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domingo, 6 de julho de 2014

[7128] - ARGEL, 26 DE AGOSTO DE 1974...

ACORDO ENTRE O GOVERNO PORTUGUÊS E O PARTIDO AFRICANO DA INDEPENDÊNCIA
DA GUINÉ E CABO VERDE 1
Reunidas em Argel aos vinte e seis dias do mês de Agosto de mil novecentos e setenta e quatro, as Delegações do Governo Português e do Comité Executivo da Luta do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), na sequência de negociações bilaterais anteriormente realizadas, em ambiente de grande cordialidade, em Londres e Argel, acordam no seguinte:
ARTIGO 1.°
O reconhecimento de jure da República da Guiné-Bissau, como Estado Soberano, pelo Estado Português, terá lugar no dia dez de Setembro de mil novecentos e setenta e quatro.
ARTIGO 2.º
Com a assinatura deste Protocolo de Acordo o cessar-fogo mutuamente observado de facto em todo o território da República da Guiné-Bissau pelas forças de terra, mar e ar das duas partes converte-se automaticamente em cessar-fogo de jure.
ARTIGO 3.º
A retracção do dispositivo militar português e a saída progressiva para Portugal das forças armadas portuguesas continuarão a processar-se de acordo com o estabelecido no Anexo a este Protocolo, devendo essa saída estar concluída até ao dia trinta e um de Outubro de mil novecentos e setenta e quatro.
1 Publicado no Diário do Governo, I Série, Suplemento, n.° 202, de 30 de Agosto de 1974.
ARTIGO 4.º
O Estado Português e a República da Guiné-Bissau comprometem-se a estabelecer e a desenvolver relações de cooperação activa, nomeadamente nos domínios económico, financeiro, cultural e técnico, numa base de independência, respeito mútuo, igualdade e reciprocidade de interesses e de relações harmonisosasharmoniosas entre os cidadãos das duas Repúblicas.
ARTIGO 5.º
Com este fim, e depois do acto de reconhecimento de jure da República da Guiné-Bissau pelo Estado Português, os dois Estados estabelecerão entre si relações diplomáticas ao nível de embaixador, comprometendo-se a celebrar, no mais curto prazo, acordos bilaterais de amizade e de cooperação nos diferentes domínios.
ARTIGO 6.°
O Governo Português reafirma o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência e garante a efectivação desse direito de acordo com as resoluções pertinentes das Nações Unidas, tendo também em conta a vontade expressa da Organização da Unidade Africana.
ARTIGO 7.º
O Governo Português e o PAIGC consideram que o acesso de Cabo Verde à independência, no quadro geral da descolonização dos territórios africanos sob dominação portuguesa, constitui factor necessário para uma paz duradoura e uma cooperação sincera entre a República Portuguesa e a República da Guiné-Bissau.
ARTIGO 8.º
Lembrando a resolução do Conselho de Segurança que recomenda a admissão da República da Guiné-Bissau na ONU, a Delegação do PAIGC regista com satisfação os esforços diplomáticos significativos feitos nessa ocasião pelo Governo Português, os quais estão em perfeita harmonia com o espírito de boa vontade que anima ambas as partes.
ARTIGO 9.°
As duas delegações exprimem a sua satisfação por terem podido levar a bom termo as negociações que tornaram possível o fim da guerra, de que foi responsável o deposto regime português, e abriram perspectivas para uma frutuosa e fraterna cooperação activa entre os respectivos Países e Povos.
Feito e assinado em Argel, em dois exemplares em língua portuguesa, aos vinte e seis dias do mês de Agosto do ano de mil novecentos e setenta e quatro.
A Delegação do Comité Executivo da Luta (CEL) do PAIGC:
Pedro Pires, membro do CEL, comandante.
Umarú Djalo, membro do CEL, comandante.
José Araújo, membro do CEL.
Otto Schacht, membro do CEL.
Lúcio Soares, membro do CEL, comandante.
Luís Oliveira Sanca, embaixador.
A Delegação do Governo Português:
Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros.
António de Almeida Santos, Ministro da Coordenação Interterritorial.
Vicente Almeida d'Eça, capitão-de-mar-e-guerra.
Hugo Manuel Rodrigues Santos, major de infantaria.
 
