Nilton Correia |
A geração que hipotecou o espírito crítico e reivindicativo à espera de esmola dos dinossauros políticos!
Em Cabo Verde, os jovens estão à espera: à espera de uma bolsa universitária; à espera de um emprego; à espera de um visto; à espera de um cargo de chefia na administração; à espera de um lugar elegível num partido político… Mesmo as jovens vendedeiras estão à espera de uma loja no novo Mercado Municipal da Praia, enfim, “Tudo arguém s’ta espera algum kusa”!
Tudo bem. Até aqui, nada contra! Porque até os políticos estão à espera do aumento dos seus salários! E, na vida, quando nascemos, ficamos à espera da tão falada morte!...
Hoje posso afirmar, sem qualquer complexo e pesar, que faço parte da “geração que hipotecou o espírito crítico e reivindicativo à espera de esmola dos dinossauros políticos”.
Alguns autores têm a seguinte opinião sobre a juventude:
“Grazioli (1984) – A juventude é, também, um estilo de vida que vai além da definição da idade, evocando a transgressão, o anticonformismo...; Carrano (2000) – A juventude associa-se à potencialidade de construção de uma sociedade melhor, apesar de muitas vezes ser vista como problema pelos elevados índices de infracções cometidas por jovens...; Lima (1958) – A procura do risco e do prazer, a omnipotência, a irreverência, a contestação, a solidariedade e os esforços para mudar os padrões estabelecidos...; Azambuja (1985) – O jovem é revolucionário porque é dele que saem as novas propostas”.
Façamos uma pequena radiografia sobre a problemática da juventude no mundo:
Em relação ao continente africano:
De acordo com o Banco Mundial, a África possui 4/5 da riqueza do mundo. Possui 90% das reservas de minerais do grupo da platina e metade dos diamantes do mundo; mais de 50% das terras aráveis e muitos de seus países com clima chuvoso, com lagos e rios. A África, sendo habitada por 200 milhões de pessoas com idade compreendida entre os 15 e os 24 anos, possuí a população mais jovem do mundo, o que continua em constante crescimento. Com esta enorme potencialidade, os jovens africanos representam 60% do total dos desempregados, sendo as mulheres jovens as mais afectadas. Os jovens africanos, dotados de muita energia, criatividade e talento, não ficam de braços cruzados porque se manifestam, reivindicam, criticam e lutam para mudar o “status quo”. Basta reavivar a memória com: a Primavera Árabe, as últimas eleições presidenciais no Senegal ou, então, a queda de Blaise Campaoré. Muitos especialistas no domínio das ciências sociais afirmam que o desemprego juvenil em África é uma bomba-relógio, que agora está eminentemente perto da explosão.
Em relação à Europa:
Em Setembro de 2012, um artigo publicado no jornal The Washington Post, intitulado “Young and Without a Future”, evocava uma “geração perdida” na Europa, com mais de 5,5 milhões de jovens no desemprego, correspondendo a uma taxa de desemprego de 23,2% na área do euro. Esta alta taxa de desemprego provoca o aumento da criminalidade juvenil, a diminuição da natalidade, o aumento de casos de depressão, entre as demais consequências. Apesar da criação da “Garantia Jovem”, pelos líderes Europeus, um compromisso para que, gradualmente e num prazo de 4 meses após o jovem sair do sistema de ensino ou do mercado de trabalho, lhe seja feito uma oferta de emprego ou de continuação dos estudos ou de formação profissional ou de estágio, o desemprego juvenil contínua galopante na Europa. Os jovens Europeus unem-se, realizam manifestações, reivindicam, criticam e lutam para mudar o “status quo” e constata-se a mudança de partidos políticos, a fim de viver numa Europa melhor.
