Páginas

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

[8957] - UMA ESPERANÇA DE UNIÃO...

 DO FAMIGERADO “ESTADO ISLÂMICO” DO EXTREMISMO

Volto ao assunto do extremismo islâmico, por ser de actualidade, com algumas achegas, de modo a facilitar a compreensão da tragédia. Apoio-me, sobretudo, em dois livros, “O Crescente e a Cruz”, de Jaime Nogueira Pinto, e “O Novo Estado Islâmico”, de Patrick Cockburn, do jornal Indepent, considerado o melhor jornalista em serviço no Iraque, e no artigo Penser le jihadisme, de Fouad Laroui, na revista La Revue. Interessa-me apontar os responsáveis pela criação e entretenimento dos movimentos jihadistas e do Estado Islâmico (EI) ou Daech e a desmistificação da maioria das ideias vendidas no Ocidente pelos media atribuindo as culpas a Assad, Kadafi e ao Irão. Não pretendo apontar a solução para o problema mas tão-somente assinalar a via que poderá levar os contendores a entenderem-se, a deixarem de se guerrear e a unir esforços contra o EI, o que redundaria em benefício deles e da humanidade em geral.
A animosidade árabe e muçulmana contra o Ocidente, sobretudo contra os EUA, vem de longe, mas exacerbou-se a partir de 1948 com a criação do Estado de Israel na Palestina. O território, ocupado pelos palestinos, deveria ser repartido por Israel, e a Palestina – dois Estados - ao que se opuseram os palestinos por o considerarem terra deles. Daí nasceu a Organização da Libertação da Palestina (OLP) dirigida por Arafat, que acreditava ser capaz de “atirar os judeus ao mar”. Longa luta com violência de parte a parte, ocupação de mais território por parte de Israel, que foi vencendo as guerras, havendo tentativas diversas, sem sucesso, no sentido de um entendimento, que só teve possibilidade de solução depois de a OLP ter reconhecido o direito de existência de Israel como Estado, ao lado deles, noutro Estado, o da Palestina. Esta solução esteve em vias de se realizar, com o apoio dos EUA, no tempo do Primeiro-Ministro I. Rabin, mas gorou-se com o assassinado deste por um extremista judeu, visto os seus sucessores, ultraconservadores, terem feito marcha atrás.
A aceitação, em 1949, de Israel como membro da ONU, foi condicionada à criação do Estado da Palestina e o regresso dos palestinos que foram forçados a abandonar as suas casas durante a guerra de 1948, o que nunca se concretizou, dado que os EUA apoiaram sempre Israel com o seu veto no Conselho de Segurança todas as vezes em que as deliberações da ONU lhes eram desfavoráveis, além de apoio maciço em dinheiro e material bélico. Tudo isso funcionou como espinha irritativa para os árabes e muçulmanos contra os EUA e o Ocidente. Obviamente, que enquanto Israel contar com o apoio incondicional dos EUA contra as deliberações da ONU – o que se poderia justificar durante o tempo em que a OLP não reconhecia a existência de Israel como Estado, mas não depois - a questão palestiniana permanecerá, bem como a animosidade dos árabes e muçulmanos contra o Ocidente e os EUA. A criação do Estado da Palestina, advogada por todo o mundo menos os EUA e um ou outro Estado que toma bençon nos EUA, criaria um ambiente de paz e até de colaboração entre Israel, o Estado da Palestina e outros Estados vizinhos com benefícios mútuos, com abandono da política suicidária da direita israelita.
A atracção exercida sobre alguns jovens do Ocidente pela jihad é consequência das suas precárias condições de vida em bairros degradados das grandes cidades, sem perspectivas futuras e sem emprego, o que os leva, primeiro, à radicalização, e depois, à conversão. São rebeldes, portanto facilmente influenciáveis, à procura de uma causa radical, não importa qual, e de um ou outro psicopata para as degolações.
A Síria foi sempre governada por ditador; ao pai sucedeu o filho Assad, mas a sua população vivia relativamente bem, num Estado laico de minoria alauita, havendo igualdade de direitos entre homens e mulheres. Condenando-se o regime sírio por ser uma ditadura, com maiores razões se condena a Arábia Saudita, uma teocracia governada por uma família (Saoud, que deu o nome ao país), sem constituição, a qual é substituída pela Sharia, pelos aspectos mais primitivos e desumanos do Alcorão (em comparação poderíamos dizer que funciona como se um Estado cristão se governasse pelo Levítico a substituir constituições), do mesmo modo que se condenaria o Bahrein, os EAU e outros emiratos do Golfo Pérsico. Na Síria, as várias religiões e seitas viviam em paz, o que não acontece na Arábia Saudita e outras dinastias e Estados islâmicos, onde as mulheres são autênticas escravas dos homens; na Líbia, um dos primeiros actos dos “libertadores e lutadores pela democracia”, após a queda de Kadafi provocada pela intervenção do Ocidente, foi a exigência da legalização da poligamia, banida durante a ditadura de Kadafi. Tal como sucede com o Boko Haram, na Nigéria, os militantes islâmicos que lutam no Iraque e na Síria, não veem nenhum impedimento religioso na escravização de mulheres como despojos de guerra.
