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segunda-feira, 11 de maio de 2015

[8135] - A REALIDADE DA FICÇÃO...

Éder Oliveira
CRÓNICAS DE TEMPOS DIFÍCEIS: VINAGRE A MAIS NA CANJA!

"Sonho com o dia em que todos se vão levantar e compreender que foram feitos para viverem como irmãos" - Nelson Mandela (1918-2013)


Nha Maria Antónia vive na "ilha de Madeira" desde os tempos da "canequinha". Embora ela tenha nascido na ilha de Santo Antão, cedo migrou para a ilha de São Vicente à procura de melhores condições de vida. Naqueles tempos, quando desembarcou no Porto Grande, Mindelo era uma cidade em franca expansão, havendo algumas oportunidades de emprego que aliciavam muitas famílias da ilha vizinha que acabavam por deixar os campos e as ribeiras para nela se estabelecer.

Nessas conjunturas de vacas gordas, a cidade transpirava vida e o Porto Grande era o seu balão de oxigénio. Raros eram os dias que não se via escalar no porto um navio, carregado de mercadorias ou apenas em escala, o que permitia as gentes da ilha levar pão às suas mesas. Quem conheceu esses tempos áureos, diz que Mindelo hoje é uma cidade fantasma, onde o desemprego e a pobreza reinam em todos os cantos e recantos. Realmente é com muita melancolia que nha Maria se recorda os seus tempos da sua juventude quando conheceu nho Jack, também ele natural de Santo Antão, estivador no Porto Grande.   

Juntos tiveram quatro filhos, duas raparigas e dois rapazes. Dos dois mais velhos, sabe-se que o rapaz seguiu as pisadas do pai e hoje ocupa o lugar dele como estivador no cais e a mais velha conseguiu emigrar para um país da Europa. Os dois mais jovens, desde sempre excelentes alunos, graças aos esforços contínuos dos pais, conseguiram concluir o 12 ano de escolaridade e ainda obter uma licenciatura numa universidade local, porque bolsas de estudo para estudar no estrangeiro são poucas e já vêm sinalizadas para os filhos dos que têm posses (tamanha ironia).

Depois de concluída a difícil maratona para se licenciarem, os filhos de Nho jack e Nha Maria enfrentam agora uma outra batalha, onde a princípio pouca coisa se pode fazer para contrariar as expectativas. É que actualmente encontrar um emprego da área de formação na região norte de Cabo Verde é uma tarefa que se assemelha muito a se procurar uma agulha perdida num palheiro: muita palha para uma única agulha!

Até há uns anos, para suplementar o salário do marido, Nha Maria confeccionava pastéis, bolinhos e várias guloseimas que diariamente ia vender no Centro do Mindelo. Numa rotina diária, a destemida mulher acordava com o alvorecer para conseguir cumprir os afazeres de casa e ainda ter tempo de sobra para confeccionar os produtos para a venda. À tardinha ainda tinha forças suficientes para, junto com a filha “caçula”,  descer em direcção ao centro da cidade de balaio à cabeça onde, de forma honesta conseguia juntar alguns tostões.   

Nha Maria nunca teve na vida um trabalho fixo. Só há dias ouviu falar pela primeiravez no salário mínimo. Sempre trabalhou sem ter hora de entrada e de saída, e o “salário” era, consoante a vontade de Deus, o que conseguisse arrecadar. Nunca gozou sequer um único dia de férias, trabalhando durante todos os dias da semana, inclusive nos feriados e fins-de-semana. Por esta razão nunca pôde ir visitar a sua ilha natal e matar as saudades que ela vertia pelos olhos quase sempre que botava os olhos nas imponentes montanhas que o mar a impedia de agarrar.

Hoje ela e Nho Jack já não têm mais forças para trabalhar e os seus corpos começam a ressentir-se dos efeitos da dura vida que levaram na expectativa de garantir uma vida bem mais digna aos seus filhos. Todavia não são as dores físicas da velhice que lhes atormentam mais. É a amargura em ver os seus dois filhos mais jovens, que muito se sacrificaram para obter um diploma, não conseguirem um emprego nas suas respectivas áreas de formação que os consome mais.

Aliás, nha Maria está por estes dias muito aborrecida depois de ter visto uma notícia na televisão que dizia que a ministra que tutela a pasta do emprego tinha aconselhado os jovens a se dedicarem à venda de canja e pastel, a fim de debelarem o elevado desemprego que assola o país. Tudo bem que, na nossa opinião e na dela, este negócio de venda informal é algo digno que permitiu que muitas famílias deste país conseguissem encontrar um meio de auto-sustento, inclusive a dela que educou quatro filhos e garantiu formação superior a dois deles. Agora, depois de todo o sacrifício para tentar evitar um destino idêntico aos filhos, escutar um elemento do governo a sugerir este "retrocesso" é um insulto! Por mais, ela só viu políticos a aproximarem-se do seu “balaio” nas alturas da campanha eleitoral, não para lhe comprarem pastel, uma "sucrinha", um"barão com doce", uma "suzuda" ou mesmo um grogue de "sintanton", mas sim para lhe comprar a consciência mediante a “oferta” de falsas promessas de que caso fossem eleitos ela jamais teria que viver na sua modesta casa coberta com chapas de zinco, pois construir-lhe-iam uma casa nova num local mais acessível e com o merecido conforto.

De cinco em cinco anos lá vinham eles com a mesma cantiga para depois desaparecerem sem nunca cumprirem as suas promessas. Da última vez prometeram-lhe que a família dela seria uma das contempladas com um apartamento do projecto CASA PARA TODOS, mas até hoje nada! A única “obra” que viu realizada no seu bairro foi quando uma máquina escavadora da Câmara Municipal foi lá deitar abaixo a casinha que aTanha e o Manel construíram com o suor dos seus trabalhos, assim como as de muitos outros moradores lá da ilha de Madeira. E, segundo ela ouviu dizer, os apartamentos do projecto CASA PARA TODOS já estão todos indicados a fulanos e sicranos e não à gente necessitada lá da ilha de Madeira ou de outros bairros pobres deste nosso Mindelo. Com muita amargura no peito, ela chegou à conclusão de que à nossa única é verdadeira casa para todos é o cemitério, pois lá ninguém nos poderá negar a entrada!

Nota: Este texto é uma ficção para ilustrar a realidade económica e social actual de muitas famílias cabo-verdianas. A escolha dos personagens e do cenário é completamente imparcial.

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