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segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

[8797] - ACULTURAR AS TRADIÇÕES...


QUANDO AS ACTIVIDADES CULTURAIS OCUPAM CADA VEZ MAIS O CENTRO DAS TRADIÇÕES DO 1º DE JANEIRO EM TODO O MUNDO

      No dia 1 de Janeiro de 2016, como é tradição em Aveiro, iniciou-se o ano com um concerto de Ano Novo no Teatro Aveirense, desta vez animado pela Orquestra Filarmónica das Beiras, uma iniciativa promovida pelo pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Aveiro. Nada faz mais sentido do que iniciar o ano ao som da música, neste caso Valsas, Polcas e Marchas de Strauss, etc. O evento foi presenteado também com a presença do cantor e compositor André Sardet, que em 2016 comemora 20 anos de carreira, tendo apresentado as mais lindas canções do seu repertório. O Concerto de Ano Novo constitui um dos momentos marcantes da temporada musical da orquestra, intimamente ligada à Universidade de Aveiro, que a incubou e tem apoiado. De resto, grande parte dos músicos, inclusivamente o maestro António Vassalo Lourenço, estão associados à Universidade. 
      Isto vem a propósito do Eden Park, que tem uma semelhança flagrante com o Teatro Aveirense. Quando, na tarde do dia 1 de Janeiro, entrei no Teatro Aveirense (1), cujo interior é muito parecido com o do Eden Park, monumento que veiculava a Cultura sanvincentina, as memórias do velho cinema vieram-me à tona. 
      O Teatro Aveirense, que data de 1881, acompanhou a evolução/desenvolvimento da cidade de Aveiro na sua componente cultural. Nos finais da década de 90 do século passado, quando foi necessário apostar fortemente na Cultura e no Turismo desta cidade, o Teatro Aveirense encerrou provisoriamente as suas portas em 2000 para dar lugar a obras de vulto com o objectivo da requalificação e modernização do seu espaço e dotar-se de equipamentos audiovisuais modernos, graças ao concurso de fundos do Estado, da EU, assim como de privados. Hoje, o Teatro Aveirense é uma peça do património nacional e da cidade. Este exemplo de requalificação não é único em Portugal: de Lisboa ao Algarve, passando pela Invicta cidade do Porto e as regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, o Estado e as comunidades têm investido enormemente no Património e na Cultura das cidades, embora, é claro, muito se tenha perdido e haja muito mais por fazer.
      No dia 1 de Janeiro de todos os anos, a população do Mindelo, animada como é seu timbre natural, acompanha as bandas populares pelas ruas da cidade dando Boas Festas, mantendo a tradição que outrora terá sido iniciada pela Banda Municipal, que hoje não existe. Contudo, tudo isso consiste em simples iniciativas espontâneas de cariz popular, e fica a sensação de que algo de mais substancial e qualitativo está por fazer para projectar na área da Cultura os anseios e as manifestações populares. E como é possível dar esse passo quando hoje nos deparamos com o vazio de um espaço vocacionado para essa missão, como foi o cinema Eden Park, que teve o destino que se conhece? Era o principal centro aglutinador da animação cultural e recreativa da cidade, envolvendo crianças, jovens e adultos, em manifestações as mais variadas, desde o cinema e o teatro a sessões musicais e culturais. Hoje, aquele tipo de actividade de expressão mais nobre quase que desapareceu da nossa querida cidade, resumindo-se tudo praticamente às festas tradicionais ou iniciativas de índole popular. Estamos assim numa situação de orfandade que não parece preocupar muito os responsáveis. Uma coisa é promover ou apoiar iniciativas de rua, outra bem diferente é fazer com que a Cultura encontre um espaço e condições para que ela se afirme como importante vector da formação da cidadania.
      Desta maneira, é irrecusável uma comparação entre o que se passou em Aveiro e o que é possível empreender na cidade do Mindelo, no que concerne a actividades culturais de excelência. Embora não seja despicienda a diferente localização de ambas as cidades, uma num país europeu, integrado na UE, uma das áreas mais ricas do Mundo, e outra, arquipélago crioulo situado na margem da zona continental africana, numa geografia periférica e menos favorecida, integrado na CEDEAO, uma das áreas mais pobres e conflictuosas do Mundo,  é importante não esquecer que a cidade do Mindelo fez história e é ainda um paradigma cultural em Cabo Verde. Em 2015, tivemos o culminar de uma luta renhida para a salvaguarda do Eden Park, de modo a evitar que o edifício fosse abatido e substituído por um arranha-céus, como parece estar em vias de acontecer. Enquanto que em Portugal, país tomado como modelo para tudo em Cabo Verde, se faz um esforço de preservação dos marcos culturais e históricos e se investe fortemente na cultura e no património, em Cabo Verde o pouco que ainda resta é condenado à destruição ou a desaparecer por negligência e/ou falta de visão. O Eden Park poderia ter tido o destino do teatro Aveirense, não fosse a sua triste sina de existir numa terra que parece ter ficado vazia de alguns dos valores de outrora.  
      Esclareça-se que a Cultura deve ser vista nas suas várias vertentes, tanto de massa 
como erudita. Esta, para ser produzida, é um facto que necessita de aturados estudos e investimentos, o que faz com que o acesso a ela seja mais restrito devido ao seu elevado preço. No entanto, sabemos que, hoje em dia, já é possível trazer a cultura erudita às massas de forma gratuita ou a preços baixos, através de financiamentos ou patrocínios de determinadas entidades ligadas ao sector. E é neste âmbito que o papel das universidades e dos institutos universitários é importante como factor dinamizador, assim como a existência de espaços físicos adequados (2).
      Tudo isto foi para lembrar que há países que progridem e outros que regridem, embora cresçam do ponto de vista de algumas infra-estruturas sociais. É triste ter de reconhecer que a cidade do Mindelo regrediu culturalmente, desde a independência, mais de meio século, embora actualmente disponha de meios incomparavelmente maiores. Ao Município e ao Estado convém lembrar que a cidade necessita de uma agenda cultural (não confinado a dois ou três momentos festivos do ano, mas um programa consistente escalonado ao longo do ano) de cariz nacional e internacional digna do passado da ilha e que possa alavancar o seu desenvolvimento integral. Porque o progresso de uma sociedade não se alcança sem uma atenção especial ao vector cultural. (José Fortes Lopes)

