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quarta-feira, 16 de julho de 2014

[7180] - CABO VERDE - RECORDANDO GENTE GRANDE (3)...

 
                      JOÃO MANUEL VARELA -- 1937 - 2007


NOTÍCIA DA BBC-- ÁFRICA – (08 de Agosto de 2007):
-- “ O professor, cientista e neurocirurgião João Manuel Varela, também escritor, por sinal, dos mais respeitados de Cabo Verde, morreu na noite desta terça-feira, 7, aos 70 anos de idade, na cidade do Mindelo, ilha de S. Vicente.
O extinto padecia de doença grave há mais de três anos, e nos últimos meses encontrava-se praticamente em estado vegetativo.
Natural de S. Vicente, nasceu a 7 de Junho de 1937
Formado em medicina pelas universidades de Coimbra e Lisboa, João M. Varela viveu largos anos na Europa, sobretudo na Bélgica, sendo doutorado pela Universidade de Antuérpia, onde pôde desenvolver as suas investigações no domínio do cérebro (neuropatologia e neurobiologia, em particular).
ANGOLA E LESOTO
…” Nas suas andanças pelo mundo, Varela também viveu em Angola e no Lesoto, nos anos 70 e 80, tendo regressado a Cabo Verde em 1998 depois de uma ausência de mais de 40 anos.
--- “ Integrou-se no ISECMAR, onde passou a leccionar Citologia e Fisiologia Celular, até contrair a doença que o afectou para o resto da vida.
Em S. Vicente, fundou a Academia de Estudos de Culturas Comparadas, EECCOM, que publicou vários números na revista “Anais”.
…” Poeta, contista, romancista, J.M. Varela usava como pseudónimos João Vário e Timóteo Tio Tiofe (poesia) e G T Didial (ficção e ensaios).
GRANDES POESIAS
A sua obra, em especial a poética, é considerada pela generalidade da crítica como uma das mais ricas produzidas por um criador cabo-verdiano. Aliás, a par do seu amigo de infância Corsino Fortes, autor de “Pão & Fonema”, Varela publicou, em 1975, com o pseudónimo de Timóteo Tio Tiofe, aquele que é considerado um dos marcos da poesia cabo-verdiana pós Claridade: “ O segundo livro de Notcha”.(1)
…” Mas é com João Vário, que este admirador de T.S. Eliot, Saint J.Perse, Dante, Bíblia e outros clássicos ocidentais e universais, se impôs de forma incontornável nas letras cabo-verdianas, com uma série de livros denominados “Exemplos”, alguns dos quais escritos directamente em francês e inglês.
“SÍNDROME VARELA”
O romance “ O Estado Impenitente da Fragilidade” e os dois volumes de “Contos da Macaronésia”, além de textos dispersos, completam a bibliografia deste autor cabo-verdiano de Micadinaia (nome que dava à sua cidade do Mindelo), africano e universal.
Além da literatura J. M. Varela, é também autor de uma vasta produção de carácter científico, parte da qual se encontra dispersa em revistas especializadas.
A par do químico Roberto Duarte Silva, Varela é o único cabo-verdiano que deixa o seu nome associado à descoberta na área médica— cientifica, nomeadamente o “Síndrome de Varela”, um liquido existente no cérebro e que tem uma função considerada importante”.
………………………………………
 Do livro “Exemplo Relativo” (1968) -- “Exilio” (excerto):

E, então, passámos aquele grande rio
e  as portas de Rodão, chamados. Era em Abril,
dois dia depois da neve
e da cidade de nevões, na serra.
Íamos a caminho do exilio.
E olhámos para os penhascos da beira-rio,
as oliveiras, o xisto, a cevada,
as ervas de termo e as colinas.
E, junto da via-férrea, os homens do país
miravam-nos como se fossemos nós
e não eles os mortos desta terra,
homens do medo e do tempo da discórdia
que trazem para o cimo das estradas
a malícia que vai apodrecendo
seus pés neste mundo e em terras de outrem.
Que fazeis do mundo e da sua chama imponderável,
Perdidos que estais, hoje como ontem,
entre a casa e o limiar?
___________________
(1)-- Quem vai aqui transcrever excertos ou poemas do "Livro de Notcha”?!
 
Pesquisa de A.Mendes





    

9 comentários:

  1. Este é dos mindelenses cabo-verdianos 'self made man' um 'filho de pobreza' que não obstante adversidade à partida, lutou e triunfou na vida. Como ele há muitos exemplos na nossa terra.Ou seja à partida nada está garantido temos que lutar para sermos Homens. Um exemplo a seguir.

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  2. Para mim, este é "gente grande" no mais amplo sentido da palavra. Na ciência e na literatura deixou nome e engrandeceu a nação cabo-verdiana. Não conheço muito bem a sua obra literária, mas sei que as temáticas que ele aborda o situam mais como um poeta universal que um poeta cabo-verdiano.

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  3. Há quem o considere um poeta "barroco" pela complexidade e obscuridade misteriosa das suas metáforas. Reafirmo que João Vário não é propriamente um poeta da cabo-verdianidade e por isso foi mal compreendido e, talvez, estimado. É na verdade um poeta universal e é essa qualidade que o engrandece e projecta. Não sei se ele já foi objecto de suficiente e aturado estudo, mas vai sê-lo sem dúvida quando a poesia for tida e sentida como... poesia.

