Humberto Cardoso |
O acordo virtual
Em vésperas de eleições Ulisses Correia e Silva confirma o acordo mas não o assina com o Grupo de Reflexão sobre a Regionalização, onde pontifica Onésimo Silveira. O presidente do MpD diz na sua intervenção que “não se trata de expediente eleitoralista”. O mesmo não diriam diversas personalidades conotadas com esse grupo. Em várias eleições passadas, legislativas, presidenciais (2001) e autárquicas em S. Vicente, o Movimento para Levantar S. Vicente ou a Associação que depois virou partido político (PTS), negociaram com o PAICV com ganhos mútuos, designadamente desistência de candidaturas, lugares de deputados, etc. Parece que agora chegou a vez de negociar como MpD. E o que todos apresentam é “uma mão cheia de nada”
Promessas vazias
Ulisses promete levar ao parlamento uma proposta de lei de criação de regiões administrativas e começar a experiência de regionalização com S. Vicente. Um primeiro problema em cumprir, como aliás ele reconhece, é o facto da lei sobre regiões exigir dois terços dos deputados, um número de votos que nenhum partido tem a pretensão de obter sozinho. Um segundo problema é conseguir acordo dos outros partidos quando a intenção é começar a regionalização por uma ilha específica. Experiências de outros países aconselham a criação simultânea de regiões para evitar desajustes a vários níveis no todo nacional e oportunismos nas iniciativas. A conveniência política de um pode não ser a mesma dos outros, particularmente quando se propõe separar S. Vicente e S. Antão, duas ilhas com circulação, entre si, de centenas de milhares de pessoas por ano e que desde sempre tiveram um nível de integração económica e social sem paralelo no país. Quanto às promessas implícitas do GRRCV, não é líquido que consiga mobilizar as frustrações e o sentimento de abandono de S. Vicente para ajudar o MpD a ser governo. Não funcionou nas últimas três eleições legislativas. Ninguém estranhe porém se com o protagonismo político agora reconhecido pelo MpD, alguém reapareça nas autárquicas deste ano. Mesmo que seja só para negociar.
Regionalização
Para muitos agitar a bandeira da regionalização tem sido uma forma de evitar criticar as políticas do governo do PAICV. Atira-se a culpa indistintamente para os “políticos” e o resultado é que não se penaliza suficientemente o partido do governo nas legislativas. Põe-se ênfase na parte redistributiva do bolo nacional, em que supostamente uns ficam com mais do que outros, quando na realidade o problema está com a gestão asfixiante da economia nacional, que não favorece a iniciativa individual, não melhora a competitividade e o ambiente de negócios e não explora devidamente as oportunidades de aumentar a procura externa de bens e serviços cabo-verdianos. Causa alguma perplexidade que precisamente em S. Vicente se tenha feito da regionalização a panaceia para todos os males. Toda a gente sabe que só há prosperidade na ilha quando o dinheiro circula, porque há mais consumo de emigrantes, turistas e visitantes, mais gente empregada por causa de investimento externo, mais movimento no porto e mais empresas a florescerem, porque directa ou indirectamente estão a fazer negócios com o mundo. O centralismo que afecta negativamente as ilhas é alimentado pelo modelo económico de gestão de fluxos da ajuda externa, que o governo do PAICV já levou ao limite, deixando o país a arrastar-se a taxas de crescimento de 1% do PIB. Não se devia confundir causa e efeito e o prioritário deveria ser a mudança de políticas nacionais. Mas, mais forte é a tentação de recorrer à vitimização para fazer política, aproveitando o ambiente de insegurança e de frustrações acumuladas. Seguindo esse caminho, os políticos locais, por algum tempo, até podem ser bem-sucedidos, mas a situação das pessoas não muda, a frustração aumenta e o conformismo crescente, paradoxalmente, acaba por ajudar quem está no poder a manter-se lá.
