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sexta-feira, 3 de abril de 2015

[7957] - É PRECISO ACORDAR A SOCIEDADE CIVIL...


Arsénio de Pina
DO DIA MUNDIAL DO CONSUMIDOR

Li a entrevista ao Presidente da ADECO, eng. António Pedro Silva, realizada pelo Expresso das Ilhas, e fiquei triste e apreensivo. Tristeza motivada pelo facto de nada ou bem pouco ter mudado desde a minha última estada por cá, há dois anos – fisicamente encontrei melhoria em S. Vicente, mas socialmente chocou-me o número de desempregados, ruas inçadas de alienados mentais e pedintes, até de crianças de bibe escolar estendendo a mão ao verem caras desconhecidas, adultos e crianças revolvendo depósitos de lixo à cata de coisas aproveitáveis, comida para uso pessoal e restos que crianças vendem a criadores de porcos; apreensivo por não compreender a razão por que, num Estado de Direito Democrático, como se diz ser Cabo Verde, os eleitos pelo povo, os responsáveis políticos – deputados e governantes – não respondem às interrogações, sugestões e críticas dos cidadãos, se escusam a fazer cumprir leis inscritas na Constituição e aprovadas pela Assembleia Nacional quando essas leis, favorecendo as populações, desagradam a empresas que têm lucros explorando o consumidor. Continua válida a minha crítica e título de um livro, Ês ca ta cdi! [ês (eles), os governantes], e os cidadãos ainda continuam a não dispor de nenhum organismo operacional a quem recorrer, que obrigue os governantes a reagirem às suas justas reivindicações. Será que a Provedoria de Justiça estará operacional, ou só existe de nome? A finalidade do Provedor de Justiça é solucionar, de modo informal e totalmente independente, depois de esgotada a jurisdicidade oficial – entre nós de uma morosidade de lesma, quando não omissa – inerente ao Estado de direito democrático, as feridas de arestas provocadas por desacertos, irregularidades ou outras ilegalidades que a Administração Central ou Local vão semeando e provocam no tecido social. Atiram-nos à cara, justificando a sua legitimidade, salivando os lugares comuns do costume, que o poder representa a escolha da maioria; todavia, se nada limita os poderes, se estes se remetem ao silêncio face às reivindicações, críticas e solicitações dos cidadãos, as maiorias podem sofrer a opressão, a violência do silêncio, ou a indiferença da minoria, como bastas vezes vem acontecendo entre nós.
Estranha o presidente da Adeco haver passividade total da população face ao silêncio e indiferença de quem tem a obrigação de dar respostas e fazer cumprir as leis, sem um protesto audível ou uma manifestação pública que se veja. Parecemos estar a viver num Estado de maioria silenciosa, medrosa – medo gerador de submissão e mansidade -, característica de situações de falta de democracia ou de predomínio de medo.
Há vários anos que venho intervindo publicamente com assuntos de cariz semelhante ao desta entrevista, até por ser sócio de longa data da Adeco. Aproveito o dia especial para pegar num ou noutro ponto do assunto tratado a fim de expor, quiçá com outra tonalidade, as chagas que se detectam a olho nu na nossa sociedade e as omissões prevalentes em instituições estatais. Geralmente procuro julgar os políticos não somente através da justeza das  suas escolhas em eleições – as quais, em verdade, servem para bem pouco, simplesmente para reafirmar a legitimidade pelas urnas - mas sobretudo pelas acções que praticam, se provocam gestão danosa, se prejudicam o erário público, vindo depois buscar nos contribuintes o pagamento de uma factura altíssima pelos seus disparates e erros cometidos. A política encarada como um serviço prestado aos outros, e não uma oportunidade de melhoria pessoal, é das artes mais nobres. Só que, os nossos políticos - não somente eles, nos tempos que correm; avalie-se, por exemplo, a reforma dos Estatutos dos Titulares dos Órgãos Políticos, em discussão no Parlamento – parecem não entender a política desse modo, dando prioridade a benefícios pessoais, atirando com arrogância para as Calendas Gregas a discussão de assuntos realmente prioritários em benefício da comunidade.
A Adeco é uma associação da sociedade civil para a protecção e defesa do consumidor, reconhecida pelo Estado como de interesse público, independente, com estatutos aprovados. Certas prerrogativas oficiais foram-lhe delegadas pelo Estado para melhor e mais rapidamente servir e defender os direitos dos cidadãos consumidores, devendo, por exigência da lei, alguns departamentos estatais colaborar estreitamente, sem prejuízo dos legítimos interesses de produtores e empresas. Em teoria tudo muito bonito, na prática, quase nada, ou bem pouco funciona em benefício dos cidadãos: petições com milhares de assinaturas há largo tempo dirigidas à Assembleia Nacional, com cópias ao Presidente da República, Primeiro-Ministro e outras entidades, sem nenhuma resposta, leis cuja execução favorece ou faz justiça aos direitos dos consumidores que não se aplicam ou demoram anos e anos a ser executadas, e ninguém, nem nenhum organismo de direito, se preocupa com tais anomalias. “Quando a Lei de Defesa do Consumidor de 1998 determina claramente as responsabilidades das autarquias, quer perante as associações de defesa do consumidor, quer quanto à criação do conselho municipal de consumo, do centro de informação do consumidor, da realização de programas de educação do consumidor, e nada disso ainda se cumpre”, mesmo quando a Adeco fornece ajuda para a sua elaboração e execução. As câmaras municipais, com raríssimas excepções, que deveriam apoiar financeiramente a Adeco, não o fazem, alegando falta de verbas, as quais entretanto surgem aquando de festivais e festanças para entreter o pagode desviando a sua atenção de problemas candentes. A contribuição do Governo permanece nos mil contos anuais desde 2006/2007.
A Adeco, nas suas múltiplas acções em benefício do consumidor, já demonstrou, por exemplo, ser possível fornecer energia e água a preços mais acessíveis às populações. Porém, o organismo criado para regular os preços e meter na ordem os especuladores e exploradores, a ARE (Agência de Regulação da Economia) cujo Conselho Consultivo inclui a Adeco em representação do consumidor, não se reúne desde 2007, na sequência de relacionamento enviesado com a Associação, pelo que resolve os assuntos, sem pestanejar, com as empresas estando-se nas tintas pelo consumidor. Relativamente às agências de regulação criadas, que se acreditava virem a moralizar os vícios das multinacionais e grandes empresas, poucos benefícios houve para o consumidor, embora imensos para os seus dirigentes (com vencimentos principescos) e empresas; somente uma ou duas, segundo o presidente da Adeco, reúne o seu conselho consultivo em busca de consensos. De resto, sabe-se que as agências reguladoras pouco interesse têm para os consumidores, por a grande maioria ser captada pelas grandes empresas e multinacionais em prejuízo, obviamente, do consumidor. As agências reguladoras poderiam (ou deveriam?) ser controladas, mesmo inspeccionadas, com vantagens para o Estado e o consumidor, pelo Tribunal de Contas e as Inspecções das Finanças, mas funcionando estes como o “Accountability Office” americano (departamento de responsabilização e penalização de irregularidades), onde nada escapa à vigilância apertada desse departamento.
Fala-se muito no agronegócio, no turismo e de podermos funcionar como uma praça de serviços no Atlântico, como estratégia para o nosso desenvolvimento. Porém, umas ilhas que ainda não se comunicam regularmente com segurança, produções agrícolas incrementadas nos últimos anos que não se exportam nem se valorizam industrialmente localmente por falta de transporte marítimo e por os argentários autóctones serem mais rabidantes do que investidores industriais, de maravilhas naturais não devidamente valorizadas, não se vê bem como avançar sem se criarem as condições para que tal funcione. Creio que somente mobilizando as regiões (ilhas ou conjunto de ilhas complementares), as suas forças vivas locais e descriminando positivamente os nossos emigrantes sempre deixados ao Deus dará é que se consegue fazer avançar o nosso país, quebrando-se assim a inércia e a indiferença de certas instituições e agentes renitentes ao diálogo (será que desconhecem as vantagens da dialética de mostrar claramente duas perspectivas da mesma realidade, de forma a permitir uma imagem integral da mesma?), à delegação de funções, quando a boa gestão se baseia nisso e no controlo da execução das funções delegadas e não no estafado centralismo feroz e estéril. Estão mesmo a ver que falo da necessidade urgente de descentralização do poder – da verdadeira, não da travestida chamada desconcentração, na qual a população local não interfere, porque não escolhe nem elege ninguém, sendo o poder central a catapultar os seus funcionários para a periferia - e da regionalização, cuja discussão, adiada devido à erupção do vulcão do Fogo, nem se fala; segui ontem a longa entrevista ao nosso Primeiro-Ministro e nenhum dos profissionais da comunicação social teve a curiosidade de lhe perguntar para quando a reunião adiada da comissão de estudo da regionalização.
Cabo Verde beneficiaria imenso em ter uma sociedade civil mais interveniente, quer para ajudar a concretizar reformas difíceis e outras com o contributo das universidades, que ainda não vemos a pensar o país, das fundações com abordagens sectoriais e de outras organizações, como para pressionar o Governo a cumprir as promessas feitas no período eleitoral e os objectivos traçados.

