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quinta-feira, 10 de julho de 2014

[7146] - S. VICENTE - EVOLUÇÃO SOCIAL...

                      Considerações finais
A Mocidade Portuguesa actuava com dimensões já conhecidas dos Cabo-verdianos: a intervenção junto à juventude, por meio de actividades físicas, tendo em vista garantir, literal e metaforicamente, a saúde da nação. Todavia incomodava às lideranças locais a estrutura autoritária da entidade metropolitana, a que desconsiderava as tradições da colónia.
Com o lema “ Nada contra a Nação, Tudo pela Nação”, ao contrário dos outros dois movimentos juvenis, o escotismo e os Falcões que, em Cabo Verde, emergiram de motivações internas, a Mocidade Portuguesa tinha um intuito claramente colonial, concebida como uma das mensageiras da metrópole em territórios africanos.”É um gigante, que une, numa solidariedade inquebrantável, numa fraternidade absoluta, a mocidade portuguesa do continente, das ilhas e do ultramar” (Évora, 18 Dez.1955).
Se a Mocidade Portuguesa encontrou, a princípio, dificuldades para se implantar no arquipélago – mesmo com todas as acções coercitivas que marcavam a sua actuação – nos anos 1950 sua presença já era mais forte. Entre as suas estratégias de intervenção, o desporto ocupava espaço de grande importância:
O desporto tem tido um papel de relevo na vida da MP, porque é sabido que não há nada como este professor, para disciplinar a vontade, para controlar os nervos e para enrijar o corpo, unindo companheiros e raças diferentes, em campos de combate, onde a vitória não significa domínio e derrota, vexame (Évora, 15 Jan. 1956).
Oliveira (1958) sinaliza que, se havia certos pontos em comum entre a Mocidade e os Falcões, havia também uma diferença significativa:
Não estavam ligados a nenhum partido político nem a nenhum projecto de sociedade. Era assim uma associação que fugia do figurino fascista.
De qualquer forma, é digno de nota que, em Cabo Verde, esse pequeno e fascinante país, a relação entre saúde, actividades físicas e juventude se tenha estabelecido com tanta frequência e de maneira tão peculiar, sendo mobilizada no âmbito de uma construção identitária que não apontava “stricto sensu” para a independência, e sim para a reivindicação do reconhecimento do crioulo como “civilizado”, digno de participar do Império português nos mesmos patamares que aqueles nascidos na metrópole
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NOTAS


Um indicador interessante é o número de representações diplomáticas estabelecidas em Mindelo. Segundo Silva (1998) ali havia consulados dos seguintes países: Alemanha, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Estados Unidos, Grécia, Inglaterra, Itália, Países Baixos, Uruguai, Rússia, Suécia, Noruega e Turquia.
Devemos lembrar que, após cursar na Escola--Médico – Cirúrgica de Lisboa, o doutor Hopffer se doutorou pela Universidade de Bruxelas. Esteve sempre sintonizado com os avanços da medicina no mundo e ainda que tenha tido problemas com o governo colonial por suas ideias liberais, foi reconhecido pelos serviços prestados a cabo Verde, tais como a liderança no combate à cólera em 1856-1857. Antes do curso sobre higiene popular oferecido em Cabo Verde, ele organizara experiência semelhante em Lisboa, patrocinada pelo Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes laboriosa, realizado no palácio do conde de Almada, no Rossio.
A Claridade foi não somente uma das mais importantes revistas da história do arquipélago, como também um dos casos mais notáveis de busca de uma identidade literária em uma colónia portuguesa. Ao seu redor reuniram-se expressivos intelectuais/literatos que assumiram a causa de defesa do povo cabo-verdiano e da afirmação das peculiaridades culturais locais, chegando até mesmo a incluir o cotidiano da colónia em suas obras. Do ponto de vista do estilo, afastaram-se tanto do romantismo quanto do realismo, dialogando com o modernismo brasileiro. Para Graça (2007): “ cabo-verdianidade – enquanto atitude filosófica – cultural perante o mundo – surgiu em Barlavento, na ilha de S. Vicente ou S. Nicolau, nos finais do século XIX … Mas a originalidade dessa noção, isso é incontestável, ganhar maior configuração e expressão com o movimento claridoso”
In: U. Rio de Janeiro / estudos Sociais
Pesquisa de A.Mendes

