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sábado, 22 de agosto de 2015

[8408] - A LUZ DOS CLARIDOSOS...


CRIOULAGEM - EPISÓDIO III

Verifica-se que os que se manifestaram, na nossa correspondência pessoal, sobre este artigo, estão em sintonia intelectual. Eu, o José Lopes, o Arsénio de Pina, o Valdemar Pereira e agora a Eva Caldeira Marques. Pena é não haver quem mais se manifeste de entre os destinatários do mail inicial do José Lopes, para apurarmos melhor a verdadeira extensão da nossa unanimidade. Seria até estimulante que surgisse uma opinião diferente, ou menos afinada com a nossa, para podermos aprofundar ou clarificar melhor algum ponto de vista ou argumento.Procurando fiar fino o seu pensamento, e com o hálito refrescado com essências aromáticas, a Dr.ª Eurídice Monteiro tentou anestesiar o leitor antes de lhe espetar no toutiço umas alfinetadas embebidas em veneno. Sim, ela não teve mãos a medir na dose de veneno ao descobrir um propósito “racialista” nos fundadores do Movimento Claridoso. Associa os claridosos a um pensamento etnocêntrico (assente na mestiçagem) e pretensamente dominador sobre o que considera a remanescência africana em Cabo Verde, e, claro, identificando esta com Santiago. No fundo, procurando razões para vitimizar o passado dessa ilha, talvez para caucionar moralmente os que, há 40 anos, proclamaram alto e bom som que ela teria de ser ressarcida, enquanto S. Vicente iria passar ao lado das oportunidades criadas pela independência. Portanto, um ressarcimento promovido por uma capciosa política centralizadora, concentracionária e lesiva de um desenvolvimento mais equilibrado e mais harmonioso do país. Esse ressarcimento tem um cariz totalitário porque é económico, é cultural e é linguístico. Mas ele até é prejudicial à própria ilha de Santiago visto que a aposta esdrúxula, absurda e tacanha é numa cidade capital que absorve desproporcionadamente os investimentos e recursos do país, fazendo aumentar desmesuradamente a sua dimensão, e com o risco de ela implodir sob o seu próprio peso. O efeito mais preocupante da macrocefalia é esse fenómeno da criminalidade que disparou e excede largamente tudo o que poderia prever-se. Tentaram assassinar o filho do Primeiro-Ministro e até hoje não se descobriu os autores, nem creio que se vá algum dia descobri-los porque a eficiência da acção das autoridades é comprometida pela disfuncionalidade da realidade social e institucional que é essa capital do país.

Quase que daria por encerrado este debate, se o artigo da Dr.ª Eurídice Monteiro não fosse a expressão de um recado insidioso que parece evidente no seu discurso. Desde logo, transmite a ideia de que a regionalização é um processo alienante ou susceptível de o ser (… o debate sobre a regionalização continua a oferecer uma perspectiva preocupante, tanto do ponto de vista da colectividade nacional como quanto às identidades individuais).
Inconformado com o eufemístico termo “racialista”, que na verdade quer dizer racismo com todas as letras, fui à net rever os princípios que nortearam os Claridosos. E encontrei:

“Ao nível político e ideológico, a Claridade tinha como objectivo procurar afastar definitivamente os escritores cabo-verdianos do cânone português, procurando reflectir a consciência colectiva cabo-verdiana e chamar a atenção para elementos da cultura cabo-verdiana que há muito tinham sido sufocados pelo colonialismo português, como é o exemplo da língua crioula.
Os fundamentos deste movimento de emancipação cultural e política podem encontrar-se na nova burguesia liberal oitocentista que instituiu a Escola como elemento homogeneizador da diversidade étnica das ilhas, no pressuposto de que o processo de alfabetização e formação intelectual da população era indispensável ao desenvolvimento de uma consciência geral esclarecida. A Escola desencadeou uma fome de leitura que está na base do extraordinário desenvolvimento cultural de Cabo Verde no século XX.

Atentos à realidade do quotidiano do povo das ilhas na década de 1930, estes filhos esclarecidos de Cabo Verde preocuparam-se com a precária situação vivenciada pelo povo, manifestada pelo sofrimento, miséria, fome e morte de milhares de cabo-verdianos ao longo dos anos; uma situação com origem na má administração do arquipélago pelo governo de Portugal, principalmente durante o regime fascista do António de Oliveira Salazar; não sendo, no entanto, alheios à desastrosa situação do povo ilhéu as frequentes estiagens.
Os fundadores da Claridade lançaram as mãos ao trabalho. Isto é, “fincaram os pés na terra,” de acordo com o seu célebre conteúdo temático, para a execução do seu plano de trabalho. No entanto, teriam que proceder de uma forma muito discreta, devido ao regime de censura colonial existente sob a vigilância constante e aterrorizada da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), temida pelo seu método de tortura.”

Enfim, posto isto, só não considero que a Dr.ª Eurídice Monteiro cometeu um crime de lesa cultura e uma tremenda injustiça, porque me parece que é jovem e tem muito a aprender ainda. Não é só nas sebentas e no material bibliográfico que um académico aprende a estruturar e a amadurecer o seu pensamento. Claro que utilizar bem a retórica e a argumentação, assim como observar as boas regras da gramática e do estilo, ajudam imenso, mas isso não basta. Um académico tem de, primeiro que tudo, libertar a mente das grilhetas do preconceito e da servidão política. A senhora tem óbvias qualidades intelectuais e apetrecho cultural que lhe garantem futuro, mas tem de se libertar. Ficam a ganhar o ensino universitário e a investigação a que se dedica. 

Adriano


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