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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

[8879] - CONTOS SINGELOS - {4}


CONTOS SINGELOS
Por
GUILHERME DA CUNHA DANTAS
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NHÔ JOSÉ PEDRO
CENAS DA ILHA BRAVA

Primeira parte
Mocidade de José Pedro
                                                                           
Desvaneios que podem servir de prólogo
-- Avias-te daí!?! Disse António Pedro, o qual tinha recaído nas suas tristes meditações.
A voz severa de seu chefe fez despertar de todo o rapazinho. Tirou a colher de fora da água, tornou a encher, e vazou o conteúdo no copo, que em seguida apresentou ao brasileiro.
-- Está bom! Disse este, podes-te ir deitar.
O juvenil “pajem” não esperou segunda ordem e dando as boas noites ao capitão, fechou sobre si a porta do camarim.
CATÁSTROFE – Na seguinte manhã, espantoso tumulto reinava a bordo do “Carolina”. Os rostos dos marinheiros, onde na véspera se viam estampadas a satisfação e alegria, exprimiam agora o terror e desesperação de uma grande dor.
 Os bravos filhos do mar, que mil vezes encararam a morte destemidos, choravam como crianças, corriam dum lado par o outro do navio, sem tino, como loucos. E por vezes, entre pungentes soluços, soavam lugubremente estas tristes palavras: - “morreu o Capitão”!
Às 10 horas desta mesma manhã, admirado o contramestre de não ter visto ainda António Pedro aparecer sobre o tolda, como mui cedo costumava, entrara na camara contigua à do brasileiro, a fim de interrogar Rodolfo, e saber se o capitão se achava incomodado.
Rodolfo era filho do contramestre. Disse a seu pai, que não havendo sido chamado ainda, não se atrevera a entrar no camarim do capitão.
Então o contramestre foi bater devagarinho à porta do camarim. Não obteve resposta. Bateu mais de rijo; o mesmo silêncio.
-- Dá licença, capitão perguntou ele.
Nenhuma resposta.
Como a porta apenas estivesse no fecho, o pai do Rodolfo, já algum tanto desassossegado, abriu-a com precaução, e entrou. Dirigiu-se para o leito onde jazia imóvel o seu chefe, sem que os seus passos nem a sua voz o acordassem.
O brasileiro tinha os olhos meio cerrados, dir-se-ia que dormitava tranquilamente. Mas o seu rosto estava pálido como o de um cadáver, e de um cadáver era a imobilidade de todo o seu ser. Uma das pendia-lhe par fora do beliche. O contramestre pegou-lhe nela. Recuou aterrado. Aquela mão estava fria e inerte. Tateando-lhe o pulso que já não batia., escutando-lhe a respiração extinta, o pobre homem louco de dor, acabou de se convencer da terrível realidade. – José Pedro era órfão de pai! 
RODOLFO – O que esta triste e fatal nova produziu de penosa impressão no espirito da marinhagem, vimo-lo no princípio do capítulo precedente. 
Imediatamente, todos invadiram o fúnebre camarim; e os que de lá saíram vinham lavados em prantos, estorcendo as mãos, e dando gemidos de dor.
Tal era o desvelo e carinho com que o honrado brasileiro tratava os seus subordinados, que não se poupava a despesas para lhes proporcionar todos os meios indispensáveis à vida, e mesmo todas as comodidades. Assim, havia a bordo um cirurgião.
Conhecendo que já eram inúteis os socorros da ciência àquele que fora seu superior e amigo, tratou de indagar a causa de tão fatal morte.
Nenhum sinal ou indício exterior lho dava a conhecer. Também não fora nem suicídio, nem envenenamento. António Pedro, era cristão exemplar, e amado por todos.
-- O capitão queixava-se ontem de algum padecimento? Perguntou o médico ao contramestre.
-- Não senhor, respondeu este.
-- Quem esteve com ele até ao último momento?
-- Foi meu filho Rodolfo.
-- Chame-o.
Daí a poucos momentos entrava o pequeno pajem no camarim par onde se haviam retirado o contramestre e o cirurgião.
Seu belo rosto vinha pálido e sulcado de lágrimas. A pobre criança tinha pelo brasileiro a afeição de um filho. Ele, da sua parte, quase não fazia diferença entre José Pedro e Rodolfo.
O cirurgião dirigiu-lhe a mesma pergunta que fizera ao pai. A mesma resposta obteve.
-- Conta-nos o que passaste com ele a última hora, continuou ele.
-- Esperei até às 10 horas que o capitão me chamasse, como costumava, para lhe dar as dormideiras…
Ah!! Interrompeu o cirurgião estremecendo.
Lembrava-se de que, sendo o brasileiro frequentemente atacado de grande insónia, ele mesmo lhe aconselhara tomasse nestas ocasiões uma pequena porção de certa espécie de ópio muito subtil, misturada com água.
-- E tu, continuou o médico para Rodolfo, que porção de dormideiras lhe deste?
-- Creio que foi uma colherzinha… responde Rodolfo, assustado pela súbita mudança que se operara no semblante do cirurgião.
-- Mais nada?
Voz de Cabo Verde 1913                                                                  Continua...
Pesquisa - A. Mendes


1 comentário:

  1. O que se seguirá à morte do capitão a bordo? Será certamente sepultado no mar.

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