    Exemplo
    Há muito passado no estar aqui com o tempo,
    Fim e reconhecimento, e não sofrendo nada mais do que o tempo concede,

    Fim de novo e reconhecimento de novo
    E tudo é crime, ou crime sempre, crime ou crime,
    Criminosíssimamente crime,
    Quando arriscamos a intensidade, comemorando.
    Aumento e festa, ou cilício, e tempo de cair e tempo de seguir,
    Tempo de mal cair e tempo de mal seguir,
    Oh amamos tanto, amamos tanto estar aqui com o tempo
    E sabendo que há nisso pouco passado.
    Porque maiores que os desígnios da vida
    São os desígnios da medida e, divididos
    Em dois por eles, com eles indo, se por eles
    Ganhamos o tempo, pedimos a forma mais fácil
    De indagar que vamos morrer e, um dia, se
    O tempo for deles e, a memória, de outros,
    Havemos de ser úteis como mortos há muito,
    Sem que a causa, o delírio, a designação,
    O julgamento nossa medida abandonem,
    Dividida em duas por elas, e ganhando constância.

    Depois, depois faremos ou fará o tempo, por sua vez,
    Aquele blasfemíssimo comentário,
    E então consta que amámos.

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  4. Aproveitemos, companheiros, para revisitar João Vário, ou visitá-lo mesmo por aqueles que não conhecem.

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  5. Caro Companheiro
    Adriano Lima
    Um cheirinho da "revisita":
    Contos da Macaronésia - Volume I

    ..." É de Micadania, não é?
    -- Sim. Conhece nhô Nhico? Dizem que sou filho dele.
    O tom com que acompanhou a revelação era tão chocarreiro quanto esta era, na realidade, desenvolta. Mas era perfeitamente compreensível aquilo que a afirmação poderia, por outro lado, indicar com prudência : nhô Nhico era considerado pai de 35 filhos ou 40 dos meus concidadãos.
    Porém ele próprio dizia que se exagerava na conta. segundo a sua estimativa, o número dos seus filhos não devia ir além dos 32. ... " O resto devia-se à extrema bondade das mulheres..."

    Eu deixara de estar ali, ao lado do rapaz, por momentos, eu fui levado, pelas reminiscências para Macaronésia, durante o último verão, em que, aproveitando a minha estadia na cidade, nhô Nhico fora consultar-me. Ele havia já ultrapassado os setenta anos, me pareceu.
    Mas, como muita gente do seu tempo, não é capaz de dizer o ano exacto em que nasceu e, consequentemente, não sabe precisar a idade.
    Mal entrou no consultório, disse abruptamente:
    -- Isto não se põe, de pé.
    -- O que é que não se põe de pé, nhô Nhico?
    -- Isto -- indicou, apontando para o fundilho das calças"...
    ... " Quantos anos me dás?
    -- Acho que deves ter passado já a casa dos setenta.
    -- Creio que estás na verdade: Mas estou preocupado porque antes eu podia dar três, quatro ou cinco bem puxadas e agora só posso dar uma... Dou uma e ele já não se levanta mais..."

    ....

    Quem quiser seguir este conto e a maior parte da obra do autor, visite:

    memoria - africa.ua.pt/library/joaoVario.aspex


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  6. Foi pena, poucos apareceram, e da minha parte não vale a pena acrescentar mais nada. Será chover no molhado. Será que é por o poeta ter sido marginalizado pelos críticos cabo-verdianos por não se ter identificado com a linha tradicional da poesia cabo-verdiana?

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  7. Creio, Adriano, que terá colocado o dedo na ferida...Pessoalmente, não entendo porque se ostraciza uma personalidade deste calibre e desta estatura só porque será um universalista e já não tanto regionalista...Será pecado crescer para alem das fronteiras da nossa aldeia?!

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  8. Duas opiniões:

    Francisco José Viegas ( Como Director da Casa F. Pessoa)

    " Era para mim o meu eterno candidato ao prémio Camões, uma grande figura um grande autor; um dos maiores poetas da Língua Portuguesa. Considero que é uma enorme perda para a poesia de Cabo Verde e para a cultura lusófona.
    A Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, rendeu-lhe homenagem muito recentemente e planeava um ciclo de leitura de poesia de João Vário "
    ------------------------
    Ana Salgueiro Rodrigues ( Universidade Católica)

    ..." Apelidado por Corsino Fortes, seu companheiro de geração, como um "negro negro greco-latino" -- na irónica acusação quer de uma suposta submissão de J.M.V. a uma hegemonia cultural europeia, quer de uma traição áquilo que, para Corsino Fortes, seria, nos anos quentes da construção da independência crioula, a autêntica cultura considerado um intelectual excêntrico no sistema cultural cabo-verdiano.
    Em grande parte, a marginalidade então atribuída à sua obra ficou a dever-se, justamente, ao facto de ter recusado aceitar uma perspectiva do mundo maniqueísta e redutora e por ter desenvolvido um posicionamento intelectual que se orientou por uma contínua atitude (auto) crítica e por um sistemático processo de tradução e mediação intercultural, entre múltiplos mundos por ele habitados: as Ilhas de cabo Verde e as comunidades da diáspora: África e Europa, a ciência, a literatura, a arte...."

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  9. Agradecendo a amendes a referência à citação do meu texto sobre João Manuel Varela, partilho aqui o link para um sítio onde poderão ter acesso à totalidade do texto. Talvez o problema maior da (não) leitura da obra plural de Varela e da sua problemática inserção no sistema cultural cabo-verdiano resida justamente na sua complexidade e no facto de escapar, tantas vezes, à dualidade dicotómica com que ainda continuamos a tentar perceber os fenómenos culturais contemporâneos.
    https://www.academia.edu/11547278/Navegando_entre_ilhas_culturais_e_disciplinares._Uma_epistemologia_arquipel%C3%A1gica_Jo%C3%A3o_Varela_e_a_instabilidade_moderna

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