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sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

[8839] - CONTOS SINGELOS - (2)


CONTOS SINGELOS
Por
GUILHERME DA CUNHA DANTAS
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NHÔ JOSÉ PEDRO
CENAS DA ILHA BRAVA

Primeira parte
Mocidade de José Pedro
                                                                            ***********
Desvaneios que podem servir de prólogo
E no meio dos gritos de angústia, de desesperação e terror das duas equipagens, a montanha de água que em torno das duas embarcações se formara pelo seu choque, desabou sobre elas com horrível fracasso, sepultando tudo, navios e homens, gritos e blasfémias, orações e gemidos no abismo insondável.
Os Náufragos – Mas o mar não concluíra a sua obra de destruição.
Dois corações, generosos ainda palpitavam anelantes, dois peitos robustos arqueavam lutando com a morte, trazida sobre cada vagalhão, sobre cada destroço dos navios afundados que o mar furioso arremessava por sobre as suas cabeças com o ímpeto de uma catapulta.
Súbito o mar, como um gigante cansado da luta a faz cessar momentaneamente, para depois, adquiridas novas forças, a ela voltar com mais ardor e fúria, o mar cessou por momentos o seu furioso embate:
Os infelizes náufragos, que já se achavam exaustos de forças, e quase asfixiados, puderam enfim, ainda que por breve espaço, respirar.
Neste momento, uma fita de fogo rasgou lado a lado o horizonte sombrio, e serpeando lá ao longe, o raio veio sumir-se no oceano.
À luz momentânea e sinistra do relâmpago, os dois homens viram-se, reconheceram-se.
-- António Pedro!  
-- João Gay!
Enfurecia-se outra vez o mar, o gigante reentrava na luta.
Os dois náufragos, reanimados por este breve, mas oportuno descanso, puderam melhor sustentar-se ao de cima das águas revoltas. E, ora descendo ao fundo do abismo, ora vindo à superfície e sendo joguete das ondas, sempre animando-se com palavras e gestos de coragem, assim passaram os dois robustos marinheiros a quarta parte daquela desgraçada noite. Porém esta segunda luta dos elementos foi como a cólera humana: tanto mais terrível quanto mais breve. 
Os primeiros arrebois da aurora franjando de um vivo escarlate as extremidades do horizonte, dilataram-se pelo céu de branca transparência, e se espalharam num mar de tranquila imobilidade, que mais parecia um grande lago. 
No ponto em que o céu, descrevendo uma semi-curva, parece cair-se ao mar, aparecia, destacando-se da superfície aquática, um ponto branco semelhante a um grande alcatraz com as asas abertas. Porém a vista perspicaz dum marinheiro reconheceria neste ponto branco as velas duma embarcação de grande lote.
Assim o pensaram António Pedro e João Gay, porque logo, adquirido vigor novo com a certeza do salvamento, se dirigiram para aquele ponto à força de braços.
A meia milha de distancia, foram vistos do navio, que arreiou um escaler ao mar.
Desde então, os dois irmãos pelo infortúnio, jamais se separaram; a sua sorte foi sempre comum.
Os pais de José Pedro – António Pedro, numa das viagens que fizera à ilha Brava, possuíra-se de grande amor por uma linda crioula cujo pai era português, e não teve escrúpulo em ceder a mão de sua filha ao honrado moço brasileiro, que lha solicitou com o mais apaixonado ardor.
Liquidando os muitos bens que possuía no Brasil, viera estabelecer-se na já mencionada povoação de “santa Ana, onde desfrutava com a sua jovem e encantadora esposa D. Júlia de Lima, aquela felicidade que encontra uma família virtuosa retirada do bulício do mundo.
Deus santificara a sua união dando-lhes nove meses depois, um filho varão, a quem na pia baptismal puseram o nome de José. 
Eis pois nascido o nosso herói!
Este fausto sucesso veio aumentar, se era possível, a felicidade de que gozavam os ditosos cônjuges.
O balbuciar do infante era para seus pais como o hino que Deus houvesse mandado à terra para celebrar a sua felicidade. 
Depois chegou a idade em que era preciso que o espírito, muito mais necessitado e exigente, compartilhasse os cuidados do corpo.
 Tinha José Pedro seis anos de idade, quando se matriculou na escola pública da terra, cuja direcção estava confiada a um hábil português.
Uma carta do Brasil – Decorreram seis anos, durante os quais fora igualmente tranquila e feliz a existência da família de António Pedro.
Seu filho fazia rápidos progressos na escola onde tinha o lugar de primeiro aluno.
Porém o céu que nem sempre está sereno, começou a toldar-se para o adolescente de negras nuvens.
Um dia pela manhã, estando o brasileiro sentado à mesa com a sua família e João Gay, entrou um escravo trazendo uma carta na mão.
--- “Sinhó… um carta! Disse o negro entregando-a e retirando-se.
-- A letra parece de meu tio (disse o brasileiro comovido). Há dois meses que não escreve!

Voz de Cabo Verde 1913

                                             Continua...

Pesquisa de A. Mendes

1 comentário:

  1. Estes "contos singelos" merecem ser lidos, não obstante o estilo literário de outros tempos. Aguardemos as próximas peripécias.

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