Terá sido em 1998, que a RTP transmitiu um trabalho chamado "Era Uma Vez, O Tarrafal..." por ocasião do 70º aniversário daquelas instalações prisionais de inspiração política, situadas na Ilha de S. Tiago, Cabo Verde...
Ao que parece, a reportagem foi retransmitida há dois dias pela RTP-Memória, e calhou que por lá passasse, na altura em que dois antigos reclusos, sobreviventes do Campo do Tarrafal, regressavam ao local onde tinham sofrido durante, respectivamente, 16 e 11 anos...
Não creio que venha nenhum mal ao mundo, recordar a História em todos os parâmetros do seu desenvolvimento, buscando, relatando, comentando, todos os actos dos que nos precederam, dos mais vis aos mais gloriosos, com toda a recomendável verdade e isenção intelectual.
É, assim, que se preserva a memória autêntica dos povos, para que melhor se reconheçam e se possam dar a conhecer...
Isto dito, reconheço não ter apreciado que o enredo dessa reportagem sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, incluísse a visita daqueles dois ex-reclusos a uma sala de aulas do ensino básico, para darem contra a alunas e alunos de tenra idade, das suas experiências durante os longos anos de cativeiro naquele mesmo local, já que a dita sala se aulas ocupa um dos edifícios do Campo e do qual, aliás, não foram, sequer, retiradas as grades das janelas, como medida para aliviar a carga negativa das instalações, que continuam a parecer aquilo que sempre foram - uma prisão!
Salvo melhor opinião, não me parece muito saudável incutir no espírito de seres tão jovens noções de politização tão violentas, ao invés de aproveitar a receptividade das suas mentes virgens para as ciências, a matemática, as línguas, os conceitos da moral e da educação cívica, alicerces de mulheres e homens do futuro, de corações sem ódios nem ressentimentos mas prenhes da ansiedade de construir um futuro de paz, harmonia e prosperidade!
Amigo Zito, lembro-me perfeitamente dessa reportagem sobre a visita ao ex-Campo de Tarrafal dos dois antigos marinheiros reclusos. Tanto apreciei a reportagem que a gravei para ver uma segunda vez. Gostei em particular da postura dos dois ex-reclusos, que me pareceram ter primado pela moderação, verdade e isenção nas suas palavras evocativas sobre esses penosos anos do seu passado. De facto, há quem aproveite esses momentos para dar largas às suas objurgatórias, muitas vezes exagerando e acrescentando um ponto ao conto. No entanto, é atitude que não custa compreender quando nos colocamos na pele de quem sofreu agruras no corpo e na alma pelo simples delito de opinião ou por ter participado num acto de insubordinação militar colectiva, com intuitos políticos, como foi o caso particular desses marinheiros. Hoje, usufruímos de liberdades cívicas e quase que nos esquecemos do quanto custa a sua privação. Embora os defeitos e os vícios da democracia, creio que ninguém no seu perfeito juízo desejaria a privação das liberdades cívicas como via para a resolução dos problemas da sociedade. Daí que o que colhi na expressão daqueles velhos marinheiros foi essencialmente um sentimento de regozijo por terem sobrevivido àquela extrema clausura e por terem chegado a uma idade octogenária ainda a tempo de saborearem a liberdade cívica.
ResponderEliminarOra, julgo que foi esse sentimento que eles procuraram transmitir àquelas crianças, cuja escola foi visitada por mera circunstância, pois ela estava ali mesmo à mão de semear. Não notei que houvesse intenção de verter sobre as suas mentes ainda virgens aquilo que o amigo Zito considera noções de politização violentas. E aqui tenho de divergir do meu querido amigo sobre uma questão de conceito. Ainda ontem, passou na RTP 1 um programa sobre a Educação em que os ilustres e experientes convidados foram quase unânimes em considerar que os Valores (humanos, ético-morais, sociais) devem estar subjacentes aos programas de educação. Neste caso, permita-me que diga que a impressão que colhi é que os antigos reclusos procuraram acima de tudo uma atitude pedagógica ao transmitirem às crianças o significado do valor da liberdade. É que toda a matéria que se ensine aos jovens tem de ser sustentada pela essência dos valores humanos, sem o que ela fica desenquadrada com o sentido da nossa existência.
Aqueles velhotes pareceram-me dignos. Gostei.
É tudo, creio, uma questão de perspectiva...Não posso retirar mérito aos velhos marinheiros nem às suas intenções mas, os fundamentos das suas experiências e a subsequente reconquista da sua dignidade, não podem ser desligadas dos motivos que ali os detiveram e da forma como a sua liberdade e os seus direitos fundamentais foram violentados...É dessa violencia que falo e interrogo-me se estes seriam os interlocutores ideais para transmitir noções de valores humanos, ético-morais e sociais, a uma plateia de crianças que, certamente, já teríam, todas, a sua dose da triste e violenta história do Tarrafal, bem como receio que esse reavivar das memórias possa ser utilizado para uma espécie de politização infantil de raizes menos pacíficas...Posso estar enganado mas foram estes os sabores que colhi da ementa televisiva e deles me fiz eco, conscientemente. Um abraço...
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