É de Noam Chomsky, linguista, filósofo e activista político norte-americano, esta afirmação: “A propaganda representa para a democracia aquilo que o cacete significa para o estado totalitário”. E logo vem-nos à mente o texto das conhecidas “Dez estratégias de manipulação da opinião pública”, que se atribui à sua autoria mas que alguns dizem pertencer ao francês Sylvain Timsit, que pode ter-se inspirado, sim, em obras de Chomsky, como "Silent Weapons for Quiet Wars". No entanto, esta questão não parece suficientemente esclarecida, sendo a autoria normalmente reconhecida ao intelectual americano.
É irrecusável não associar tempestivamente esse conjunto de estratégias à emergência do chamado neoliberalismo e à ascensão do primado do mercado financeiro sobre a vontade soberana dos países democráticos. É que não seria de esperar que a tomada do poder por quem detém os cordelinhos do domínio financeiro, se contentasse com o improviso ou se subordinasse à mera casualidade dos acontecimentos. As estratégias de dominação são concebidas em altas instâncias e o encadeamento dos seus efeitos e o ajustamento dos procedimentos da sua modulação inscrevem-se num plano de conduta que se ajusta constantemente à realidade e às suas incidências pontuais. Se observarmos o comportamento do FMI e das agências de notação de crédito, com todo o seu rol de contradições, imprecisões e incongruências, verificamos que essas instituições não se desviam da rota das suas congeminações, não obstante expedientes de diversão ocasionais para enganar o pagode, de que a Christine Lagarde tem sido um exemplo perfeito.
E quando pensamos nas tais “10 estratégias de manipulação da opinião pública” ─ que não tencionamos aqui reproduzir ou analisar exaustivamente ─ não será com surpresa que as vemos transparecer, com maior ou menor grau de improviso ou cálculo premeditado, na política portuguesa dos últimos anos. Cada um poderá fazer o seu próprio juízo sobre a relação das seguintes estratégias com factos e acontecimentos concretos e iniludíveis da nossa vida pública dos últimos tempos:
“Promover a distracção”: desviar a atenção do público dos aspectos gravosos das políticas, mediante bombardeamento de informação e notícias sobre aspectos corriqueiros e insignificantes da vida nacional. Nisto, as televisões e alguns jornais têm papel relevante: telenovelas e concursos ridículos e infantis em horário nobre, em detrimento de programas educativos e formadores de uma consciência cívica; ou jornais que preferem escândalos ou devassa da vida privada ao tratamento de questões relevantes ou do interesse dos cidadãos;
“Instigar o ciclo problema-reacção-solução”: cria-se ou incentiva-se o surgimento de um problema ou situação, para provocar uma reacção no público de modo a oferecer-se precisamente a solução que estava na mente do governo;
“Gradualidade ou diferimento de acções”: aplica-se ao longo de anos medidas que progressivamente afectam as condições de vida dos povos, que se introduzidas de uma só vez gerariam uma reacção social violentíssima;
“Cedência temporária para lograr um objectivo mais tarde”: no fundo, corresponderá ao empurrar um problema com a barriga, dando tempo para a sociedade ir paulatinamente aceitando a solução que interessa ao poder;
“Dirigir-se ao público como se ele fosse infantil”: utilizar linguagem excessivamente simplificada ou argumentos de um basismo confrangedor, de forma a minimizar uma reacção crítica alicerçada na apreensão da complexidade dos fenómenos;
“Sobrepor a emoção à razão”: instilar uma carga emocional na abordagem de um problema sério para ofuscar uma atitude racional na sua percepção por parte do público;
“Estimular a complacência com a mediocridade”: as televisões são o meio de eleição para esta estratégia. É o exemplo de programas como a “Casa dos Segredos”, com a efémera projecção pública de pessoas como o Zé Maria e outras destituídas de qualquer valor cívico ou mesmo humano;
“Manter o povo na ignorância”: ajusta-se mais aos regimes de ditadura, e Salazar era efectivamente um paradigma perfeito. Significa não apostar demasiadamente na escolarização para não despertar uma viva consciência política nas classes mais desfavorecidas. Em África, bem sabemos que o objectivo era retardar o mais possível a emancipação das colónias;
“Instigar a assunção da culpa ou auto-responsabilização”: o exemplo concreto bem actual é considerar os países do Sul da Europa culpados do seu relativo atraso por serem preguiçosos, gastadores e irresponsáveis. No âmbito interno, os pobres e os desempregados serão os responsáveis pela sua situação;
“Conhecer os indivíduos melhor do que eles próprios”: as estruturas do poder conhecem cada vez mais a natureza humana, em toda a multiplicidade do seu comportamento, e assim conseguem acertar com o tempo, o modo e a oportunidade de impor ou graduar as suas estratégias ou tácticas de dominação. Hoje, as elites estão mais capacitadas para mapear o ser humano mercê do avanço das ciências biológicas, neurobiológicas e psicológicas.
Posto isto, é um facto que nenhuma força política que tenha governado Portugal nas últimas décadas poderá livrar-se da suspeita de instrumentalização da comunicação social para alcançar e manter o poder. Porém, há sinais indisfarçáveis de que o actual governo e a força política que o suporta ultrapassaram a fase inicial de aprendizagem e hoje dominam procedimentos que se entrelaçam claramente com algumas das estratégias atrás delineadas. Se, para ganhar as últimas legislativas, o actual governo utilizou, de uma maneira sem precedentes, um chorrilho de mentiras e falsas promessas, hoje, para conservar o poder excede os limites. Com efeito, a manipulação de estatísticas, o uso de engodos de última hora (devolução de impostos, adiamento de medidas, etc.), a auto-desculpabilização de ministros, a insistência nas culpas do governo anterior, o auto-elogio descarado, a repetição sistemática de frases feitas contendo meias verdades ou deformando a realidade, são elementos indesmentíveis de uma estratégia de manipulação que só a desatenção ou uma atitude acrítica não percepcionam.
Ora, conjugam-se circunstâncias desfavoráveis à expressão livre da vontade nacional. Os meios de comunicação social são geridos por grupos privados, que não podem deixar de optar por governos ideologicamente mais identificados com a doutrina e a principiologia neoliberal. A lógica do mercado e o feroz controlo financeiro prevalecem sobre o bem-estar do homem, que vê as suas conquistas sociais sujeitarem-se a uma subversão nunca imaginada. Alguns comentadores da cena pública são os títeres de uma propaganda em que ridiculamente o homem é inscrito como um simples elemento parcelar de gráficos e cálculos contabilísticos e não como o centro de todas as decisões.
Exige-se que o cidadão observe com mais aturado sentido crítico o que se passa à sua volta.
Tomar, 31 de Agosto de 2015
Adriano Miranda Lima
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