CONTOS SINGELOS
Por
GUILHERME DA CUNHA DANTAS
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Eu
estava com muito sono… parece-me que… antes de encher a colherzinha… deitei
mais dormideira no copo.
O
médico saltou um grito espantoso.
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Desgraçado! Exclamou o médico, mataste-lo!
Eu?! Mateio-o… O capitão tão meu amigo!...
E
a pobre criança caiu semi-morta nos braços do pai.
O infeliz marinheiro sentia a alma trespassada da mais
pungente angustia, por ver que fora o filho a causa, ainda que inocente, de tão
desastroso acontecimento – Pois provado estava que o haver Rodolfo subministrado
opio em demasia ao brasileiro, fora a causa do seu sono se prolongar
eternamente.
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NA ILHA BRAVA
Quatro dias depois do infausto acontecimento que
acabamos de narrar. A “Carolina” reentrara no pequeno porto da Furna.
O seu vogar parecia mais vagaroso e triste. No topo do
mastro da popa tremulava funebremente uma bandeira preta. Nas vergas não se via
um só marinheiro saudando alegre a terra natal, e os amigos que de braços
abertos os esperavam.
Depois do navio lançar ferro e haver sido visitado pelo
escaler da alfandega, fez-se participar o óbito de António Pedro às autoridades
competentes, para que do caso fossem tomar nota e lavrar o respectivo auto, e
igualmente se mandou aviso à família do finado.
António Pedro, ao partir da terra onde deixara as suas
mais caras afeições, quis também deixar nela um peito amigo a quem pudesse
confiar e que protegesse e consolasse estes entes queridos durante a sua
ausência.
Esse amigo era João Gay.
Como o dia em que brasileiro recebera a funesta carta
do seu tio, a sua família se achava reunida; porém à cabeceira da mesa via-se
vago um lugar. Era o dele.
E Júlia, triste e abatida, conversava com João Gay
sobre a viagem de seu marido, deixando entrever mil receios e presságios
funestos, que João Gay não conseguia dissipar.
De repente, entrou na sala um homem trajando de preto,
o qual logo à primeira vista se conhecia ser marinheiro.~
Júlia e Gay levantaram-se ao mesmo tempo, como se
fossem movidos por uma mola. Acabando de reconhecer naquele homem que trajava
de luto um marinheiro da “ Carolina”.
Que há de novo, Pancrácio – perguntou João Gay, com
voz trémula.
Ao cumprimentar a infeliz esposa do seu defunto
capitão, duas grossas lágrimas se escaparam dos olhos do marinheiro rolando-lhe
pelas faces tostadas.
Meu marido!... meu marido… bradou a pobre senhora.
Morreu!... soluçou Pancrácio.
Como se de um raio tivesse fulminado D. Júlia caiu
redondamente no pavimento, dando um grito sufocado. Transportaram-na inanimada
para cima dum leito. Os mais assíduos cuidados conseguiram reanimá-la. Porém a
infeliz só teve tempo para depor na fronte do filho um ósculo ardente. Longo e
apaixonado, um ósculo de mãe, o derradeiro. E nos seus braços, sentindo o rosto
orvalhado das suas lágrimas, deu a alma ao Criador!
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Pobre José Pedro! Tão moço, e já tão infeliz! Este
órfão, só no mundo!... Quem te guiará no mar proceloso da vida? Quem livrará
tua frágil mocidade de encalhar nos escolhos terríveis e imensos das paixões?
Quem? …. Ainda te resta um amigo, um segundo pai – João
Gay a quem tua mãe te confiou na sua hora derradeira.
Quanto ao infeliz Rodolfo, que poderia a justiça fazer
contra uma pobre criança, que não teve consciência do mal que fez.
Porém seu pai, oprimido de dor por haver, embora
indiretamente, levado a desgraça ao seio de uma família quem devia tantos e
repetidos benefícios, entendeu que se devia impor, e a seu filho, a pena
dolorosa de não tornar a aparecer na ilha, enquanto nela durasse a memória de
tão infausto sucesso.
Alistou-se com seu filho num navio mercante inglês que
se achava no porto, e pouco dias depois afastaram-se. Talvez para sempre, da
terra natal.
O tio de António Pedro morreu sem ter a consolação de
o abraçar, instituindo-o seu universal herdeiro.
Triplico luto para o desditoso adolescente!
SEGUNDA
PARTE
Júlia
Vinte anos depois
Vinte
são decorridos depois dos acontecimentos da primeira parte desta VERIDICA
história
Voz
de Cabo verde- 1912
Pesquisa de A. Mendes
Continua...
N.E. - Gostaríamos de notar que estes contos são da autoria de um dos mais antigos escritores de Cabo Verde... Por motivos evidentes, não foram feitas quaisquer actualizações da linguagem utilizada pelo autor.
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É exactamente por ser uma obra antiga e pouco conhecida, que venho lendo estes episódios. Aguardemos pela continuação, esperando que a morte do capitão tenha sido o episódio mais infausto.
ResponderEliminarComo o seu nome indica: contos singelos. Graças ao Arrozcatum e ao Praia de Bote, nem só de política vivemos mas também de ficção.
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