Em 18 de julho de 2015 22:28, Manuel Fernandes escreveu:
Para se conhecer a posição do Movimento para a Democracia sobre as questões que foram hoje aqui discutidas, junto anexo o discurso do Presidente Ulisses Correia hoje, 18 de Julho, em Santo Antão.
MMFernandes
Movimento para a Democracia
Exm@ Sr@ ,
partilhamos, em anexo, o discurso proferido pelo Sr. Presidente do MpD, Dr. Ulisses Correia e Silva, na Conferência Compromisso Santo Antão que teve lugar hoje, 18 de Julho, no concelho da Ribeira Grande de Santo Antão.
Melhores cumprimentos.
...oooOooo...
Muita gente deve ter recebido este convite para ler o que foi dito em Santo Antão, no dia 18, pelo dirigente de um partido, obviamente em discurso de campanha e, como é costume em tais situações e em qualquer latitude, prometendo este mundo e o outro na perspectiva de mais tarde, colher os respectivos dividendos nas urnas...Um dos nossos colaboradores habituais respondeu...
Caro senhor Fernandes.
Na parte que me cabe, agradeço o envio do discurso.
Como líder nacional do partido que representa, e nessa condição candidato a primeiro-ministro, o discurso do senhor UCS centrou-se demais na problemática particular de uma ilha, quando teria sido, talvez, mais pedagógico e politicamente mais promissor, colocar a tónica na região do noroeste, visto que ela, no seu todo, é o rosto clamoroso da clivagem criada no país pelo centralismo político e pela imparável hegemonia de Santiago/Praia.
É claro que o tónus e a intenção do discurso são em si mesmos reveladores da ideia-chave do seu partido quanto ao modelo de regionalização a implementar em CV (região-ilha). Bastas vezes tenho emitido a opinião de que a região-ilha não é a melhor solução para a exploração das possíveis virtudes de um processo de regionalização. Desde logo, porque põe as ilhas de costas viradas, inculcando-lhes a noção, quanto a mim profundamente errada e perniciosa, de que cada uma, por si só, é portadora de potencialidades e massa crítica suficientes para superar, sozinha, o ciclo histórico do seu atraso e subdesenvolvimento. Por outro lado, subjaz a esse ponto de vista, aliás tem sido isso bem notório, que existe uma latente rivalidade entre a ilhas de S. Vicente e S. Antão, coisa que eu remeteria simplesmente para o divã do psicanalista. Pois, alguns acreditam e defendem que S. Antão deve ignorar a ilha vizinha porque pode alcançar os mesmos níveis de progresso histórico conseguidos outrora em S. Vicente. Ao invés de apostar na sua verdadeira vocação – a rural – e aí explorar todas as potencialidades, incluindo o turismo rural, não senhor, a ilha deve replicar tudo o que encontra mais e melhores condições naturais em S. Vicente – indústria, pescas, ensino, cultura, comércio.
É assim que, para alguns políticos santantonenses, o aeroporto de Cesária Évora, situado a 30 minutos por mar de S. Antão, não lhes pertence, daí que, sim senhor, têm de ter o seu próprio aeroporto, nem que os aviões que manobrem para aterrar nas duas pistas quase que se cruzem na trajectória do seu voo. Se o senhor UCS e seus correlegionários fizerem um pequeno esforço de pesquisa, rapidamente verificarão que em nenhum espaço continental do mundo existe semelhante taxa de implantação de infraestruturas do género. Dirá que é diferente o espaço contínuo continental e o espaço fragmentado arquipelágico. Mas então lhe responderei que alguém que desembarca no aeroporto de Lisboa para dirigir-se a sua casa em qualquer ponto dessa cidade, leva mais tempo no trajecto do que alguém que faz a travessia do canal para chegar a qualquer ponto de S. Antão.
Ademais, estamos a falar de países mais desenvolvidos e dotados de recursos económicos, em contraponto com ilhas de um país pobre, sem meios, e que vivem à custa da comunidade internacional. Vamos pretender emular em situações e circunstâncias bem distintas das nossas?
Vamos mas é pôr os pés no chão e permitir que a lucidez e a clarividência sejam nossas amigas e parceiras.
Pior do que os malefícios do centralismo político, é o divisionismo insensato que, inconscientemente, nos arrastará cada vez mais para a indigência. Veja-se que o endividamento público é o carrasco dos países pobres.
Com isto, quero dizer que tem de haver coragem política e amplitude de olhar para, em campanha pré-eleitoral e eleitoral, um candidato a primeiro-ministro usar a mesma coerência lógica de discurso, quer o púlpito esteja postado em S. Antão, S. Vicente, S.Nicolau, Santiago, Fogo ou outra ilha. Não o fazer, é trair a democracia no que ela tem (ou devia ter) de mais puro e genuíno nas suas virtudes, deixando que triunfem a falácia e a demagogia. E é caucionar o estado de iliteracia e infantilidade democrática que, infelizmente, persiste em largos sectores do nosso eleitorado.
Os cabo-verdianos só começarão a dar passos positivos e em progressão para o futuro, quando limparem algumas teias mentais que ainda lhes tiram a limpidez do olhar e do pensamento. Somos pobres, a natureza nos é madrasta, as nossas potencialidades estão longe da nossa lisonjeira ilusão. Só com humildade e verdadeiro esforço de união em torno do interesse colectivo, é que poderemos travar a dura batalha para torcer o destino e adoçar um pouco mais as nossas vidas. Ilusões baratas não são, com efeito, a nossa melhor conselheira.
Quanto à directriz ideológica do discurso do seu partido, não me pronuncio. Somente digo que será demasiado fantasioso pensar, ou esperar, que a iniciativa privada, ou uma política de privatizações, realize parte significativa do que ao Estado deve competir, numa terra que é, reconhecidamente, pobre e desprovida de uma sociedade civil dinâmica, criativa e virada para as preocupações de ordem social. Hoje em dia, convenço-me de que neste particular demos passos atrás em relação ao passado. As pessoas o que privilegiam é o seu interesse pessoal, o seu bem-estar, pouco viradas para a solidariedade social. Por isso, discordo quando o líder do seu partido diz que se tem de abdicar de “políticas assistencialistas” por supor que o privado é uma fonte de virtudes e nele radica a verdadeira alternativa. Quão ilusória é esta visão, quão desfocada é ela da nossa realidade social! Cabo Verde é um país que jamais em tempo algum poderá abdicar de uma política social consentânea com os seus recursos. Estes têm de consagrar sempre uma fatia adequada para acudir aos pobres, carentes e desvalidos. Creio que todos os cabo-verdianos de boa consciência comungam com esta minha opinião.
Agradeço o envio do discurso e a oportunidade que me foi consentida para dar a minha opinião.
Um abraço
Adriano Miranda Lima
Sem comentários:
Enviar um comentário