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quarta-feira, 15 de outubro de 2014

[7424] - GOVERNABILIZAR O PAÍS...

PROVINCIAS
A organização territorial: um problema em aberto

Debate Regionalização

António Cândido de Oliveira, professor e investigador da Universidade do Minho

Portugal tem por resolver, desde 1974, o problema da organização territorial do Estado.
A Constituição da República Portuguesa de 1976, que estabeleceu um Estado de direito democrático, unitário mas descentralizado, definiu essa organização de uma forma bem clara. Na base e por todo o território nacional haveria freguesias e municípios. No continente europeu haveria regiões administrativas e nos arquipélagos dos Açores e da Madeira regiões autónomas. No cimo desta pirâmide continuaria o Estado-administração, tendo como órgão superior o Governo. 
Como estamos 40 anos depois? As freguesias e municípios estão consolidados, como previsto, como entes de administração local autónoma (as primeiras eleições democráticas ocorreram em 12 de Dezembro de 1976). As regiões autónomas dos Açores e da Madeira funcionam desde o mesmo ano (eleições de 27 de Junho de 1976) e o Estado-administração mantém a sua secular actividade, tendo o primeiro Governo constitucional resultado das eleições de 25 de Abril de 1976. Faltam apenas as regiões administrativas.
O edifício constitucional da organização territorial do Estado ficou assim incompleto e não se vê forma de o concluir. Há um desfasamento entre a Constituição e a realidade que importa enfrentar abertamente. Seria um erro pensar que o problema é de fácil solução. Há uma clivagem em Portugal entre defensores e opositores da regionalização que importa ter em conta e procurar solucionar de forma democrática. E a forma democrática exige que se opere um debate entre as duas correntes que conduza a uma decisão em pé de igualdade. Ora, essa igualdade não existe actualmente. Temos o paradoxo de uma Constituição que, ao mesmo tempo que ordena a criação de regiões administrativas, introduziu em 1998 um mecanismo de criação das mesmas que as inviabiliza. O professor Marcelo Rebelo de Sousa, principal responsável pela introdução desse mecanismo referendário na lei fundamental, escreveu a esse propósito o seguinte: “É mesmo difícil conceber regime constitucional mais convidativo a uma rejeição de qualquer divisão regional do continente” (Lições de Direito Administrativo, vol. I, 1999, p. 401.) 
Não cabe no âmbito deste artigo terçar armas por uma das partes neste diferendo, bastando apenas enunciar o problema e afirmar que não é aceitável esta situação que apouca a nossa lei fundamental. Paradoxalmente, a Constituição dar-se-ia ao respeito se pura e simplesmente nem ordenasse nem proibisse a regionalização ou outra forma de organização territorial a nível supramunicipal.
Seria redutor, entretanto, considerar que em Portugal existe apenas este problema da organização territorial do Estado. Este é um tema que convoca outras discussões que importa fazer com a liberdade que é própria dos regimes democráticos. Enunciemos alguns.
As freguesias devem fazer parte da nossa organização administrativa ou devem ser delas retiradas como defendem alguns? E qual o papel que elas devem ter a manterem-se? Que balanço se pode começar a fazer da reforma territorial de 2013?
E quanto aos municípios? Temos efectivamente municípios a mais? Ou a menos? A que título impedir a criação de novos municípios, sem mais, ou seja, sem discutir essa possibilidade? 
E ainda qual a razão para impedir a existência do distrito como autarquia local ou a província ou mesmo estas fi guras novas das comunidades intermunicipais? Sabemos que há, neste momento, um obstáculo constitucional, pois só estão previstas regiões administrativas. Mas por que há-de ser assim?
A Constituição não é intocável em matéria de organização territorial do Estado e o que se pede é que este tema seja amplamente discutido para que na altura de uma próxima revisão constitucional não se faça um simulacro de debate sobre a matéria com posições políticas de circunstância a sobreporem-se a estudos feitos em devido tempo.
É neste contexto que é de saudar vivamente a iniciativa da Associação Nacional de Municípios de levar a cabo, com inteira abertura, uma conferência sobre A Organização Territorial do Estado e a Democracia de Proximidade, no dia 15 de Outubro, em plena semana europeia da democracia local.

Sugestão de
Adriano M. Lima

2 comentários:

  1. Sou partidário da regionalização em Portugal, pela mesma ordem de razões por que a defendo para Cabo Verde. Entre as duas realidades nacionais há porém uma diferença: o território de Portugal é homogéneo enquanto o de Cabo Verde é fragmentado por desígnio da natureza, a recomendar a regionalização com acrescida razão. No entanto, tudo o que seja descentralizar o poder serve os objectivos da democracia, o que é uma verdade universal. Os inconvenientes da regionalização também não podem ser ignorados, mas há sempre maneira de os minimizar e tornar insignificantes face aos óbvios benefícios desta reforma.
    Mas há uma virtude potencial que a regionalização traz no bojo: um governo central fraco ou incapaz pode ser contrabalançado com poderes regionais competentes e realizadores. Digamos que entre vários governos regionais nem todos poderão estar à altura das suas responsabilidades, mas será difícil que alguns não se distingam pela positiva e com isso despertando uma saudável emulação no plano nacional

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  2. Partilho a tua opinião Adriano há em Portugal margem para uma regionalização pois existem regiões e eu ficava por uma regionalização administrativa. Em Cabo Verde é que é imperativo a componente política, embora é claro que há muita semântica aqui, pois é sempre uma questão de dose e linguagem, pois a regionalização administrativa não pode ser despida da componente política. Ou senão começamos a falar politicamente correcto,entre correcto ou conveniente quando não queremos que determinados termos tabus apareçam no discurso político.

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