(1) http://www.teatroaveirense.pt/historia.asp
(2)http://www.portaleducacao.com.br/educacao/artigos/48831/cultura-de-massa-cultura-popular



4 comentários:

  1. Mais um bom e oportuno texto do Djosa. Tal como o Adriano, é altura de começarem a pensar na publicação de tanto material que passa a andar disperso por aqui e por ali.

    Braça com edição à vista,
    Djack

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  2. Djack obrigado por esta sugestão. Vou pensar nisso. abraço

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  3. Este artigo tem muito propósito e devia ser lido pela Câmara Municipal de S. Vicente. E devia fazer com que a Isaura Gomes acordasse todos os dias a meio da noite a gritar: Ó Eden Park, ó Eden Park! Onde estava eu com a cabeça quando não mexi uma palha para te salvar?

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  4. Quando se centra sobre si próprio e não se olha à sua volta para se constatar que se outros podem porque é que não podemos? Sempre ouvi dizer que aprendemos uns com os outros e é através destas interacções que muitas vezes surgem grandes rasgos de criatividade. Acredito que é possível fazer algo pela cultura e que o que já e fez não é suficiente. Agora se não se investe, ao menos em espaços adequados... Com isso não quero dizer que não se possa dar um concerto de música num jardim ou numa praia, mas é inadmissível não haver espaços apropriados.

    Matrixx

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