CONTOS SINGELOS
Por
GUILHERME DA CUNHA DANTAS
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NHÔ JOSÉ PEDRO
CENAS DA ILHA BRAVA
Primeira parte
Mocidade de José Pedro
Desvaneios que podem servir de prólogo:
-- Com efeito, observou João Gay reparando no sobrescrito, traz o carimbo do correio do Rio.
António Pedro apressou-se a abri-la. Passando-a rapidamente pela vista, tornou-se pálido. Depois entregou-a com mão tremula ao seu amigo, ficando como que aniquilado.
Eis o que João Gay leu em voz alta:
“ Meu querido filho”
Há dois meses que terrível enfermidade me acometeu. Os médicos não me ocultam o estado sem esperança. Reunindo as poucas forças que restam, mal posso pegar na pena para te dizer: vem, filho; vem depressa, para que eu morra contente abraçando-te, e abençoe antes de morrer.
Teu tio que te ama como pai.
“ Florêncio de Sousa”
As lágrimas corriam de todos os olhos, o desfalecimento tinha-se apossado de todos os espíritos.
-- Meu Deus” Dizia D. Júlia com voz entrecortada de soluços, será preciso que nos separemos?
-- Assim é preciso, disse o brasileiro enxugando o pranto. Seria uma negra ingratidão da minha parte não dar aquele santo homem a derradeira, a única satisfação que ele pode ter neste mundo, a de abraçar aquele que ele sempre considerou e tratou como filho.
-- Pois faça-se a vontade de Deus, meu Amigo! E que ele em breve te restitua nos teus braços…
Não pôde concluir. Fora tão violenta a comoção, que a infeliz, dilacerado o seu coração terno e frágil de esposa e de mãe, caiu meio desmaiada nos braços de seu marido, confundindo as suas lágrimas com as dele.
Separação – Alguns dias depois desta triste cena, desferindo as brancas velas ao vento saía majestosamente a estreita barra da Furna o elegante “Carolina”, levando a bordo António Pedro de Sousa, seu proprietário.
Via-se a praia coalhada de povo, principalmente de pobres que debulhados em lágrimas se vinha despedir de seu benfeitor, de seu pai; e com o coração opresso de tristes pressentimentos o viam afastar-se para longe.
No alto da montanha que domina a praia alguns lenços se agitavam, e a estes sinais de última despedida correspondia de bordo do “Carolina” um homem que de pé, à popa, por vezes molhava de abundantes lágrimas o lenço que agitavam. Este homem era o pai de José Pedro. As pessoas que da rocha lhe acenavam, eram sua dessolada esposa, seu filho e João Gay, e várias outras pessoas da sua intimidade.
Oh! Não pode compreender a dor imensa que então oprimia os corações daqueles que se separavam, que ainda não experimentou a indefinível tristeza, o desalento, os prantos, o martírio da separação!
Já provei deste cálix de amargura, eu! Quando me separei de minha pobre mãe para vir, aqui em terra longínqua, buscar o pão do espirito, os meus poucos anos não me permitiam avaliar a grandeza da minha quase desgraça: - Mas chorei!
NO MAR – Tinham decorrido quatro dias. A veleira “Carolina”, com vento em popa, deixara atrás todas as ilhas do arquipélago cabo-verdeano, e agora, com as velas docemente enfunadas, reclinada graciosamente sobre o azul das ondas prateadas de brancas espumas que o seu talha-mar cortando o oceano deixava após si de um lado e de outro, navegava no mar imenso, sob o céu infinito.
Era na noite do quarto dia. Parte dos tripulantes do “Carolina” repousa nas macas, outra metade da equipagem velava; uns sentados à proa, falavam sobre a terra natal e os entes queridos que lá deixavam; outros, encostados às amarras, entoavam canções monótonas de marinheiros.
Num elegante camarim, sentado a uma pequena mesa em que se viam algumas iguarias intactas, estava o pai de José Pedro.
Com os cotovelos apoiados na banca, a cara entre as mãos, o brasileiro parecia engolfado em sombrios pensamentos. De vez em quando, duas lágrimas grossas como punhos lhe rolavam silenciosamente pelo rosto belo e nobre.
Saudades da esposa amada, do filho estremecido, do lar tranquilo e feliz!
-- Olá, Rodolfo! Disse súbito o brasileiro.
-- Pronto, capitão! Respondeu na camara imediata uma voz de criança, bocejando.
-- Já estavas dormindo, maroto? Tornou o brasileiro.
-- Já passaram das 10 horas! Murmurou o rapazinho.
E, todo de sono, entrou no camarim, foi abrir um armariozinho colocado em frente do lugar onde se achava sentado o esposo o esposo de D. Júlia, dele tirou um pequeno frasco e copinho que encheu de cristalina água, e cabeceando veio depor tudo em cima da mesa; depois, foi buscar uma colherzinha de prata que quase mergulhou no copo, e começou a deitar-lhe do líquido contido no frasquinho.
Voz de Cabo Verde , 1913 ...Continua
Pesquisa de A. Mendes
Em boa hora A. Mendes tem trazido para os leitores deste já indispensável Blogue, excertos dos Contos Singelos de Guilherme da Cunha Dantas. Assim feito, faz reviver uma figura de relevo na criação ficcionista cabo-verdiana. Os contos de G. Dantas, cujas histórias passadas na ilha mimosa que é ou foi a Brava, são também crónicas de um tempo, de um modo de estar da gente da ilha pequenina; a paisagem aprazível; a delicadeza dos seus moradores; os sentimentos brotados na hora da partida; o papel do porto de Furna; a história de barcos (aqui o "Carolina") que entrosaram na vida da população bravense. Enfim, tem sido bom revisitar estes Contos Singelos, de leitura agradável.
ResponderEliminarAbraços
Ondina