José F. Lopes |
Considerações Gerais sobre uma Revolução começada em Abril de 1974
Neste ano de 2015, fecha-se o ciclo de 40 anos da Independência de Cabo Verde, tema ao qual dediquei uma série de artigos. Foi uma ocasião para comemorações em que se distinguiram várias iniciativas tanto de cariz individual como colectivo com o intuito de lembrar os feitos históricos associados à Luta de Libertação, por procuração, ocorrida nas matas da Guiné, assim como os eventos que ocorreram após a dita Luta, entre 25 de Abril de 1974 e 5 de Julho de 1975.
No presente artigo, proponho-me um pequeno balanço sobre estes 40 anos da independência de Cabo Verde, retomando assim o fio à meada dos artigos publicados no blogue Arrozcatum no início do ano. Como então afirmei, era minha intenção espoletar algum debate nas redes sociais em torno de vários temas associados a esse período, mas sem me iludir quanto à dificuldade de convocar a tímida ou intimidada sociedade/elite cabo-verdiana para um debate maduro sobre uma questão tão importante e crucial, como é o seu passado recente. Para além disso, tomei a iniciativa de colocar um conjunto de questões avulsas aos principais protagonistas sobre assuntos que têm sido abordados de forma evasiva ou até hoje deixados sem resposta, por omissão ou silêncio. O objectivo deste exercício seria suscitar uma reflexão objectiva, rigorosa e descomplexada sobre todo o período em causa, afastando-me dos chavões clássicos ou de uma abordagem simplista que tenda a dividir o mundo entre bons e vilões. Contei assim exercer o meu dever de cidadania, e trazer para a arena actores dos acontecimentos ou aqueles que supostamente detêm mais informações, na esperança de que as narrativas pudessem ser analisadas à luz dos tempos actuais, mas sem deixar de as enquadrar no seu contexto histórico. Mas em vão, pois, existe um tabu, autêntico buraco negro informativo sobre esta fase, sob a forma de um silêncio hermeticamente fechado em relação a factos ocorridos durante o período de 1974 a 1975, ao passo que se faz muito barulho em torno dos tristes episódios de 31 de Agosto de 1981, graves mas não mais importantes que o resto. Como reintegrar este período obscuro na história oficial de Cabo Verde? Estas são as questões deixadas à classe política e aos historiadores.
É claro que eu não tinha ilusões, pois parece que as questões levantadas correm o risco de ficar 'ad aeternum' sem resposta, por omissão ou silêncio de quem as deveria esclarecer para a história. Nos artigos precedentes, tentei apresentar com o maior distanciamento possível os protagonistas deste período, as suas condicionantes ideológicas, as suas narrativas, tal como se apresentavam há 40 anos. Tentei esboçar o quadro, o pano de fundo onde se inscrevia todo o contexto da época antes e após 25 de Abril em Cabo Verde, apresentando a posição dos diferentes protagonistas em confronto nesta saga revolucionária, caracterizando-os do ponto de vista social, intelectual e político, definindo os seus perfis sociais e políticos, os diferentes argumentos, as razões e as certezas de uns e outros. Como vimos, a sociedade mindelense/cabo-verdiana fracturou-se a partir de Verão de 1975 entre dois campos supostamente incompatíveis e inconciliáveis: (1) o campo aparentemente minoritário, dito reaccionário, representado por um grupo etário constituído por pessoas menos jovens, identificadas com a classe social dominante, e que não apoiava a solução do PAIGC; (2) o campo aparentemente maioritário, dito progressista/revolucionário, representado pela juventude que defendia a solução da independência total e imediata com o PAIGC. Na realidade, o campo dos opositores ao PAIGC incluía vários sectores, todos apresentando um denominador comum, que era a oposição declarada à Unidade Guiné-Cabo Verde. Havia os que se opunham pura e simplesmente à Independência de Cabo Verde, defendendo uma autonomia alargada e progressiva, uma solução que tinha sido proposta e defendida por muitos sectores intelectuais cabo-verdianos. Havia nacionalistas que duvidavam da viabilidade de Cabo Verde como estado independente nas condições concretas de 1975 e defendiam uma via associativa a Portugal, o que era considerado como a solução neocolonial, uma via de dependência; havia nacionalistas que, por razões de mera rejeição ideológica, se opunham ao PAIGC marxista-leninista e panafricanista, conforme o Partido na verdade se lhes apresentava.
