Páginas

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

[7571] - O PRINCIPIO DO MILAGRE...

"Cutchi midje" - José F. Lopes

Manhã cedo, quando o calor do sol ainda não dissolveu por completo a bruma da madrugada, ecoam pela serra as pancadas secas e ritmadas da vigorosa comadre dos confins de Santo Antão, pilando o milho que, horas mais tarde haverá de perfumar a encosta perigosamente próxima, até ao vale profundo que se adivinha, com o aroma de uma bela cachupa, acabada de cozinhar na negra panela bojuda de três pés, ao lume brando da lenha escassa das redondezas...O bucolismo desta cena de mais um dia de trabalho duro contrasta com a grandeza ciclópica  que a névoa disfarça mas não consegue esconder,  da montanha sempre presente, como sentinela protectora de um povo que, contra tudo e contra todos, teima em continuar a afirmar o seu direito a uma individualidade própria, natural, autêntica...
Senhores do poder, deixem o vosso povo seguir o destino que a Natureza lhe reservou!

4 comentários:

  1. Um texto lindo alusivo a esta cena do quotidiano caboverdiano, bem profundo, sereno, puro e pacífico em em comunhão com a natureza, enfim aquilo que caracterizas como imagem bucólica. Esperemos que agendas de transformação por que passa e passará CV não condenem a autenticidade e as raízes.

    ResponderEliminar
  2. Ao ver a beleza desta fotografia senti um arrepio prôprio de quem teve a felicidade de viver a cena (quando criança) na encantadora Fajã de Janela, da ilha irmã de Santo Antão.
    A neblina da primeira manhã, sabendo rodeado de vales, foi de apreensão que pouco depois se transformou em alegria infantil ao ver paisagees deslumbrantes diferentes das de S.Vicente.
    Que o valoroso povo dessa encosta continue aproveitando do que a Natureza ali deixou

    ResponderEliminar
  3. O texto foi sensível e gentil fazendo jus a vida simples, dura e bela

    ResponderEliminar
  4. A imagem é rica de simbolismo e fala por si própria, quase dispensando palavras. Mas não é bem assim porque o texto do Zito empresta-lhe tonalidades líricas que me fazem lembrar o Júlio Dinis pela forma como descreve as potencialidades do ambiente natural envolvente. O jogo de sombras entre a névoa e a realidade, entre o abismo e a fragilidade do homem, mostra-nos que este talvez seja a revelação mais composta do enigma do universo.

    ResponderEliminar