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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

[7822] - A GRANDE FARSA...


Amigos, de nada serviu a tomada do Grémio em 1974... Aquilo já era uma casca vazia. O Mundo tinha mudado mesmo e em S.Vicente tudo estava a mudar também, e o pessoal do grémio já estava envelhecido. Os ventos de 68 tinham chegado pela porta do cavalo... Já tinham chegado as mini-saias, os pops/hipies de cabelos compridos, a primavera marcelista, a avenida da Holanda com emigrantes endinheirados que construíam a ‘tout va’ no Monte Sossego . Já ninguém tomava   a sério as coisas do "ancien regime".  S. Vicente estava a mudar a grande velocidade...
Na minha opinião povo não tomou o Grémio/Rádio Barlavento: foi um grupo de pessoas!

Estava eu a jantar, nesse Dezembro de 1974 e constatava-se que algo de estranho passava-se na Rádio. Então um amigo sugeriu-me "vamos para a Praça, para a Rádio Barlavento!" Quando chegamos, recordo ter visto umas dezenas de jovens liceais, dos grupos maoistas e trotskistas, obviamente os chefes, e todos aqueles estudantes vindos de Lisboa. Penso que do PAIGC estava a Elisa, uma bela morena, que parecia uma indiana ou índia, vestida com um bubu que lhe chegava até aos pés e que se tinha tornado locutora. Não me recordo de ver mais ninguém (eu era jovem, tinha acabado de fazer 14 anos). Poderá ter estado lá o Silvino... Os outros estavam de certeza no estrangeiro, pois até aquilo estar bem nas mãos do PAIGC nenhum deles ousaria mudar-se definitivamente. Porque, se não, já estariam na Praia, a futura capital do centralismo. Os rapazes andavam todos excitados com a Tomada do Palácio de Inverno ou da Bastilha, mas este já era um jogo para crianças, o essencial não estava aí. Esta rádio virou Voz de S. Vicente, depois foi desconjuntada e levado tudo para Praia, pois nada de bom devia ficar em S. Vicente!
Se é questionável a tomada do Grémio, a tomada da Rádio Barlavento foi assim um autêntico tiro no pé para S.Vicente: foi o fim do pluralismo que se iniciava e que oxalá tivesse vingado graças personalidades fortes que partilhariam o poder com o PAIGC.

Portanto, o que resta desta revolução social, 40 anos depois? Quantos grémios, rádios e clubes privadas onde não entra um pé descalço existem hoje? Não estejamos a brincar: a natureza do poder e a natureza humana nunca mudam e as Revoluções até hoje, acabaram por ser autênticos logros daí, que as Reformas sejam o melhor caminho.

O Paigc, em 1974, tinha a Rádio Conacri e dinheiro para construir uma rádio de raiz, para contrariar a ‘reacção’. E, se não tinha dinheiro, uma vez que ganharia o poder, poderia recorrer a um empréstimo aos bancos e fazer as coisas com toda a legalidade.

Confidenciando, há muita gente dentro do PAIGC que não estava de acordo com os desacatos promovidos pelos esquerdistas e jovens ‘descabeçados’. Eu sei que muitos não concordaram com a queima da bandeira portuguesa e acho que a opinião deles sobre outros desacatos que percorriam Mindelo não está muito longe disso.  Aquilo era mais brincadeira de liceais do que uma revolução. O povo dos arredores, esse, estava acantonado nas suas casas!
José Fortes Lopes



9 comentários:

  1. Ora aí está! Um testemunho que repõe alguma verdade nestas ficções que os mais novos vêm escutando ao longo do tempo. Puro folclore, para cabo-verdiano ver que o Paigc na altura, estava a fazer alguma coisa nas ilhas onde e felizmente, não houve guerra.O interessante de tudo isto é o que se pretendeu passar logo a seguir, como um grande feito e um respeitável registo histórico este assalto, este não ter nada que fazer, mais próprio, de estudantes liceais, que faltavam ou não tinham aulas durante o período conturbado, do que alguma acto de mais valia à independência formal próxima.
    Acontece que o 25 de Abril já se tinha dado . Os governantes portugueses de então, e as forças militares alinharam logo, no mesmo dia com o Paigc (ainda as novidades da revolução dos cravos não haviam chegado a Cabo Verde).
    Portanto, e por consequência, a tal "tomada" da Rádio Barlavento, não passou de puro folclore de mau gosto, na mesma linha da "zona libertada" da Ribeira Bote.
    Abraços
    Ondina

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  2. Se alguma vez existiu "zona libertada" da Ribeira Bote ela deixou de a ser passados pouco tempo. Aquela zona nunca saiu da sepa torta , continuou o fquintal da miséria de S. Vicente e pior é hoje um perigoso antro de tudo o que há de mau na sociedade.

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  3. Estava longe, na Ilha de Madagáscar, e soube desse excesso de raiva de uma rapaziada. Não discordo nem concordo com a tomada da Rádio mas penso que foi violência demais para uma grupo caquéctico que ia tomar o seu caquinho e jogar as cartas.

    Se quando sai de S.Vicente (1954) Nhô Mendo, o "dono" da Grémio (dixit Fernando Frusoni) já estava dando sinais de necessitar de aposentação, em 1974 ele devia ter entrada na 4a Idade.
    Como dizíamos no meu tempo "eje ba dá na morte". Foi luta desigual. Politica ou não o acto é grandemente discutível. Como outras coisas mais graves, aliás.
    V/

    P.S. - Hà dias, em outro lugar, proferi as mesmas palavras que saiem hoje aqui. Não estive mudo e não mudo.

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    1. Conviria, no entanto, distinguir o Grémio Recreativo Mindelo da Rádio Barlavento, que eram duas entidades jurídicas distintas...Nem todos os colaboradores da R,B, eram sócios do G.R.M., longe disso!
      Z.

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    2. Zito: - Penso que o mal foi estar a Emissora no Grémio e ter Nhô Mendo a mostrar que ele "mandava". Penso (e muitos como eu) que os excitados podiam ter agido diferentemente para calar uma Estação que não trabalhava exclusivamente para eles. A violência estava com eles e até faziam cowboyadas sem ordens.
      Ê a minha opinião mas, posso estar enganado. Repito que não estava là nessa altura.
      Braça

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    3. Val, eu, estava...E, por acaso, nesse dia cabia-me a mim a leitura do Noticiário, à hora a que se deu a "libertação"...Acontece que fui acometido de violenta dôr de garganta e tive que pedir à Armanda Fonseca que me substitui-se ela que teve que enfrentar a fúria dos "libertadores"...Não posso, de forma nenhuma, aceitar que a R.B. foi assaltada porque era uma extensão do Grémio...Foi-o porque era, na oportunidade, um óptimo veículo para disseminar as leis do novo corão e sempre muito mais barato do que montar uma emissora de raíz, em pouco tempo! Não se esqueça que a R.B. tinha a cobertura completa do arquipélago em onda curta e tinha, recentemente, inaugurado um emissor de frequência modulada...Era, pois, um petisco por demais apetitoso!
      Braça
      Zito

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  4. Há 34 anos, quando ambos estávamos a frequentar o curso para promoção a oficial superior, o capitão que na altura comandava uma companhia metropolitana aquartelada no Morro Branco, contou-me estes episódios todos e a trabalheira que foi para a sua companhia, mormente no caso da Ribeira Bote. Ele contou que aquilo andava tudo na paz do Senhor, nem se ouvia sequer uma mosca a voar no ar, e de repente, pumba", deu-se o 25 de Abril e tudo se descontrolou.

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  5. Val com a tomada da Rádio Barlavento o PAIGC fez jackpot em Cabo Verde liquidou para muitos anos a perspectiva de uma Rádio livre pois tudo ficou sob a sua batuta e não haveria mais oposição ou voz dissonante.

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