Mis-en-scène
É interessante ver como José Maria Neves aproveitou as declarações inócuas do embaixador da União Europeia a propósito do processo eleitoral para repetir as mensagens de sempre do PAICV na sua relação com o país e com os caboverdianos. Em tempo já de confronto eleitoral quer relembrar quem é patriota. Para isso nada melhor do que supostamente “apanhar” o presidente do MpD no acto de colaboracionismo com “funcionários estrangeiros” a pôr em causa o bom nome de Cabo Verde e idoneidade das suas instituições . Amílcar Cabral nos seus textos fazia uma distinção entre povo e população. Povo é todo aquele que está com o partido. População é o resto onde se encontram os traidores, colaboracionistas, informadores, etc. O PAICV nunca se libertou dessa definição de povo e população. Tem-na reproduzido sistematicamente ao longo da sua história com seus melhores filhos do povo e os outros, os amantes da terra e os vendedores da terra, os que têm interesses e os que só vêm o interesse de todos, os patriotas e os antipatriotas. O “incidente” com o embaixador foi mais uma oportunidade para se passar esse filme já conhecido. Compreende-se assim porque muitos dos seus militantes não conseguem ser “simples caboverdianos”, em pé de igualdade a contribuir, na diversidade dos seus interesses e na pluralidade da suas opiniões, para o bem da nação e a prosperidade de todos.
Repetição de luta armada
Já é pela segunda vez que o governo faz reparos ao embaixador da União Europeia . Da outra vez foi sobre o ambiente de negócios em Cabo Verde. Também nessa ocasião estaria a “imiscuir-se” nos assuntos internos constatando nas dificuldades encontradas pelos empresários as deficiências, ineficiências e custos já identificados pelo Banco Mundial e outras instituições internacionais. Talvez porque o embaixador é português propicia oportunidade para se fazer um teatro de colocar os “colonialistas no seu devido lugar”. Em 2006 a oportunidade foi encontrada com a EDP e a ELECTRA. O PM convidou a empresa portuguesa a ir-se embora sem muito cerimónia e sem muita ponderação. O país pagou caro em produtividade, despesas extraordinárias e horas perdidas de trabalho com esse acto de “libertador tardio”. E ainda continua a pagar nos preços dos mais elevados do mundo em electricidade que lhe é cobrado. Brincar aos libertadores reforça a narrativa de serem patriotas, mais caboverdianos do que os outros e de serem os supremos defensores dos interesses de Cabo Verde. O país que suporte a crispação que necessariamente isso gera.
P.S.. O aviso do PM para os “funcionários estrangeiros não se imiscuírem nos assuntos internos” aparentemente não se aplica quando se trata, por exemplo, do embaixador americano. Todo o país sabe do escândalo do Fundo do Ambiente e da controvérsia à volta do financiamento da Associação dos Amigos do Brasil. A organização recente da ida do embaixador americano, acompanhado do deputado Euclides de Pina, dirigente da associação, para fazer a entrega de arcas frigoríficas não terá sido uma tentativa branqueamento de imagem? E os outros casos, em que representantes de organizações estrangeiras aparecem na televisão a fazer doações a projectos que levantam suspeitas dentro do próprio PAICV de que são ou foram usados com objectivos eleitoralistas? Também se qualificam como imiscuir? E a visita surpresa do Primeiro Ministro António Costa, que há um ano esteve na posse de Janira Hopffer Almada?
terça, 12 janeiro 2016 06:27
in Expresso das Ilhas
É evidente que a regionalização não é nem será a panaceia para todos os males. Se há quem pense isso, do que duvido, acho errado, mas mais perplexidade devia causar o não reconhecer-se que antes da regionalização importará empreender uma profunda reforma do Estado que exigirá efectivamente um apoio parlamentar de 2/3 da Assembleia Nacional. A regionalização deverá ser consequência de uma reestruturação, nunca algo a instituir-se só por si, desligado do resto. Julgo que isto é de entendimento liminar. Quanto ao centralismo político não entendo que se diga que ele é alimentado pelo modelo económico. A afirmação é algo descuidada. O que é verdade é que o centralismo nasceu de uma estratégia política que viria, sim, a condicionar o modelo económico.
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