SOCIAL (2)...

 
…” É interessante observar que tanto as preocupações com a saúde quanto o estímulo à prática de actividades físicas já constavam de algum modo da pauta das lideranças intelectuais de Cabo Verde desde o século XIX. Por exemplo, naquela altura, eram comuns actividades como conferencias e cursos sobre higiene popular, promovidos no Teatro Africano, pelo militar e médico Frederico Hopffer, importante personagem da história cabo-verdiana.
Em 1904, foi fundada a primeira agremiação cabo-verdiana a conceder mais atenção às actividades físicas: o Clube Mindelo. Apesar de se apresentar como uma “associação literária e de instrução”, os seus estatutos previam no artigo 2º. : “proporcionar o desenvolvimento físico por meio da ginástica” (Oliveira, 1998,p.42).Tratava-se claramente de uma influência dos europeus que habitavam a região do Mindelo e/ ou que atracavam em seu movimentado porto. Lembremos que, no século XIX, a prática já era incentivada em muitos países, entre os quais a Suécia, a Dinamarca, a França e a Alemanha.
…” Devemos considerar ainda as acções do relevante Liceu Infante D. Henrique, de Mindelo que, criado em 1917, previa desde o início a obrigatoriedade da disciplina “ciências físicas, naturais, higiene e educação física”. Muitos de seus professores envolveram-se em iniciativas ligadas a preocupações com a saúde da população. Por exemplo, Adriano Duarte Silva (1942) chamava a atenção para a necessidade de maior valorização das actividades físicas, a seu ver de grande importância para o  “aperfeiçoamento da raça” e para a educação da juventude. De acordo com a sua perspectiva, os exercícios constituíam um aspecto fundamental para um projecto pedagógico mais atualizado, atraente e completo.
…” Outro indicador importante foi o paulatino crescimento do número de artigos publicados nos periódicos locais que tinham como tema central a questão da saúde, não poucas vezes relacionando-a à prática de exercícios físicos. Um exemplo é o de Augusto Miranda (11 ago. 1933) que tinha em mente o grande número de problemas com os quais a população de Mindelo sempre convivera, mas dialogando igualmente com experiências internacionais:
A saúde pública liga-se, portanto,  aos assuntos principais da administração do Estado … Assim o reconheceram estadistas do Brasil, não poupando à sua nação as despesas enormes para sanear a sua grande capital. O aformosamento do Rio de Janeiro resultou das obras importantes ali realizadas, maior riqueza pública consequente do aumento do vigor físico da população.
“ Essa preocupação com a saúde das colónias não era incomum desde o final do século XIX, quando cresceram as iniciativas portuguesas de melhor ocupar e controlar seus territórios na África. Aliás, segundo conclui Iliffe (1999), tratava-se de algo observável em todo o continente africano. No caso cabo-verdiano, percebe-se uma boa acolhida dessas iniciativas e até mesmo reivindicações de maior acção por parte da metrópole.
Nesse quadro em que aumentaram as preocupações com a saúde e o estimulo à prática de actividades físicas, dois movimentos juvenis se estruturaram em Cabo Verde nas décadas de 1910-1930. Pra melhor entender o contexto social no qual se desenvolveram, tracemos um panorama da vida pública na cidade de Mindelo naquele momento.
…” Em Cabo Verde, as décadas de 1910 e 1930 foram marcadas por uma decepção com os caminhos da República Portuguesa (iniciada em 1910), que não trouxe as esperadas mudanças para o arquipélago. Na verdade, a instabilidade de Portugal e a sua incapacidade de resolver os seus problemas, além do quadro contextual europeu, levaram, em 1926, à queda da Primeira República e à instauração de um dos mais longos regimes autoritários da história. O impacto sobre as colónias foi bastante sensível. “ A ditadura restringiu a autonomia das colónias mediante a promulgação das “Bases Orgânicas da Administração Colonial” (Pimenta,2010, p.59). Com a ascensão definitiva de António Salazar à liderança do novo regime (1933), o Estado Novo, o quadro tornar-se-ia ainda mais complicado.
…” Nesse cenário, em Cabo Verde, novas posturas foram entabuladas, ainda que, em linhas gerais, continuassem e aprofundassem a estratégia anterior de construção identitária. È possível afirmar que o discurso lusitano-crioulo conformou-se “ ...não pela via de rompimento, mas sim de reiteração da lealdade dos filhos da terra à grande Pátria Lusitana. É o desejo de plena inclusão nacional que impulsiona a luta contra seu braço colonial” (Fernandes,2006, p.20). Ao reivindicarem o seu reconhecimento como lusitanos de facto e de direito, os crioulos visavam daí extrair elementos para a disputa mais equânime.
Nesse contexto, o âmbito cultural apresentou-se como um dos principais cenários de luta, lócus privilegiado para a construção de representações que articulavam às reivindicações locais, no sentido de expressar os limites de certas construções coloniais. O momento foi marcado pela “consistência do campo cultural, testemunhada pelo protagonismo cada vez maior dos novéis filhos da terra, seja nas instituições de educação, seja nas variadas produções culturais (Fernandes,2006, p.112).
…” Na década de 1930, mesmo com muitos problemas desencadeados por crises de abastecimento, observa-se em Mindelo uma vida pública já bem estruturada. Segundo Maria Acher (1950 p.35) de forma um pouco exagerada, mas de maneira alguma equivocada, os cabo-verdianos:
…” Vestem-se pelos figurinos franceses, recebem elegantemente em suas casas, compram automóveis de boa marca, viajam em primeira classe, interessam-se por assuntos de arte e de cultura. As cidades são iluminadas a electricidade, dispõem de água canalizada, esgotos, pavimentos modernos, jardins, diversões. Muitas cidades da província, em Portugal, são mais monótonas e rotineiras do que estas. Praticam largamente o desporto, quer náutico, quer terrestre, com animadas competições. Brancos e crioulos frequentam os clubes de natação, remo, vela, ténis, futebol, etc. Evidentemente que a bola é o desporto preferido…”
In: U. Rio janeiro- Estudos socias