Em relação aos Estados Unidos da América:
Desempregados e sem perspectivas, muitos jovens americanos não se sentem a viver no país do “self-made man” e o sonho americano tornou-se um pesadelo para muitos deles. Apenas 1/5 da juventude americana trabalha a tempo inteiro e a taxa do desemprego jovem ronda os 16%. Cerca de 73% dos jovens americanos pensam fazer estudos superiores (mestrado e doutoramento) a fim de conseguirem um bom emprego. Só que, estudar é um luxo e muitos se questionam: “todos estes anos de estudo e milhares de dólares para nada?”. Os jovens americanos reivindicam, criticam, manifestam-se, e lutam para mudar o “status quo”, criando movimentos como “Occupy Wall Street” e constatam-se mudanças de partidos políticos a fim de recuperar o “American Dreams”.
Em Cabo Verde, historicamente, a juventude reivindicou, criticou, manifestou-se, lutou, criou movimentos, mudou o “status quo” e constatou-se a mudança de regime e partidos políticos. A luta pela independência e a abertura política são exemplos memoráveis.
Segundo os dados do senso de 2010, a idade média da população é de 27 anos e a mediana de 22. A grande percentagem do eleitorado é jovem, ou seja, quem decide as eleições em Cabo Verde são os jovens. Os partidos políticos sabem muito bem disso! Mas será que os jovens cabo-verdianos estão cientes deste poder? Em Cabo Verde, hoje, são os jovens que tiram e que dão o poder!
Como é que se explica o facto de os jovens serem o pêndulo do poder e, no entanto, permitirem que os dinossauros políticos os manipulem? Como? Mas, como?
Será pelo facto da não existência de uma representatividade justa e contrabalançada nas listas partidárias, já que a democracia é representativa? Uma representação que espelhe a população cabo-verdiana?
A situação actual da juventude cabo-verdiana é semelhante à conjuntura mundial, mas, é visível e perceptível um certo conformismo, obediência, medo, receio, passividade, indiferença, desinteresse, em relação ao presente e ao futuro dos nossos filhos e dos nossos netos. Não se reivindica, não se critica, não se manifesta, não se luta para mudar o “status quo”.
Pessoas que frequentam e que frequentaram universidades, com formação, capacitada, que coabitaram com povos desenvolvidos, pessoas que conheceram a liberdade de opinião e expressão, de revindicação e o espírito crítico, ficam indiferentes à situação actual, escudando-se em frases, tais como: “ nka teni trabadju”, “nten medu”, “nka kre purblema ku ninguem”, etc. Enfim, todos estão à espera de qualquer coisa! Um comportamento ingénuo, “naïf” e muitas vezes feito de forma inconsciente, sem se aperceberem de que estão a alimentar o actual sistema no país.
O ridículo nisso é que muitos políticos, os “Djon sperto”, conotam estes jovens com a palavra “humilde”, porque aqui ,em Cabo Verde, alguns confundem a humildade com o “calar o bico e engolir tudo a seco”.
Aproxima-se a época da feitura das listas e a inserção dos jovens nas fileiras dos partidos políticos. Será que é desta que vai valer a pena esperar? Será que é desta vez que vai valer a pena hipotecar o espírito crítico e reivindicativo?
Espero que o saldo do vosso silêncio e da vossa cumplicidade seja pago desta vez!
Good Luck!
PS: Nunca te esqueças que desde os tempos antigos cada geração pensa que a próxima é estúpida e decadente, prova disto é:
“Eu não tenho nenhuma esperança para com o futuro do nosso país, se a juventude de hoje assumir os destinos de amanhã. Porque esta juventude é insuportável, atrevida, simplesmente terrível.” Hesíodo (720 a.C.).
“Nossos adolescentes actuais parecem amar o luxo. Têm maus modos e desprezam a autoridade. São desrespeitosos com os adultos e passam o tempo vagueando pelas praças. São propensos a ofender seus pais, monopolizam a conversa quando estão em companhia de outras pessoas mais velhas; comem com voracidade e tiranizam seus mestres.” Sócrates (470-399 a.C.). - (in Expresso das Ilhas)
Sem comentários:
Enviar um comentário