Colab. de A.Mndes

7 comentários:

  1. A letra deste Acordo parece efectivamente confirmar que a intenção inicial do PAIGC não se prendia bem com a ideia da autodeterminação e independência de Cabo Verde. Os artigos 6º e 7º, sobretudo o primeiro, tornam subjacente que os representantes de Portugal tiveram de pugnar pelo reconhecimento desse direito ao povo cabo-verdiano. Diz o artigo 6º que "o Governo Português reafirma o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência...". Ora, quando num documento desta delicadeza se tem de "reafirmar" um direito significa que houve um diálogo precedente em que uma das partes não o entendia como tal. Não fosse isso, o conteúdo formal do Acordo seria bem diferente. Bastaria que o reconhecimento havido em relação à Guiné fosse expresso em moldes semelhantes para com Cabo Verde. É certo que a independência da República da Guiné-Bissau já tinha sido proclamada unilateralmente pelo PAIGC, sendo que o Acordo não foi mais que a sua consagração por ambas as partes. No entanto, fazia sentido que o mesmo direito em relação a Cabo Verde se exprimisse de forma clara e insofismável, sem necessidade de ter de “reafirmar” o que quer que fosse.
    Julgo que não é preciso ir aos bastidores das conversações para colher elementos probatórios a esse respeito. E é preciso não esquecer que a ideia de Spínola era que Cabo Verde não fosse englobado nas conversações para a descolonização. Spínola talvez entendesse que Cabo Verde devia continuar ligado a Portugal, provavelmente como região autónoma. Só que os acontecimentos se precipitaram a partir do momento em que o MFA se deixou influenciar pelo Partido Comunista e por uma certa esquerda radical ensandecida. A diferença entre o Partido Comunista e essa esquerda radical era que o primeiro se movimentava conforme o interesse geoestratégico de Moscovo, ao passo que a última não era mais que a irracionalidade política solta fragmentariamente na rua e sem qualquer liderança clara e responsável. Basta relembrar o que foi a acção em Cabo Verde (sobretudo em S. Vicente) da célula do MFA a favor do PAIGC, célula essa que estava longe de representar o MFA e os seus propósitos originais. Por toda uma degeneração acontecida é que Spínola abdicou do poder. E por tudo isso é que a forma como decorreu a descolonização dos territórios africanos constitui um episódio sórdido que envergonha Portugal. Ainda não há muito tempo fui ao funeral em Tomar do general Silva Cardoso, alto comissário em Angola na altura da descolonização. Homem com H grande, militar de estirpe, o general levou para a cova a grande mágoa pelo desastre que foi a descolonização em Angola e que não conseguiu evitar.
    Resta concluir duas coisas. Primeiro, Portugal teve de se impor para que Cabo Verde fosse reconhecido como nação e com o mesmo direito dos guineenses à independência política. Se tal não tivesse acontecido, Cabo Verde teria sido pura e simplesmente integrado naquele território africano continental do mesmo modo que Zanzibar o foi na Tanganica, conforme explica e lembra o Além em post anterior. Sabendo-se o que se sabe sobre a evolução que a situação política da Guiné viria a tomar, o desfecho dessa pretensa união seria desastroso e altamente penalizador para os cabo-verdianos, embora a rotura acabasse por necessariamente acontecer, libertando Cabo Verde de uma indesejável tutela, sob os auspícios do reconhecimento da ONU e sem dúvida que com o patrocínio político-diplomático de Portugal, que haveria de curar de ressarcir os cabo-verdianos de um colossal erro histórico, tal como o viria mais tarde a fazer em relação a Timor-Leste. Mas calcula-se que o mal cometido teria o efeito de um grave insulto à identidade nacional e à honra dos cabo-verdianos, com prejuízos de vária monta provavelmente irreparáveis.

