Gualberto do Rosário |
Regionalização para aumentar a gordura de um estado já obeso? É isso?
Regionalizar significa descentralizar a ação governativa. Ou seja, poderes que hoje são da responsabilidade do governo dito central, passam a ser competência dos governos regionais, com exceção dos poderes de soberania (justiça, defesa, relações externas, finanças e tudo o mais que esteja relacionado com a soberania). A descentralização deve ser completa. Significa que terá que incluir a capacidade de as comunidades regionais elegerem os seus representantes na região (os que constituem a assembleia regional) e de constituírem os executivos regionais (governos). Mas, também, significa a descentralização de meios (financeiros, materiais, humanos e organizacionais). Esta última questão - a descentralização de meios - é uma das chaves para o sucesso da regionalização. De facto, não vale a pena ter regiões que sejam inoperantes, devido à ausência de dotação dos meios necessários para o exercício das suas competências. Isto significa que, na abordagem regional, a Lei da Descentralização deve prever, com a maior objetividade e clareza, os recursos das regiões. Este é um item que vale a pena aprofundar. Será retomado quando estivermos a discutir o orçamento.
Os governos regionais são, necessariamente, pequenos. Significa que um secretário se ocupa de várias funções, simultaneamente, devendo apenas haver a necessidade de arrumá-las coerentemente, por natureza e/ou complementaridade. Vamos imaginar um exemplo concreto. Que a Ilha do Fogo e a Ilha Brava constituam, por exemplo, uma região. Podemos ter, para essa região, uma secretaria regional que se ocupe do turismo, da cultura, do desporto e do ambiente; outra secretaria que se ocupe da agricultura, do mar, do ordenamento do território e das infraestruturas; uma outra que se responsabilize pela educação, emprego, formação profissional e luta contra a pobreza; uma quarta que tenha, a seu cargo, saúde, água, energia, saneamento. Outra arrumação possível, por exemplo, seria: uma secretaria de economia; uma secretaria de assuntos sociais; uma secretaria de infraestruturas, proteção civil e ordenamento do território; uma secretaria de ambiente, segurança e ordem pública. O importante é que, seja qual for a solução, os governos regionais sejam pequenos e exijam recursos humanos e meios materiais limitados, não sendo previsível que se gaste, no seu funcionamento, mais do que o Estado gasta, hoje, com o conjunto dos órgãos desconcentrados do Estado instalados em cada um dos vinte e dois municípios. E como a regionalização pressupõe a descentralização de quase todas as competências que hoje se encontram no domínio dos órgãos desconcentrados do Estado nas ilhas e municípios, é intuitivo que, cetiris paribus, para o seu funcionamento, os governos regionais não significam um acréscimo de encargos para o Estado, pelo menos que seja notável. Tenha-se em conta que os órgãos desconcentrados do Estado, nos municípios, na sua maioria esmagadora perdem, com a regionalização, razão de ser e, por isso, se extinguem. Em contrapartida, surge uma maior coordenação e integração, no domínio regional, que se traduz na redução da ociosidade e sobreposição de muitos meios, numa maior e mais racional partilha dos mesmo e num melhor controlo e cuidado com o seu uso e conservação. São fatores importantes de economia, face ao contexto atual, que se resumem num maior controlo das despesas públicas. Ou seja, maior eficiência.
Mas as economias não ficam por aí.
A descentralização de poderes de governação para as regiões, para além de eliminar a maioria dos órgãos desconcentrados do Estado, reduz as estruturas da Administração Central, na medida em que estas deixam de ser estruturas essencialmente operacionais, para ganharem uma dimensão de responsabilidade pela elaboração de políticas, pela programação e pela regulação e inspeção. Pense-se, por exemplo, no Ministério da Agricultura, reduzido a um gabinete de políticas e programação, a um departamento de proteção sanitária e inspeção (o fomento pode ser uma atribuição do INIDA, mediante contratação, seja pelo ministério seja pelos governos regionais) e aos serviços de apoio (gabinete do ministro e serviços administrativos). A gordura histórica do Ministério da Agricultura desaparece completamente, o que, para além de grandes poupanças, confere maior flexibilidade e capacidade operacional ao próprio ministério. Idêntico raciocínio pode ser feito para todos os demais ministérios. E se assim for, podem ser agregados em departamentos mais condensados, segundo a sua natureza e/ou complementaridade. Por exemplo, Agricultura + Mar + Infraestrutura + Transportes; Turismo + Cultura + Ambiente + Ordenamento do Território + Habitação. E, também, se assim for feito, desaparece um conjunto significativo de órgãos de apoio, como gabinetes dos ministros, serviços de administração, de políticas e de programação, bem como um conjunto significativo de meios humanos, materiais e logísticos que se tornam absolutamente supérfluos, incluindo edifícios. É possível, assim, chegar a um número de ministérios que não será superior a dez, cada um deles com tendência a ser menor do que cada ministério atual, para além de serem muito flexíveis e operacionais. É escusado dizer que os ganhos financeiros de uma tal reforma são muito elevados e traduzem-se em ganhos líquidos, já que não é previsível que o funcionamento dos governos regionais, como foi referido, signifique um incremento notável de custos para o Estado (eventualmente pode significar o contrário, porque introduz maior racionalidade).
Uma tal reforma, ao aproximar o processo decisório e de ação governativa das comunidades, torna-se naturalmente mais eficaz, já que permite uma governação inserida no contexto de cada região e sujeita a um melhor controle comunitário. Permite, ainda, enormes ganhos em termos de efetividade, uma vez que os órgãos autárquicos regionais, dotados de poderes próprios, têm capacidade de decisão, eliminando uma enorme cadeia de intervenientes no processo decisório atual e dispensando, quase em absoluto, o recurso aos órgãos centrais do governo, no âmbito dos poderes descentralizados. A governação ganha, mas ganha também o cidadão, as famílias e as empresas. Com o incremento significativo da eficiência, da eficácia e da efetividade na ação governativa, a satisfação social será maior e a economia poderá fluir melhor, já que suportada por uma engrenagem leve, resistente e permanentemente lubrificada. Os ganhos financeiros podem ser traduzidos numa menor punção do Estado sobre a economia, com efeitos na redução da carga fiscal, no aumento da poupança e do investimento, traduzindo-se, tudo isso, em maior crescimento económico, mais emprego, menos pobreza. Em síntese, mais desenvolvimento humano e menos dependência.
A inserção da regionalização num projeto de reforma do Estado de maior amplitude trará outras economias e tornará o Estado e a Administração Pública mais operacionais. Sobre estes ganhos, falaremos oportunamente, quando discutirmos o âmbito, a natureza e a profundidade da reforma que o Estado de Cabo Verde carece, para que a democracia se aprofunde e o desenvolvimento se torne realidade.
Um importante artigo de Gualberto do Rosário reproduzido no ArrozCatum pela pertinência e aprofundamento da reflexão sobre a temática . Na visão do autor trata-se de introduzir maior racionalidade na gestão política e administrativa do território arquipelágico e do Estado. Em boa hora veio Gualberto enriquecer o debate. O desafio lançado por ele continua aberto. O governo e o Paicv continuam entretando assobiando pelo lado com se viu no Forum, enquanto ideias se desenvolvem e se consolidam aumentando a participação no debate. Terá este governo composto pela rapaziada arrivista do Paicv algum sentido de Estado?............
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