À medida que eram publicados os artigos (no ArrozCatum e replicados no Facebook), fui confrontado com opiniões de vários amigos de diferentes sensibilidades e orientações políticas que foram reagindo e interpelando-me sobre diferentes aspectos abordados, engendrando-se assim um debate interessante, embora circunscrito. Bem gostaria de agradar a gregos e troianos, de manter uma linha mediana entre os intervenientes no debate, pois cada um tem a sua razão, opinião e narrativa. A questão torna-se mais complexa quando se questiona se afinal terá ou não havido revolução mindelense/cabo-verdiana, e se os fins justificaram os meios. Segundo um certo ponto vista, em matéria revolucionária, não se podem fazer omoletes sem quebrar ovos, é oito ou oitenta. Nesta perspectiva, os eventos ocorridos no Verão quente de 1974 na cidade do Mindelo (a tomada da Rádio Barlavento, a expulsão ou o silenciamento da oposição conotada de reaccionária, a erradicação da UDC, acusada de propor uma via neocolonialista para Cabo Verde) só podem ser analisados na óptica de um processo revolucionário que contribuiu de forma decisiva para a conquista da Independência de Cabo Verde, tendo evitado, sob a égide do PAIGC, aquilo que os seus prosélitos consideravam uma via neocolonial. Quem nos dera que Cabo Verde fosse hoje realmente independente e auto-suficiente e que tivesse ocorrido, de facto, uma verdadeira revolução social, cultural e intelectual. Quem nos dera que Cabo Verde se tivesse transformado radicalmente para melhor, e criado verdadeiros Homens Novos, melhores em todos os aspectos do que as gerações anteriores. Quem nos dera que Cabo Verde estivesse a colher em todos os campos os frutos da independência conquistada em 1975. O que resta dos principais chavões (Palavras de Ordem) de 1974-75, senão palavras ocas, ou autênticas cascas vazias?
Na realidade, somos uma geração resultante da implosão do regime salazarista e impregnada dos ideais revolucionários de esquerda dos anos 60-70, trazidos até nós pelos jovens estudantes revolucionários, eles mesmos herdeiros directos de Maio 68 e das lutas anticoloniais e antifascistas em Lisboa. Somos também uma geração resultante da implosão do império português e impregnada dos ideais pan-africanistas de Cabral. Os cabo-verdianos de 2015 são herdeiros do legado e do pensamento de Amílcar Cabral e do PAIGC que conquistaram o coração dos cabo-verdianos em 1974, também herdeiros da absoluta singularidade de um projecto que foi uma justaposição de utopias (que em boa dose até pode ser salutar: uma sociedade sem classes, livre da exploração do homem pelo homem, o Homem Novo). A maior de todas consistiu em transformar um arquipélago inviável num estado formalmente independente, embora na prática totalmente dependente da assistência internacional.
Só analisando o passado e integrando-o, podemos apreender o presente e encarar e perspectivar o futuro com discernimento. Deve-se, pois, assumir o passado no seu todo, aceitar os erros, o que correu bem e menos bem ou francamente mal. Será uma prova de maturidade democrática tal atitude. No próximo artigo, apresentarei algumas Reflexões e um Balanço Final sobre o que realmente mudou em Cabo Verde nos últimos 40 anos, entre as Utopias e a Realidade. (in Liberal)
Tal como comentei no Liberal, a respeito deste texto do José, é importante que se revisite o passado para, na análise objectiva dos acontecimentos, tirarmos as devidas ilações sobre como proceder na actualidade e como visualizar as linhas do futuro.
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