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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

[7577] - PARTIDOS, PARA QUÊ?!

Vieira Lopes
Advogado - Jurisconsulto

Sob o título genérico "Constituição de Fachada e Falsa Democracia", o Dr. Vieira Lopes, fez publicar um extenso trabalho sobre as contradições da Constituição e da Democracia de Cabo Verde...Isto é, óbviamente, matéria para outras cátedras mas o trabalho contém uma espécie de parentesis dedicado aos partidos que, encerrando matéria com a qual nos identificamos, pedimos vénia para transcrever...No mínimo, para que conste!

...«O»...


"...terrível e inadmissível sofisma é pretender que sem partidos/organizações políticas não poder haver Democracia..."

 O que é necessário e imprescindível para que haja Democracia é que haja liberdade de opinião e de expressão, que cada um possa optar por uma opinião ou candidato ou por outra opinião ou candidato, sem que e independentemente de que cada eleitor ou cada candidato esteja organizado em partido/organização política: o que é necessário é que, sobre cada questão, candidato ou eleição, o eleitor possa tomar ponderada e livremente uma posição, uma opção, ou seja, possa tomar partido/opção política, sem ter e sem haver nenhum partido/organização política.

 Assim nasceu a Democracia, tanto na Inglaterra como nos Estados: Democracias na base da plena liberdade de opção política. Os partidos/organizações políticas surgiram posteriormente, motivados pela expansão dos grandes eleitorados e avultadas despesas, que excediam as possibilidades materiais dos candidatos individualmente considerados, assim impelidos a criarem “organizações de massas”, partidos/organizações políticas.

 Na Inglaterra anterior a 1830 e mais concretamente ao “Reform Bill of 1832”, não se encontram sinais de partidos/organizações políticas, sendo a “Treasury List of the Election Returns compiled on Sept. 1830” elucidativa de que as facções havidas no processo eleitoral não representavam partidos/organizações políticas (“mass organizations”), mas opções políticas.

 De igual modo, nos Estados Unidos, em que só posteriormente se esboçaram e se formaram os partidos/organizações políticas, sem que a sua anterior inexistência, nos Estados Unidos como na Inglaterra, tivesse impedido a Democracia de nascer e de existir.

 Pelo contrário, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, os partidos/organizações políticas, desde o seu aparecimento, têm sido e continuam a ser motivos das mais sérias críticas e das mais justificadas apreensões.

 Na Inglaterra, não só vozes críticas acirradas desde as primeiras horas, mas também as críticas interpartidárias, os esforços partidários e dos dirigentes, para que “... the new extra-parliamentary party organizations must not be allowed to become Frankenstein’s monsters which might destroy (or at best enslave) their creators”: “... as novas organizações partidárias, extraparlamentares, sejam impedidas de se converterem em monstros de Frankenstein que possam destruir (ou, no mínimo, escravizar) os seus criadores”.

 Nos Estados Unidos, da premonitória e abalizada advertência de George Washington - no célebre “Farewell Address”: “... Let me ... warn you in the most solemn manner against the baneful effects of the spirit of party generally ... A fire not to be quenched, it demands a uniform vigilance to prevent its bursting into a flame, lest, instead of warming, it should consume...” “... Seja-me permitido ... alertar-vos da forma a mais solene contra os efeitos funestos do espírito partidário em geral ... Um fogo que, se não for apagado, exigirá forte vigilância para evitar que se deflagre em chamas, que em vez de aquecerem, destruirão ... - às recentes críticas contra a culpa dos partidos no “Government shut-down”, continuam vivos e actuais os justos receios e as fundadas críticas contra a existência de partidos/organizações políticas.

 Em resumo, os partidos/organizações políticas não são indispensáveis à existência da Democracia: surgiram como expedientes organizativos de tornear a expansão de vastos eleitorados e despesas das candidaturas nesses grandes eleitorados e, em fases do desenvolvimento económico em que o eleitorado de base já dispunha da suficiente capacidade e meios financeiros para sustentar os partidos, mas ainda assim motivando justificadas críticas de que envolvem sérios riscos para a autenticidade e bom funcionamento da Democracia e de que podem criar uma perigosa cultura de subalternização dos reais interesses da Nação.

 No que respeita a Cabo Verde, país extremamente pequeno (4.033 km2), subdesenvolvido, de escassos recursos, em que o eleitorado não dispõe da capacidade nem de meios para quotizar, financiar e sustentar nenhum partido/organização política, é aberração totalmente funesta a perniciosa existência, contra natura, de partidos/organizações políticas, que os textos normativos importados (“LsOPE”, “Constituição” de 1980/81 e “Constituição” de 1992) impuseram, para desgraça e falência moral, intelectual, social, política e material de Cabo Verde.

4 comentários:

  1. Esta é uma questão pertinente mas que não é exclusivamente cabo-verdiana.

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  2. Amigo Adriano, eu faço a transcrição precisamente por achar que o assunto é transversal, especialmente, nos paises mais pequenos em superfície e população...

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  3. Zito, faltou-me foi acrescentar à minha concordância com o autor a afirmação de que os inconvenientes da democracia têm um ónus inaceitável e gravoso quando um país pobre como Cabo Verde tem de sustentar os vícios da democracia com os recursos que lhe são escassos. As organizações políticas e todos os agentes do sistema democrático não deviam, sob pena de pecado capital, pavonear-se com gastos inúteis e supérfluos e serem exemplares na sua conduta demonstrando que o primado da sua missão é servir o povo e não arranjar tachos e trampolins para os seus interesses pessoais, quantas vezes inconfessáveis. Se um país rico ainda pode dar-se a certos luxos para ornamentar a ficção do cenário político, num país pobre isso é quase criminoso, tantas são as carências básicas. No entanto, é sempre melhor arrostar com os inconvenientes do regime democrático do que viver sob a batuta de um regime autocrático. Por isso, em boa hora foi feita aqui a transcrição.

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  4. A democracia cabo-verdiana está nos seus primeiros passos. Vão ser necessárias muitas reformas até que ela amadureça. Não basta copiar textos e constituições europeus nomeadamente portugueses para se considerar democrático. Mesmo assim prefiro a democracia ao partido único com os seus directórios.

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