Permitam-me, entretanto, fazer aqui um pequeno desvio do percurso narrativo, par recordar esse feliz acontecimento que foi o mais que casual reencontro com o Administrador Estaca...
Era um homem de forte compleição física ou não tivesse jogado "rugby" quando estudante de Direito na Universidade de Coimbra, onde não passou, no entanto, do terceiro ano... Transitado para o Instituto de Ciências Sociais e Politica Ultramarina, daí saiu com os galões de Chefe-de-Posto com emprego desde logo garantido em Angola...Quanto cheguei a Cazombo, sede da Circunscrição Administrativa do Alto Zambeze, em 1957, já ele era Administrador de Circunscrição há 10 anos, fustigado por uma média de um processo disciplinar por ano, graças à sua visão da política ultramarina um pouco desviada dos manuais...Segundo afirmava, Luanda e Lisboa, jamais permitiriam que ele viesse a ser Administrador de Concelho o que o condenava, desde logo, a uma vida profissional deambulando pelas Circunscrições do interior profundo daquele território imenso, as mais afastadas dos grandes centros populacionais, como as capitais de Província e de Distrito. Mais de três anos de convívio profissional e social cimentaram uma amizade que muito me envaidecia, pois o Administrador Estaca, que tinha idade para ser meu pai e era o meu mais alto superior hierárquico, nunca me tratou com sobranceria ou desrespeito e, segundo consegui saber, tecia-me os maiores louvores nas Informações Anuais remetidas à Sede da Província, em Vila Luso, hoje, Moxico...
Despedira-me dele com aquele aperto no coração que nos agride quando estamos na iminência de uma separação dolorosa, por isso, rejubilei quando, numa tarde quente e húmida de Julho, de 1965 (?) recebi um telegrama, de bordo de um paquete da Companhia Colonial de Navegação (não me lembro qual...), assinado por Marques Estaca que dizia, mais ou menos isto: "Estou a bordo...Passarei amanhã...Gostaria de vê-lo..."
Todo o mundo já sabia que o paquete da linha de Angola ia aportar ao Porto Grande com um pequena avaria mas, nunca me teria passado pela cabeça que o Administrador Estaca estivesse a bordo...
Fui dos primeiros a subir a escada de portaló no alto da qual o meu amigo me esperava, de braços abertos e o mais rasgado sorriso no rosto de pele curtida pelo inclemente sol de Angola que eu, durante alguns anos, havia partilhado com ele, num passado não muito distante...
Quando, em 1977 , me recambiaram para Portugal, ainda tentei localizar o Administrador Estaca, sem sucesso e, só há meia dúzia de meses consegui uma informação que me colocou em contacto com a sua residência, em Lisboa...Atendeu-me um irmão com a noticia de que o José Eduardo já falecera há muito, em 2005... Com um agradecimento em surdina, desliguei o telefone, enquanto uma lágrima furtiva me rolava pela face...
Rogo que o dia esperado para nosso encontro não tarde.
ResponderEliminarAbraços em Maiúca
AMÉN...
EliminarObrigados...
Sim, Zito, compreendo perfeitamente o seu sentimento. Há pessoas que nos marcam pela sua estatura moral e pela sua conduta humana. Nem sempre essa estirpe de pessoas consegue atingir lugares de destaque porque tropeça na sua própria verticalidade. E os sabujos, lambe-botas e oportunistas estão sempre à espreita desses tropeções.
ResponderEliminarAndei próximo do Cazombo, mais a sul, em Gago Coutinho, aonde fui parar em 1965.
Caro Zito:
ResponderEliminarO texto é comovente também... A sua pena soube captar com muita nostalgia o momento da despedida. Uma sugestão: as narrativas da «Aventura da Vida» estão pensadas para serem colocadas em livro, não é? ...Acho sinceramente que merecem.
Abraços
Ondina
Sim, Adriano, é isso mesmo...E dou-me por feliz por, ao longo da minha vida, ter conhecido gente que, pelo seu aprumo cívico e moral terá influenciado a minha própria caminhada...E esta, creio, é uma herança inestimável!
ResponderEliminarAmiga Ondina, estas narrativas são meros monólogos de alguém encerrado num circulo social muito restrito...Desabafos, partilha, olhares saudosos sobre um passado que terei sonhado diferente mas que vivi com a mesma sede dos bem-aventurados...Sou, apenas, um escrevinhador a quem professores de elite ensinaram a respeitar a língua e a procura usar com gáudio...Mas envaidece-me o merecimento que outros possam atribuir às minhas memórias...Obrigado!
penso que o amigo Zito vai compilar isto tudo num livro
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