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terça-feira, 9 de dezembro de 2014

[7583] - O ASSALTO À RÁDIO BARLAVENTO...


Segundo o jornal A Nação, assinala-se hoje a tomada da Rádio Barlavento. Segundo o mesmo jornal "...a tomada da Rádio Barlavento, na Praça Nova, no Mindelo, deu-se a 09 de Dezembro de 1974, por um grupo de populares, constituído na maioria por jovens revoltados com os conteúdos da programação dessa estação emissora."
É questão para perguntar: se um grupo de populares  estava descontente com a programação de uma rádio, porque é que não criaram uma rádio do PAIGC, já que este partido tinha e tem tanto dinheiro?
Está toda a gente com o rabo escondidinho a inventar história da carochinha. Como é que é possível vir agora com este argumento de populares descontentes quando se sabe que isso é pura mentira e que a tomada da Rádio foi decidida por um 'État Major', obviamente com as mãos do PAIGC de permeio? Nenhum cidadão ou grupo de cidadãos mindelenses podia fazer uma tal acção, a menos que  fosse telecomandada ou encomendada!
Não se pode reescrever a História à conveniência. Um acto ilegal é sempre um acto ilegal seja qual for o contexto, seja qual for a sua motivação, pelo que não há hipótese de aceitar qualquer forma de legitimação da tomada de uma rádio, tanto ontem como hoje.
Pode-se justificar hoje a tomada da Rádio ou da TV, um acto ilegal, pelo simples motivo de não se gostar do seu conteúdo? Será que os mindelenses poderiam ocupá-los pelo simples facto de esses meios de comunicação fazerem a parte bela do leão ao centralismo?
Depois, todo o cuidado é pouco no tratamento deste evento e falar de festividades perante um 'coup de force', brada aos céus e revolta qualquer democrata. "Devido às incidências da catástrofe do Vulcão do Fogo, a direcção da RTC decidiu suprimir a parte "festiva" da programação pretendida..."
De resto, estes que estão a cantar de galo, não deviam fazê-lo pois ainda alguém pode ser julgado por causa desta história.
De qualquer maneira todo o mindelense de bom senso sabe hoje que o dia do re-início da ditadura, o parêntese da liberdade que abriu em 25/4/74 e durou escassos meses, fechou-se rapidamente, e a tomada da rádio correspondeu à entrega de bandeja, do poder ao PAIGC, que estava impreparado para assumir tão magna tarefa. Também hoje, todos nós podemos chupar os dedos, pois enganámo-nos redondamente, praticamos um acto condenável, reprovável, e para além disso sabe-se que o fim da nossa querida ilha e de uma certa ideia de Cabo Verde democrático, tolerante, solidário, fraternal, 'bon enfant' , 'começou a acabar' neste famigerado dia 9/12/74. 
Acredito hoje que o PAIGC acabaria por ganhar Cabo Verde sem cometer actos reprováveis e ilegalidades, e que poderíamos ter transitado para uma democracia em 1975, sem ter que de ser submetidos a um regime de um partido único. 
A tomada da rádio Barlavento é uma mancha, uma vergonha na história democrática de Cabo Verde e não devia ser comemorada em tempos de 'tolerância democrática'. (José F.Lopes)


11 comentários:

  1. Muita gente ficou parada, congelada no tempo, há 40 anos, de modo que é hoje impossível distanciar-se desse tempo, dos acontecimentos, analisar a história, os factos à luz dos valores actuais, democráticos e tolerantes. Ao não fazer isso incorrem-se no papel de patinhos feios Continuam a fazer a apologia de actos hoje condenáveis, que na altura eram aceites no quadro da dita legalidade revolucionária, do sentido da história, em que tudo era permitido, interdito de interditar, sem mostrar o mínimo de reticência, para não dizer mais. Não reconhecem que houve erros cometidos e havia alternativas a certas acções abusivas, incorrectas ou mesmo ilegais tomadas no calor da acção revolucionária. Errar é humano. Hoje não é altura de festejar, mas sim de fazer balanços, analisar estudar, fazer (como eu disse ) uma palestra adequada ao momento (bolas são 40 anos), trazer historiadores idóneos de todos os quadrantes e sensibilidades, chamar os principais protagonistas, hoje todos bem colocados na Praia a desfrutar, convidar palestrantes estrangeiros (os protagonistas portugueses), chamar num acto de abertura, reconciliação e pacificação com o passado, aqueles cabo-verdianos, os poucos ainda vivos, que ‘estavam do lado errado da história’ e que sofreram na pele as agruras da 'revolução', enfim . Pois o evento hoje atirado para debaixo do tapete, quase clandestino, foi para o PAIGC e os partidos herdeiros (PAICV e MPD) um marco histórico, charneira, correspondeu à instalação definitiva deste partido em Cabo Verde (antes em semi- clandestinidade) e à tomada do poder pelo PAIGC. Mas o ponto em que chegou o centralismo hoje, um evento desta magnitude é passado voluntariamente desapercebido, sem importância, pois não convém ao poder oficial e á sua narrativa trazer factos tão incómodos para a legalidade e a democracia vigentes, e nem debater assuntos que encaixam na visão contrária a do protagonismo da Praia e de Santiago em Cabo Verde. Sabemos esta ilha quase que não teve nenhum (tirando algumas arruaças) nos momentos decisivos para o processo da independência de Cabe Verde

