Óscar Santos |
O paradoxo do “Casa para Todos” e a lei de Say
O economista francês Jean-Baptiste Say (1767-1832) ficou famoso pelo postulado segundo o qual: “a oferta cria a sua própria procura1”. De acordo com a hipótese de Say, não é possível haver superprodução, ou insuficiência de demanda, pois todos os “rendimentos gerados no processo de produção são canalizados para a compra de bens e serviços produzidos pela indústria”.
Curiosamente, apesar de Say ter sido um seguidor fiel de Adam Smith, a noção de que tudo o que é produzido é vendido, foi levado ao extremo pelos regimes comunistas, como o que vigorou durante setenta anos na ex-União Soviética. Como nestas economias estatizadas toda a produção era previamente planeada, nunca haveria, em tese, “escassez ou superprodução” de qualquer bem.
Em Cabo Verde durante o regime do partido único tentou-se implementar uma caricatura da lei de Say sob a capa da estratégia de desenvolvimento (tripolar), em que a industrialização foi a via escolhida para o resolver o problema do desemprego no país. Deste modo, foram construídas fábricas de camisas “morabeza” e sapatos de marca “Socal, made in S. Vicente”.
Sem surpresas, os cabo-verdianos muito cedo aperceberam-se que a política económica que o então Governo escolhera para o desenvolvimento do País estava errada. A oferta desses bens foi rejeitada e, naturalmente, as fábricas acabaram por encerrar e muita gente ficou no desemprego.
O projecto de construção de “Casa Para Todos” seguiu também a mesma lógica assente na teoria de Jean Baptiste Say. Ou seja, hipoteticamente, todas as casas construídas seriam vendidas. Neste quadro, um crédito de 200 milhões de euros foi concedido ao nosso País pelo governo português para a construção de habitações de “interesse social”, em ordem a suprir o défice habitacional quantitativo existente em Cabo Verde.
Iniciaram-se as obras de construção e, até agora, já foram concluídos muitos edifícios, um pouco por todo Cabo Verde. Alguns foram inaugurados ao som da batucada e condimentados emocionais, na entrega das chaves. Para os beneficiários, nomeadamente, para os de renda resolúvel, é a realização de um sonho há muito acalentado: o de ter casa própria.
Ferramenta de Marketing Político
Apesar de todo o marketing político que tem sido feito, através de assalto, literal, aos órgãos públicos da comunicação social (rádio e televisão), ludibriando opinião pública com informação de que alguns segmentos da população teriam acesso gratuito às habitações do programa “Casa Para Todos”, há uma dura realidade que continua a ser escamoteada: a venda desses apartamentos anda perto do zero! Senão vejamos: das 1500 casas construídas até Setembro de 2014, foram vendidas apenas 10 e a meta é a construção de 6.000 apartamentos, jesus christ.
É de facto desolador ver, por exemplo, no Palmarejo Grande, cidade da Praia, com uma estrutura habitacional de vulto destinada a 140 famílias mas que, infelizmente, encontra-se ocupada por um número insignificante de pessoas. No fundo, o próprio arauto da campanha de marketing governativo, não acredita na essência e efeito do programa “Casa Para Todos”. Este enredo da política do Governo faz-nos lembrar a metáfora da poção mágica, um remédio medicinal ao qual geralmente se atribui propriedades fantásticas para ajudar as pessoas a curar as enfermidades. Um falso remédio, por sinal, e uma autêntica banha de cobra!
No caso “Casa Para Todos”, copiou-se de uma forma grotesca, o modelo de Lula da Silva para enfeitiçar a mente dos cabo-verdianos, alguns claramente desesperados e ávidos em ter uma habitação própria.
No seio da opinião pública, existe, como se sabe, um desencanto em relação àquilo que seria o verdadeiro sucesso do programa, quer em termos de qualidade, quer no que diz respeito ao seu impacto social.
Como explicar essa insuficiência na procura, havendo, no entanto, um défice habitacional quantitativo de mais de 20 mil casas no país?
O que falhou?
Muita coisa! Uma delas é a ineficiência X das instituições de Leibenstein que aparece quando o Estado faz aquilo que o mercado sabe fazer melhor. Com efeito, imbuídos pela avidez de se perpetuarem no poder e, decerto, do impacto que o “Casa Para Todos”, teria e teve no eleitorado, ignorou-se, completamente, um dos princípios sacrossantos da democracia económica: o de determinar previamente “para quem produzir?”Assumiu-se, “ab initio”, que os fogos produzidos, com designer e preços ajustados para os diferentes níveis sociais, seriam todos vendidos.