5 comentários:

  1. Uma ocasião para nos lembrarmos do "Comandante" Julio Bento Oliveira (Julim Oliveira) criador dos Sokol's mais tarde "Falcões de S.Vicente"
    Quanto é que a ilha do Porto Grande decide homenagear esse santantonense grande filho de Cabo Verde?

    Além dos Sokol's sr. Julim foi um dinâmico Edil do Mindelo. A ele também se deveu o apetrechamento de "Step" que era a Praia dos Falcões. a implantação da electricidade (com os 2 motores Fairbank's) e mais e mais...
    Muito lhe deve S.Vicente mas, mesmo depois de 39 anos de independência, não foi lembrado na toponimia mindelense

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  2. Val, a crónica Nº 5, desta série, Post Nº 7129, de 06.07.2014, refere o grande Julim, precisamente!
    Braça,
    Zito

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  3. Na minha interpretação, a Mocidade Portuguesa tinha objectivos de marcada afirmação nacionalista antes de qualquer “intuito colonial”. O que se poderá dizer é que este último, quanto muito, viria por arrasto.
    É preciso contextualizar o momento em que é criada a Mocidade Portuguesa. Aparece numa altura em que despontam na Europa os movimentos nacionalistas de índole fascista e nacional-socialista, e precisamente quando Salazar lança na terra as sementes do Estado Novo, que é, por toda a sua enformação doutrinária, um Estado de intenção, não diria fascista, com a carga excessiva que o termo pode conter, mas fascizante. E qual é a diferença? Direi que a diferença existiria no grau e no modo materializados entre dois pólos. Num, estaria Salazar e a sua sagacidade mas também o tempero de uma certa moderação que de algum modo espelhava a idiossincrasia portuguesa. Noutro, estaria Francisco Rolão Preto e a sua admiração pela Itália fascista e pela Alemanha nacional-socialista, ainda que seja bastante controverso o pensamento de Rolão Preto. A verdade é que Salazar o exilou por causa dos seus excessos, talvez por temer que o “nacional-sindicalismo” proclamado por Rolão Preto fosse evoluir para realidades extremistas similares às que levou à desgraça a Alemanha e a Itália.
    Contudo, é um facto que a Mocidade Portuguesa tinha na sua génese os mesmos elementos de inspiração ideológica que caracterizavam a Juventude Hitleriana e a sua congénere italiana. Basta reler as afirmações dos seus fundadores, como Marcelo Caetano. Uns dirão que tudo resultava da sedução por fórmulas políticas em voga que se propunham como única solução depois do estrondoso falhanço da I República (democracia parlamentar). Outros sentenciarão sem apelo nem agravo a ditadura salazarista e todas as suas criações como a PIDE, a Legião Portuguesa e até a Mocidade Portuguesa, embora nesta a inocência juvenil dos seus membros pudesse ser o que mais aflorava na espuma da sua existência.
    Em contraponto, os Sokols eram uma organização eminentemente cívica, sem qualquer intenção política, qualquer que fosse o horizonte dos seus objectivos. Diria que se nasceu em S. Vicente é porque na ilha havia um caldo de cultura, a que não era estranha a influência estrangeira, que tornou propícia a sua criação e a sua projecção no espaço do território. Não creio que por trás da organização houvesse qualquer intenção de “reivindicar o reconhecimento do crioulo como “civilizado”, digno de participar do Império português nos mesmos patamares que aqueles nascidos na metrópole”. Prefiro pensar que tudo nasceu da espontaneidade e do espírito que caracterizou o mindelense na primeira década do século XX. Mas, enfim, todas as interpretações são aceites.

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    1. Adriano, acho que vou postar este comentário para maior e merecida visibilidade...
      Aplaudo!

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