UMA EXCURSÃO
À LENDA DA COVA DO LÀZARO
Eramos doze: dr. Augusto Euclides de Menezes, general Sérvulo Medina, major Guilherme Morbey, João Bento Fernandes, Álvaro Levi, João de Deus Tavares Homem, Álvaro Carvalhal, Carlos Ribeiro; Joaquim Vieira Ribeiro, Eugénio Tavares, Lourenço Tavares de Almeida e Abílio Monteiro de Macedo.
Às seis horas estávamos reunidos na Redacção da Voz de Cabo Verde.
Montámos a cavalo e tomámos o caminho da cova do Lázaro.
Em torno da boca escura dessa caverna, tinha o fecundo espirito, popular criado uma lenda terrível que, através, a tradição, viera renovando, na alma do povo, as raízes daninhas da superstição. À sombra das suas regulares abobadas de cisterna egípcia, vogava a atmosfera gélida do terror.
Meio século atrás, fora refúgio de criminosos. Por 1850 uma quadrilha de terríveis assassinos, tingiam de sangue as pedras das encruzilhadas e gelavam de pânico a alma do povo. À testa da quadrilha estava um Lázaro Vaz, bandido feroz e dotado de uma rara audácia. Todas as diligências para a captura de Lázaro e da sua quadrilha teriam sido baldadas se a traição de um compadre não entregasse Lázaro às autoridades. Diz a tradição que Lázaro e os seus companheiros se acolhiam à caverna aberta nas lombas que marginam à direita, a ribeira de S. Francisco, e que essa cova, que tinha uma saída, em longas galerias, para o mar, oferecia aos bandidos um refúgio seguro.
Lázaro foi preso e condenado à morte em sentença de 1 de outubro de 1861 (Boletim Oficial da província, nº. 44, de 1861).
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O dia estava ventoso, áspero, desagradável.
Chegados à boca da cova, uma comprida escada foi assente sobre o alto entulho que os aluviões e os frequentes desmoronamentos têm acumulado o meio da gruta.
Acenderam-se lanternas, estenderam-se cordas, e, em menos de um quarto de hora, foi a gruta percorrida na sua circunferência livre, na base do cone de entulho. Do lado do mar, uma mais funda depressão, escura e de difícil acesso, torna possível a hipótese da continuação duma galeria com uma suposta saída para o mar. Nada, porém, se colhe de positivo sobre semelhante suposição; que, entretanto, a tradição, com as suas nebulosidades da lenda, dá a essa caverna. A abobada é circular e interessantíssima, lajes perfeitas, cimentadas pelos resíduos calcários que a infiltração das águas solidifica nos interstícios, umas sobre as outras saem em beiços perfeitamente iguais, de baixo para cima. Uma linha da outra imediatamente inferior, até formar a abobada; vindo fechar, chanfrada, na boca, em lajes maiores, com que propositadamente escolhidas para chaves. Além da abobada, que é curiosíssima, nada mais oferece de interessante, ainda à imaginação, mais poética e fértil em fantasias. Entulho, sinais frequentes e recentes desabamentos, ar abafado, húmido, ossadas de animais, e, na direcção da boca, papaeiras e figueiras vegetando, no alto do cone de entulhos, anémicos e saudosos da luz e dos largos ventos das planuras avermelhadas.
Nada mais. As proezas de Lázaro, por muito tempo afastaram desse covil os valentes que se atreviam a palmilhar o terreno vermelho e árido dos contornos.
Com a nossa excursão quebrou-se, porém, o horror pela cova do Lázaro.
Os esfumaçados perfis da lenda esbateram-se e se evaporaram com a aproximação das nossas lanternas, à semelhança das neblinas que a madrugada cobrem as campinas, e que se dissipam aos primeiros raios do sol nascente.
Da lendária cova do Lázaro, povoada de espíritos condenados pelos seus crimes neste mundo, resta, hoje, apenas, a boca muda inexpressiva, negra, inofensiva, dessa gruta natural, produto evidente de um desmoronamento subterrâneo. Mais nada.
Corre, também, entre o povo, que o terror dos habitantes convizinhos, teria sido o autor do entulhamento da cova.
É facto, também, que nós não encontrámos vestígios de terem pés humanos pisado o fundo da gruta, nos tempos próximos.
Praia, 1911.
(E-mail Artur Mendes)
Gostaria de obter mais esclarecimentos sobre este texto. É registo oficial ou é ficcão, ou, onde acaba um e começa outro?
ResponderEliminarMeu Caro Amigo
ResponderEliminarÉ registo oficial... Basta consultar o "Boletim Oficial da Província nº 44 de 1861"
Como ficção não seria necessária uma listagem tão vasta de "excursionistas" ilustres e bem conhecidos ... Eles foram com a intuito de desmitificar uma lenda criada à volta do "Lázaro e do seu bando".... que, abalava o povo circunvizinho da cova do dito cujo...
Outras "noticias" sobre o mesmo tema, estão publicadas no mesmo Jornal.
(Já confirmei a noticia do Boletim oficial)
Mantenha e ao dispor.
Entre a realidade e a ficção. Fiquei com as mesmas dúvidas ao ler o texto embora os esclarecimentos de A Mendes são suficientes para as desfazer.
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