Estando em visita na
Ilha da Boa Vista aonde tinha ido para evitar que a ordem publlica fosse
alterada pelos escravos, soube que tinha naufragado no norte da Ilha de São
Nicoláu um grande navio carregado de madeira, sem que se podesse conhecer o
nome qualidade e Nação do navio por estar desfeito em poucas horas; e que por
uma insignificante quantia havia sido arrematada toda a madeira que se
salvasse. Devendo os salvados pertencer ao Estado visto não se poder descobrir
a quem pertencia o navio, e havendo grande precisão de madeiras para obras publlicas
e por outro lado para evitar motivos a futuras reclamações, transportei-me
imediatamente á Ilha de São Nicoláu atravessei por terra a ilha e fui ao
próprio logar do naufrágio; fez-me grande impressão ver que valores
importantíssimos se estavão perdendo pois o mar lançando a madeira contra as
rochas reduzia a sarradura enormes vigas de sessenta pés de comprido
sobre quatro palmos de grossura em quadro de optimo pinho de Suécia.
Os arrematantes dos
salvados me fizerão donativo para obras publlicas de todo o vigamento que se
salvasse, e desde logo encarreguei o Bacharel José Maria Pinto da Costa, que
nomeei Administrador do Conselho da Ilha de São Nicoláu, do salvamento de toda
a madeira; de que com uma despeza de cento e dez mil reis (110$000) se tinha
conseguido por em terra mil e quinhentas vigas grandes, mas um pouco raladas do
mar, e cento e cinquenta que estavão intactas, com sessenta pés de comprimento
e quatro palmos de grossura, o que não vale menos de doze a trese contos de
reis, mas que estando em um ponto aonde não podem fundiar navios nem havendo
caminhos para a levar por terra para outro ponto de fácil embarque sem grandes
despezas, temos d’esperar pelo mez de Abril em que não há temporais n’aquella
costa para embarcar as madeiras sobre vellas, sendo levadas por um cabo de vai
vem; até esse tempo as vigas serão serradas em menores demensões apropriadas
aos edifícios publlicos que há a fazer…
Mas n’esta Provincia
não há um navio próprio para carregar madeiras, nem se encontra na praça para
fretar, e por isso rogo a V.Exciª., novamente, se digne mandar para estar ás
minhas ordens o Patacho São Pedro, o qual poderá vir carregado de mantimento/
que a Junta da Fazenda pode pagar, para socorrer os habitantes da fome, depois
levará á Guiné em Janeiro o Destacamento, o Juiz de Direito e o Governador
Geral, e virá de lá carregado de madeiras, da costa, e de mantimentos, e poderá
então trazer da ilha de São Nicoláu para a de S. Vicente e de SanThiago a
madeira que foi doada ao Estado.
Ouzo esperar que
V.Eciª. acederá a este pedido, sem o qual não poderei fazer os edifícios que
tão essenciais se tornão para o serviço, não, poderei ir, como a Lei manda
visitar a Guiné, e não será rendido o destacamento o que é muito prejudicial
para a ordem publlica.
O donativo de madeiras
e de milho para sementeira da Ilha da Boa Vista que acabão de me fazer os
principais habitantes da Ilha de São Nicoláu provão a V. Exciª. o meu Governo é
ou não popular n’esta Provincia. So nisto tem o Estado lucrado importância
muito superior a quantia que despenserá com os meus ordenados no tempo do meu
Governo.
É esta mais uma
recompensa que tenho tido d’um trabalho superior ás minhas forças phísicas, e
ao meu estado de saúde e que bem me indemniza dos estragos que tenho sofrido no
meu estado sanitário se V.Exciª. me auxiliar para poder acabar a minha obra.
DEOS GUARDE
Nota: Esta carta não
está assinada / Ao tempo (1855) era Governador da Província: António Maria
Barreiros Arrobas.
Pesquisa de A,Mendes
Estava eu a ler esta carta e pensei logo que o governador só podia ser militar, tão resoluto e directo é ele nas suas acções e até no teor das suas missivas, pelo menos, esta. Fui ao wikipedia e, de facto, constatei que era major de cavalaria ao tempo das suas funções de governador. Em 1855 tinha apenas 31 anos de idade, mas já se queixava da saúde, como é dado ver nesta carta,
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