Pesquisa de A.Mendes

5 comentários:

  1. Bom trabalho de pesquisa realizou o A Mendes.
    É precisamente pela consciência desta realidade histórica que os sanvicentinos não se conformam nem aceitam ser ignorados e desprezados como vêm sendo desde a independência.
    É por saberem que foi S. Vicente a ilha que introduziu a modernidade no arquipélago que os mindelenses vêm clamando por um tratamento mais respeitoso e condigno com o seu passado. É por tudo isso que defendem uma regionalização que conceda à ilha uma maior autonomia, mercê de adequados instrumentos políticos e financeiros, para que seja ela própria a decidir sobre o essencial do seu futuro.

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  2. Espero que os nossos habituais companheiros venham aqui comentar.
    É claro que a Maria Acher exagera um bocado, se bem que no quadro pintado se reveja o sector mais privilegiado da sociedade de então.
    Vamos ver se o detector de robot foi mesmo à vida, Zito. Se é o caso, a estas horas estará no armazém da sucataria a perguntar-se: - Mas que mal fiz ao rapaz Adriano, que passa a vida a azucrinar-me o juízo?

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  3. Bravo, bravo, Zito. O detector de robot já cá não canta. Presumo que agora ninguém tem desculpa para não vir aqui comer um pratinho de arrozcatum.

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  4. Trabalho muito interessante. Um obrigado ao A Mendes por estes dois artigos bastantes eludativos da história do Mindelio

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  5. Os exageros de apreciação podem ser uma demonstração de admiração pelos avanços da sociedade mindelense, á frente do seu tempo, um paradigma que as forças vivas actuais tem a obrigação moral e intelectual de recuperar das cinzas que restaram do seu sacrificio no altar da politica da prepotência...

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