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  2. Eu conheço algumas versões desta história que aqui traz o José Além mas tinha 14 anos e não tinha na altura todo o Juízo. Assisti e fiz vigilância à Radio Barlavento tomada de assalto em Novembro de 1974 o que foi determinante para a consolidação do PAIGC em Cabo Verde. Tomar S. Vicente é tomar Cabo Verde.
    Eu acho que devia-se propor a abertura de um inquérito/ estudo sobre este período, entrevistar todos os protagonistas para se saber tudo e levar ao conhecimento de todos os cabo-verdianos as conclusões a verdade dos factos. Não deve haver omissões de factos históricos doa a quem doer.
    Os principais protagonistas do lado português já desapareceram ou estão com idade avançada e já não quererão saber destas questões. Resta o debate caboverdiano.

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  3. Se uma coisa correu mal neste acordos foi que o multipartidarismo deveria ser um ponto onde não podia haver concessões. Devia haver logo à partida um governo de unidade nacional que acabaria por amortecer e amortizar as correntes esquerdistas da sociedade cabo-verdiana que actuaram tempo de mais para fazer os enormes estragos cometidos na sociedade caboverdiana, que hoje 40 anos constatamos impotentes. São ainda rebentos esquerdista que querem-nos impingir o Alupek e que toda gente fale o mesmo crioulo e a uniformidade de Cabo Verde debaixo de uma visão etnocêntrcia.
    O PAIGC ao rejeitar na negociações o Multipartidarismo ficava logo patente que quereria um regime de partido único governar sozinho e o país só para ele. A história destes 40 anos de Cabo Verde seria bem diferente e a ilha de S. Vicente não seria tão amachucada ao ponto em que constatamos hoje. Esta ilha permaneceria farol de Cabo Verde. O abate desta ilha estava inscrito na lógica do tempo. O Homem Novo nasceria e todos constatamos as suas características. Estão de parabens

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  4. De facto, José, nesse "homem novo" pouco se reconhece o cabo-verdiano de outros tempos.
    O programa do MFA não estipulava a descolonização acéfala e precipitada como acabou por acontecer. Embora não o explicitasse, exigiria um tempo tão longo quanto necessário para se preparar as populações para autodeterminação. E em que o referendo devia ter tido lugar. Tivesse havido plano e pulso firme para a sua concretização, ter-se-ia evitado a calamidade humanitária e os milhares de vidas humanas ceifadas em Angola e Timor.

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    2. A MINHA LONGA TRAVESSIA DO DESERTO COMEÇOU QUANDO, NUM PROGRAMA MEU NA RÁDIO BARLAVENTO, PERGUNTEI: QUEM TEM MEDO DO REFERENDO??? ISTO, HÁ 40 ANOS...

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  5. ...CONVERSA DE CASERNA... OU QUASI... *
    Almeida Santos e a independência de Cabo Verde.

    Com um brilho de satisfação nos olhos, conta:´

    " -- A lei da independência de Cabo Verde tive de faze-la em duas horas. Os soldados portugueses estavam fartos de estar em Cabo Verde, fizeram reunião e mandaram telegrama para o Presidente através do meu gabinete, onde diziam: ou dão a independência no prazo de 5 dias ou nós damos aqui".
    Fui falar com Costa Gomes, disse que isto era um acto de traiçao que não sabia resolve-lo. Ainda admiti demitir-me. Liguei para a Guiné para o Pedro Pires, pedi-lhe para vir a Lisboa com urgência , falei com ele disse: " A malta topa". Ele veio e, na presença dele, em voz alta, ditei para secretária o acordo de descolonização . O Pedro Pires concordou. Telefonei para o Presidente, disse-lhe que tínhamos de reunir com o primeiro Ministro, o Mário Soares e o Melo Antunes. E assinámos, pois se não fizéssemos isso os soldados vinham embora"
    In: Jornal Público - 25 Abril de 2014 ( Excerto da entrevista a A.S.)

    * Titulo meu.

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