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terça-feira, 4 de novembro de 2014

[7588] - P O E M A ...

Adriano Lima, 3 de Novembro de 2014, às 22:19

Em memória do meu amigo Zizim Figueira, para quem a Praça Estrela foi um dos centros do mundo. E a todos aqueles que se insurgem contra a destruição do património arquitectónico da nossa bela cidade de Mindelo.



REGRESSO À PRAÇA ESTRELA

Quando regressei ao teu saudoso regaço,
minha amiga!
quis devolver-te a pedrinha em forma de estrela 
que na ausência guardei como um tesouro. 
Mas logo vi que o mosaico do teu corpo fora devassado 
e não tinha a fulguração mística para suportar 
a emoção do reencaixe na matéria original.
Ambos usamos hoje a mesma máscara curtida pelo desengano,
dilacerada a visão auspiciosa dos sonhos acalentados.
A desilusão dói como a pluma vergada ao vento porque
quem tinha de decidir a tua sorte ignorou que um veio de luz 
corria rente ao coração dos marinheiros, das carregadeiras, 
dos pescadores e das vendedeiras do Plurim de Pexe.
O vento que outrora adejava o teu espírito fez-se tonto 
e arrebatou para longe os adereços do teu encanto de palco 
receptivo de todas as comédias de rua. 
E assim se foi tua cabeleira de acácias e palmeiras,
adorno dilecto da tua vaidade, segredo do teu perfume. 
Eras a amplificação do som do violão, do marulhar do mar,
do rumor dos botequins, do bater do pilão,
eras o lume que acendia os “limparzins” no coração do povo.
Como decifrar agora os sinais do teu signo 
se nem o cheiro de maresia e breu se sobrepõe
às fragrâncias baratas que o teu corpo hoje exala?
Para onde foram os “bancos de sono” onde tinhas o sortilégio
de reconciliar a inocência do lírio com o amargura do fel?
Perdida para sempre tua rubra ardência de moça solta e mofina,
resta-te agora a ficção dos teus novos tabernáculos, 
onde se vendem ilusões baratas e à medida de cada olhar. 
Tua vida mudou mas sem a identidade original, 
refez-se mas despojada do centro vital que albergava tua alma nua 
e onde se fundiam os ecos nostálgicos da “terralonge” e se armavam 
os cais de viagens possíveis e impossíveis.
Agora resta-te apenas, 
Minha amiga!
uma luz baça de pedra inerte, incapaz de ser
o farol entre a realidade e a fantasia.
E lá se foi o caminho para o coração da cidade!

6 comentários:

  1. Obrigado amigo e poeta Adriano Miranda Lima por este poema em memória da Praça Estrela e de um outro amigo já falecido Zizim Figueira, como eu 'mnin' desta Praça Estrela, que foi na minha infância e na de milhares de meninos o centro do nosso mundo. Espero que nenhum 'mau' tenha a ideia de construir um mamarrachos aqui. Esta Praça, a maior de S. Vicente, merece sim ser requalificada embelezada e transformada numa zona de lazer, atracção turística, mas por favor hóteis longe daqui. Para quem tem má memória, recordem que esta praça popular foi também o palco, em 1974, de muitos comícios, com música ao vivo, aclamações e promessas.

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  2. Faço minhas as palavras do José Lopes, acrescentando que nos idos de 99 e 2002 a vi como palco de ensino de capoeira. Matar a Praça Estrela é o mesmo que matar a Salina, é o mesmo que amputar mais um dedo do Mindelo ao qual já faltava o anel mas que apesar de tudo ainda apontava a um passado bonito que querem agora eliminar.

    Quanto ao poema do Adriano e à memória do Zizim (o melhor escrevente de crioulo de São Vicente que conheci), está tudo dito: good!

    Braça com raiva de quem tem raiva ao que o Mindelo ainda tem de bom,
    Djack

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  3. .

    Só um menino da terra e que a deixou depois pode sentir a força para a cantar. O meu amigo Didi, viu (vê) o que sinto desse lugar por onde passava varias vezes por dia a caminho do liceu, a caminho do trabalho e depois a caminho de um encontro com um amor platónico que ocasionou uma troca epistolar, imensamente fértil, que deixou marco indelével da minha existência.
    No conteúdo dos belos versos, vivi momentos que nem o autor viveu porque ainda não tinha idade suficiente para ver e para ouvir Jorge Monteiro em serenata, Jom DaMata gesticulando vulgarmente a sua alegria por o Mindelense ter ganho ao Castilho, para o desespero da sua filha Isaura. E mais factos inarráveis para todos que celebrizaram as estrelas da Praça que foi campo de cricket e de futebol antes de ser o que hoje é.
    Faço votos veementes para nunca seja o que diz um PM ultrapassado no tempo e no espaço.

    Bem haja, Didi !!!

    .

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  4. Fico sem palavras com a beleza do poema. E apanhando o fio às palavras do Sr. Joaquim Djack, diria de tanta amputação sem razão Mindelo está a transformar-se num inválido, tanto é que para já não há ninguém para o acudir. Assim desaparece Mindelo mas a memória se manterá sempre fiel à matriz , porque registada e nunca se perderá. Começo a "ouvir" os nossos bisnetos ou trisnetos a dizer "Mas porquê destruíram essas coisas tão bonitas do Mindelo? Já não é a mesma cidade" .



    Matrixx

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  5. Obrigada por partilhar peça de tamanha beleza e candura!

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  6. Amigos, obrigado, pelas vossas palavras simpáticas. Acrescentemos poemas à nossa indignação pelo atentado que vem acontecendo ao nosso património.

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