Arsénio Fermino de Pina |
Influência das indústrias - pequenas e médias - na boa governação e no desenvolvimento
No livro de David Landes, “Porque algumas nações são tão ricas e outras pobres”, cujas linhas gerais tracei em artigo publicado, encontram-se referidas as causas primeiras de certos problemas que explicam isso; irei assinalar algumas que explicam os nossos:
1. Se um país não consegue ganhar e viver com a exportação de mercadorias, para sobreviver, terá de exportar gente, portanto, parte da sua população;
2. Crescimento e desenvolvimento requerem iniciativa e esta não é um dado adquirido;
3. A descentralização administrativa, financeira e política favorece o surgimento de iniciativas e promove o desenvolvimento;
4. A Revolução Industrial iniciada na Grã-Bretanha no século XVIII funcionou como pivô e exemplo de desenvolvimento para todo o mundo;
5. Um povo que depende de estranhos para se alimentar ou vestir, fica sempre sujeito a eles.
Em referência a 1., conhecemos no passado vários anos de fome catastrófica por falta de chuvas e por incúria da potência colonial que levaram à morte de percentagem elevada da nossa população. A emigração foi equilibrando a pobreza, evitando também a erradicação da população cabo-verdiana, mormente através da remessa de dinheiro para as famílias que ficaram; todavia, há muito tempo que a emigração vem desaparecendo, obrigando até alguns emigrantes ao regresso, devido à recente crise económica e financeira mundial desencadeada pela venalidade do poder financeiro de banqueiros e de multinacionais. Esta uma das fortes razões para se fazer discriminização positiva aos nossos emigrantes e melhorar o seu apoio no exterior.
As nossas exportações são mínimas – vestuário, sapatos, peixe e crustáceos – e as importações, principalmente de Portugal, vêm crescendo descontroladamente pelo aumento do consumismo, fraca produção nacional de géneros alimentícios, com tendência a diminuir, e a quase inexistência de investimentos em indústrias, particularmente em pequenas e médias indústrias, que poderiam já estar a contribuir para diminuir as importações e criar postos de trabalho com a estimulação da produção nacional. Os nossos “operadores económicos” preferem operar na rabidância e importação onde os riscos são mínimos e o lucro é garantido por não funcionar a concorrência e a nossa economia de mercado permitir todo o tipo de exploração do consumidor. Vivemos mais de serviços, sobretudo do turismo, ainda em fase incipiente e hesitante de desenvolvimento, embora se apregoe oficialmente constituírem prioridades absolutas. Ligações marítimas entre as ilhas irregulares, com largas ausências de barcos, inseguras, que frenam e não estimulam as produções locais das ilhas de vocação agrícola, de géneros agrícolas perecíveis para exportação.
Quanto a 2., as iniciativas dos privados não têm sido favorecidas nem promovidas, dado o peso da burocracia a vencer (a exigir, bastas vezes e em crescendo, luvas dos investidores), a lentidão da justiça, emaranhada em novelos de leis e normas arrevesadas copiadas das portuguesas, que se prestam a variadas interpretações, que não se quer simplificar e reduzir em benefício da celeridade, e a tradição da nossa burguesia endinheirada em preferir o comércio tradicional, a rabidância e a especulação ao investimento em indústrias e actividades reprodutivas. Importamos alegremente produtos que produzimos ou podemos produzir, muitos deles de má qualidade e a preços exorbitantes para o consumidor. Os poucos produtos nacionais, agrícolas e industriais, são a preço igual ou muito superior aos similares importados, o que não incentiva o aumento da produção por a sua careza beneficiar especuladores intermediários e não os produtores, agricultores e camponeses, ficando as instituições estatais criadas para esse controlo – inspecções e agências de regulação - absolutamente passivas, algumas capturadas por grandes empresas e pelos especuladores, não obstante os protestos das associações de protecção do consumidor com as quais deveriam, por lei, colaborar. Muito recentemente prometeu o Primeiro-Ministro a criação de mais uma agência, anti-cunhas, Agência de Regulação dos Concursos Públicos, o que não irá resolver tanto como as outras, mas criar mais impostos, taxas, e favorecer alguns apparatchiks com vencimentos chorudos. Se estas instituições funcionassem – algumas agências com orçamentos enormes (à custa de taxas sobre produtos de consumo cujos preços devem regular) que utilizam até na aquisição de imóveis – e se tirasse partido, por exemplo, das cooperações japonesa e brasileira que têm experiência na criação de indústrias de transformação (compotas de fruta, massa de tomate,ketchup, concentrado de tamarindo, charcutaria, peixe salgado seco, sal fino, águas minerais, etc.), teríamos muito menos importações e poderíamos, inclusive, exportar mais. Por que importar milho cochido já embalado e não aprender a tecnologia brasileira da descorticação do milho? Por que importar milho cochido, feijões e outros grãos embalados crus em plástico ou papel, quando a nossa fábrica FAMA pode fazê-lo, importando mais barato esses produtos a granel, embalando-os como ela própria já passou a fazer com alguns produtos e a MOAVE com o trigo importado em grão? Por que importar alcatrão e toda a maquinaria necessária para o alcatroamento de ruas – desperdício de divisas - quando temos riqueza de pedras e pedreiros peritos na construção da calçada portuguesa que dura uma eternidade e é mais saudável? Já ouvi justificar essa aberração com o maior custo da construção de calçada, o que ponho em dúvida, mas mesmo que assim fosse, esse custo a mais, ficaria no país e pouparíamos dinheiro.