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  2. Não terá sido a primeira vez que a juventude, com o seu misto de irreverência, irresponsabilidade e destempero, serviu de testa de ferro para objectivos de outrem. E tinha de ser a juventude do Mindelo, porque não havia outra semelhante capaz de surfar, sem pensar duas vezes, a onda alterosa que vinha de longe. Uma crédula juventude que apostou tudo o que tinha, sem desconfiar que os prolegómenos da inocência não entram no baralho de cartas de quem assume o poder.
    Essa juventude, hoje amadurecida pelo tempo, com rugas cavadas pela dor da desilusão, assiste ao estranho paradoxo de a sua ilha ter ficado de mãos vazias, com os créditos concedidos aos que se quedaram na passividade e no silêncio.
    Que tudo isto sirva ao menos para uma catarse colectiva, única maneira de voltar-se a acreditar que uma nova página pode abrir-se porque a História serve também para não esquecermos os erros cometidos. Isto se o ardor de outrora não der lugar à quietude e à resignação.
    Muito bem fez o José em evocar este acontecimento.

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  3. Adriano Foi este o objectivo, reflectir sobre os erros cometidos pela juventude, no ímpeto da sua força, transportada por forças mais poderosas, as revolucionárias. Poderá haver ética, moral e legalidade numa revolução da juventude?
    Poderemos analisar a história das revoluções com olhos de democratas, sentados nos nossos sofá?

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  4. ...E assim se constrói e se vai construindo neste país alegre e descaradamente leviana a nossa História recente de há quatro décadas.
    De um acto rocambolesco, arruaceiro, que não passou de um assalto, de uma invasão a um clube privado, transformam-no em "vã glória" dos pseudos-heróis que infernizaram a vida aos seus concidadãos e familiares em Mindelo!
    Querem à viva força inventar, impingir aos mais novos que houve luta armada em Cabo Verde. Que fazer? E ainda por cima, depois do 25 de Abril, Imagine-se! Quando a guerra na Guiné já havia terminado e as Forças Armadas portuguesas estavam ao lado, a apoiar o processo independista...
    Enfim, como disse e bem, o nosso Zito, "histórias da Carochinha"... E acrescento: para embalo dos próprios que as inventam.

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    1. Amiga, a César o que é de César - o texto e a frase "histórias da Carochinha" são do José Fortes Lopes...
      Um abraço fraterno,
      Zito

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  5. Ondina Ferreira classificou e bem a tomada da Rádio Barlavento como um acto rocambolesco, arruaceiro, que não passou de um assalto. É mesmo isso um acto gratuito, incivilizado. Criar uma nova narrativa política a partir deste acto é fantochada , impostura. O PAIGC não precisava deste acto, para ganhar, mas fez questão de o cometer, para mostrar o seu verdadeiro carácter e sobretudo intimidar os que lhe faziam frente e os que mais tarde mudassem de ideia em relação a este partido. A tomada da Rádio Barlavento um dos primeiros atropelos cometidos em Cabo Verde que transformou definitivamente as mentalidades.
    Não há nada de heroísmo progressismo neste acto. Comemorá-lo em plena democracia é uma aberração.
    Hoje, passados 40 anos, não podemos ficar admirados com o que se passa com a juventude e os valores da sociedade.

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  6. Compete então aos jovens de 1974, hoje homens maduros e conscientes da realidade, desmistificar os factos e denunciar a desonesta intenção de quem possa querer atribuir significado indevido aos acontecimentos.

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  7. .

    Venho satisfazer a vontade a um amigo com uma das coisas que guardo para melhor ocasião.

    Na altura deste episódio da tomada da Radio Barlavento atravessava um momento dos diabos, recebendo correio anónimo com ameaças que se concretizaram com a invasão da minha casa e estragos no meu carro. Assim, isso não podia causar-me a satisfação que devia. Pelo contrario causou-me uma raiva porque andava na boca da pistola com esses problemas que me casava a gente do partido único..
    Nunca fui um defensor desse lugar mas pior ainda seria estar do lado dos fanáticos.
    Podia bater palmas aos heróicos rapazes que ousaram enfrentar essa gente mas... eram pro-partido único e isso não foi nem será comigo.

    .

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  8. Obrigada Zito e as minhas desculpas ao autor, o nosso estimado José Fortes Lopes.

    Abraços

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  9. Muita desta nossa recente história precisa ser contada, divulgada, discutida no meio dos nossos jovens e daqueles que ainda nasciam quando se davam estes fatos. Obrigado a vocês que tem trazido estas discussôes e alertas.

    Marco António

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