Mas os pressupostos estavam errados.
A renitência de potenciais compradores em investir as suas poupanças no “ Casa Para Todos”, pode ser explicada de seguinte forma:
Primeiro, criou-se inadvertidamente um “estigma” à volta da denominação “Casa Para Todos”, o que tornou a sua procura, pouca atrativa para uma determinada classe social;
Segundo e à posteriori, constatou-se que o nível de conforto dos apartamentos, por causa de dimensão reduzidíssima dos quartos (7 m2), terá afugentado vários potenciais compradores, especialmente os emigrantes habituados a um standing mais alto;
Terceiro, admite-se, ainda, que muitas pessoas terão relutância em abandonar o seu “habit natural” para um outro desconhecido, sabendo que poderão não ter um vizinho que o possa acudir, caso venha a precisar de uma colher de açúcar, ou de uma cabeça de alho;
Por último, quem tiver alternativa de construir uma casa própria, com um espaço de apoio à economia doméstica, não quererá, decerto, viver num condomínio com regras limitativas;
O “Casa Para Todos” pode ser considerado, desde logo, um produto potencialmente tóxico para a banca, em caso de execução da garantia, dado ao estigma criado à volta da sua qualidade. E, pasme-se, que o programa tenha sido concebido, no pressuposto do seu financiamento pela banca. É a “lei” do mercado, dura lex, sed lex .
Ceteris Paribus
A falha do postulado de Say foi resolvida na decada de 1930 por J. M. Keynes e o keysianismo tounou-se famoso na decada de 70 , mas parace que no nosso querido País muita gente não estava e nem está com atenção.
Que fazer, então, com a superprodução dos empreendimentos “Casa Para Todos?
Os fundamentos da “lei do mercado “ dizem-nos que quando a oferta supera a procura, ceteris paribus,os preços normalmente baixam. Ou seja, se a um determinado preço há superprodução, o automatismo de mercado assegura que os preços baixam de forma a eliminar o excesso de oferta.
Com a banca fora do negócio, o Estado, através do IFH, está a tentar garantir a venda dos apartamentos oferecendo um prazo de pagamento das habitações que pode ir até os 25 anos.
Uma opção insustentável a longo prazo para a imobiliária. Um verdadeiro desastre financeiro a todos os níveis! Outrossim, uma das desvantagens desta medida é a dificuldade de recuperação do” empréstimo”, pois é comum as pessoas incumprirem quando o Estado é credor.
Estimo, por isso, que uma forma de resolver este problema, seria alargar o prazo de pagamento para 50 anos, aos jovens casais, e envolver a banca no negócio. Pode ser interessante, por exemplo, a criação de “derivado financeiro”, de tipo “credit default swap” em ordem a mitigar, entre outros, o risco para a IFH.
“Economia Vudu”
Que outra solução existe para evitar que o “Programa Casa para Todos” se transforme numa “economia vudu”?
A distribuição gratuita das casas seria piromania politica, pior que cuspir na sopa.
Por isso, um leilão com regras claras das casas não vendidas poderia ser uma solução. Tratar-se-ia de um arranjo transparente de formação de preços. Mas se as pessoas, à luz do modelo proposto pelo Governo, não conseguem pagar as prestações mensais, não creio que a maior parte delas conseguiria pagar a totalidade do bem leiloado.
Uma parceria com as camara municipais e Governo poderia, igualmente, ser uma via a explorar. Um “swap” de apartamentos das “Casas Para Todos”, com prédios situados em terrenos valorizados, nos diferentes centros urbanos do país poderia ser arriscado. Os lotes desocupados seriam, então, vendidos pelas autarquias destinados o desenvolvimento de projetos de valor pelas imobiliárias interessadas.
Esta seria, uma solução win- win. O Estado ganha e as autarquias também. As empresas de construção civil que ficariam “fora de jogo” com o programa casa para todos, poderiam ver, enfim, uma luz ao fundo do túnel.
Um grande imbróglio que eles arranjaram e que o articulista explica muito bem e à luz das ciências económicas.
ResponderEliminarBem me parecia mais Utopia. Casa para Todos não me cheirava bem. Como é que é possível prometer casa para todos ainda por cima com crédito de bancos estrangeiros, em que fica o país e as pessoas de mãos atadas. E agora onde está o dinheiro. Ou o Estado dá de borla o que é mau princípio ou o Todos põem calote ou é uma falácia.
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