A alínea 3., valoriza a descentralização como factor essencial e estimulante de iniciativas reprodutivas de desenvolvimento endógeno, mas, há cerca de quarenta anos, badalamos no mesmo para engodo do pagode nos períodos eleitorais, mas sem actuar, por não convir ao centralismo do Estado, renitente em abrir mãos de poderes, delegando funções e competências à periferia. Para precisões, ler Cabo Verde – Os Caminhos da Regionalização.
A alínea 4., relembra que o desenvolvimento económico da Europa medieval e de outros continentes foi promovido por uma sucessão de inovações e adaptações organizacionais, muitas delas iniciadas de baixo para cima e difundidas pelo exemplo. Houve países, como a Espanha e Portugal, com fortunas colossais amassadas da exploração das suas colónias, desbaratadas em luxos e grandezas, desprezando o comércio, por exemplo, das especiarias, deixado a outros, as viagens, as artes e ofícios manuais, que outros povos, como o holandês, inglês e francês cultivaram e lhes permitiram criar indústrias, actividades reprodutivas, comércio e bem-estar para as suas populações. Sem indústrias e sem a valorização das artes e ofícios – mais escolas técnicas, paragem na construção de liceus e redução drástica de “universidades”, para o que bastaria limitar as bolsas de estudo às universidades públicas, por algumas das privadas serem tipicamente mercantilistas, visando o ganho – o desenvolvimento é praticamente impossível.
Quanto à alínea 5., tratei detidamente dela no livro Ês Ca Ta Cdi!, (Os governantes estão-se nas tintas quanto às opiniões da comunidade) pelo que me abstenho de o fazer.
Sobre o ponto 6., é óbvio que, se não investirmos a sério nas pequenas e médias indústrias – que irão inclusive robustecer o turismo dando-lhe uma coloração local, em vez de estarmos a oferecer aos turistas o que encontram na Europa e Américas de melhor qualidade, a metê-los em condomínios fechados sem contacto com os hábitos, costumes, cultura e culinária locais -, passaremos a ser criados dos outros e tão dependentes ou mais do que no tempo colonial.
Os mercados livres globais devem ser domados com intervenções dos governos, mormente nos países em vias de desenvolvimento do Sul, a fim de reconciliar o dinamismo do capitalismo com a estabilidade social. Não o fazendo, o desastre será inevitável, como, de resto, estamos constatando noutros países. O caminho da boa governação está, simultaneamente, na luta contra a burocracia, contra a fraude, contra a corrupção, o nepotismo, a ineficiência, o desleixo e o desperdício a todos os níveis, fazendo também finca-pé na responsabilização dos responsáveis políticos e públicos, o que, infelizmente, não estamos praticando.
(Pediatra e sócio honorário da Adeco)
O amigo Arsénio levanta um conjunto de perguntas pertinentes que nos leva a reflectir sobre a situação económica de Cabo Verde e os modelos de desenvolvimento.
ResponderEliminarO DR Arsénio de Pina tem razão porque até o embaixador da UE, numa entrevista ao A Nação declarou abertamente que "Cabo Verde perde oportunidades de negócios porque o ambiente de negócio é muito mau.
ResponderEliminarA jornalista Vicente Lopes publica em A Nação um artigo de opinião - O cluster do disparate - em que cita o embaixador e acrescenta outras asnidades do PAICV. Francamente, estamos mal.