S. Vicente, Março de 2015                                                              Arsénio Fermino de Pina
                                                                                                        (Pediatra e sócio honorário

2 comentários:

  1. É triste e desolador o cenário que o Arsénio nos apresenta logo no início deste seu artigo. Infelizmente, esse cenário corresponde à pura realidade. A acção governativa é autista e é vítima dos entorses do próprio modelo organizativo do Estado. Mas por nada deste mundo parecem virados para mudar radicalmente o que tem de ser mudado, porque há toda uma imensa classe política que vive à sombra desse Estado inflacionado. Só mudando tudo de alto abaixo se poderia admitir alguma possibilidade de virar o rumo do país. Encaro com muito pessimismo o futuro de Cabo Verde, sobretudo a partir do momento em que as instâncias internacionais decidirem que, sim senhor, demos a cana e o anzol e ensinámos a pescar, agora pesquem!
    Os recados do Arsénio entram por um ouvido e saem por outro porque não estão interessados em ouvi-los.

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  2. Parece que o debate da Regionalização já está agendado. Mas parece-me mais um ritual de fim de regime do que qualquer outra coisa. Vão convidar aparatchiks, centralistas, e conservadores para debater a Regionalização: estamos conversados. Não querem é mudar nada do panorama sombrio de CV pois são gente convencida têm o ego maior do que o Mundo.
    Adriano todos estamos pessimista com CV e já estamos a passar o filme dos 40 anos para ver onde as coisas começaram a correr mal, e é com muita pena que concluímos que tudo começou mal.

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