Com a chamada Primavera Árabe, iniciada na Tunísia com o derrube do seu ditador, pensou-se ser fácil derrubar também Assad na Síria, até por haver um grande mal-estar no país após reacção violenta do regime contra os contestatários em consequência de quatro anos de seca que levaram grande parte da população rural a fugir da miséria para a periferia das cidades. Daí nasceu a ideia de apoiar os revoltosos contra o regime de Assad com apoio maciço do Ocidente, da Arábia Saudita, Turquia e outros países muçulmanos, à semelhança do que se passou na Líbia, com o fim de levar a democracia ao povo sírio. Com esse apoio, essencialmente de países sunitas e de seitas do sunismo, criou-se um ambiente de guerra civil, desestabilizando-se o país, mas sem conseguir derrubar o regime de Assad que passou a ter o apoio da Rússia, Irão e Hezbollah.
O nascimento do EI foi a mudança mais radical na geografia do Médio Oriente desde a implementação dos Acordos Sykes-Picot que redesenharam as fronteiras do Médio Oriente, e as promessas feitas aos árabes pelos ingleses durante a Primeira Guerra Mundial foram traídas. Enquanto o EI se torna a força principal de oposição na Síria, o Ocidente e os seus aliados regionais convenceram-se de que a segunda força militar mais poderosa na Síria era o EI e, se derrubassem Assad, essa força ocuparia o vazio. A partir daí, quando os ataques aéreos começaram contra o EI, os americanos informavam o regime de Assad e não os chamados rebeldes “moderados”, por já não confiarem nestes, ao terem constatado que os membros do EI ficavam contentes quando eram enviadas armas sofisticadas aos rebeldes que combatem Assad, porque poderiam sempre obter esse equipamento através de ameaças de violência, de pagamento em dinheiro ou livremente quando os “moderados” ingressavam no EI. Este só controla uma capital das catorze da Síria sob o controlo do regime de Bashar Assad.
O EI é liderado desde 2010 por al-Baghdadi, mais violento do que qualquer dos líderes terroristas de outras facções de al-Qaeda sediadas no Paquistão. As suas victórias militares devem-se também à participação de militares do exército de Saddam, exército desmantelado estupidamente por ordem de Bush e que passou a dar o seu contributo à luta contra os EUA ao lado do EI. As suas victórias fulgurantes em Trikit, Mossoul e noutras cidades deveram-se igualmente ao facto das populações dessas cidades terem colaborado por julgarem tratar-se de um movimento de libertação. Interessante é esse energúmeno, que se auto intitula de califa, ter tido uma educação esmerada com um diploma em Estudos Islâmicos, incluindo poesia, história e genealogia da Universidade de Bagdade. Este figurante faz-nos recordar os líderes dos Khmers Vermelhos, no Camboja, esses facínoras que, para aterrorizarem os adversários, mataram ou mandaram matar milhões dos seus conterrâneos, tendo, muitos deles tido uma formação superior no país (França) da liberdade, igualdade e fraternidade. Como entender a desumanidade e a tragédia na zona do Globo (Oriente Fértil) onde nasceu a civilização Ocidental, há cerca de dez mil anos antes da Era Cristã?!!
A ascensão rápida do EI foi grandemente auxiliada pelo levantamento dos sunitas na Síria em 2011, que encorajou os seis milhões de sunitas do Iraque a revoltarem-se contra a marginalização política e económica a que foram sujeitos desde a queda de Saddam e o estabelecimento do regime liderado pelo Primeiro-ministro al-Maliki, regime dominado pela corrupção.
O Wahhabismo (que deveria chamar-se abismo de contradições) é uma religião fundamentalista do Islão do século XVIII, e impõe a Sharia. Relega as mulheres para a condição de cidadãos de segunda classe e considera os sunitas (donde deriva) e os xiitas como não muçulmanos, e persegue os judeus e cristãos. A ideologia do EI é grandemente inspirada no wahhabismo, mas actualmente a monarquia saudita está receosa do Ei, dado que, embora professando a mesma fé, o seu líder defende o derrube dessa monarquia. É de se dizer que a Arábia Saudita está com medo do monstro Frankenstein que criou, embora seja tarde para esse rebate de consciência. O Príncipe bin Sultan, antigo embaixador da Arábia Saudita nos EUA e director dos Serviços Secretos saudita de 2012 a 2014, fez tudo o que podia para apoiar a oposição jihadista até ao seu afastamento. John Kerry também criticou, embora em privado, o Príncipe bin Sultan acusando-o de ter orquestrado toda a campanha de deposição do governo de Assad. O mesmo se passou com a Turquia, ao manter aberta a sua fonteira de 900 km com a Síria para os combatentes do EI, facilitando o seu abastecimento e escoamento do petróleo roubado na Síria e Iraque.
Vejamos algumas declarações de governantes americanos relativamente a esse imbróglio da crise síria e criação do EI.
Em 2009, numa mensagem revelada pelo Wiki Leaks, a secretária de Estado, HIllary Clinton, queixava-se de que o principal financiamento dos grupos terroristas sunitas em todo o mundo provinha daa redes da Arábia Saudita.
O vice-presidente americano, Joe Biden, disse no Forum John Kennedy Jr. que a Arábia Saudita, a Turquia e os Emiratos Árabes Unidos estavam muito determinados em derrubar Assad, e, basicamente, em participar indirectamente numa guerra entre sunitas e xiitas. Canalizam milhões de dólares e toneladas de material bélico para quem estivesse disposto a lutar contra Assad. Ainda acrescentou que, na Síria, os EUA tinham descoberto “não haver combatentes moderados porque os moderados eram comerciantes e não soldados”.
Um estudo do Parlamento Europeu, datado de 2013, intitulado “O movimento do Salafismo/wahhabismo no apoio e fornecimento de armas a grupos rebeldes em todo o mundo”, dizia: “A Arábia Saudita tem sido uma das principais fontes de financiamento das organizações rebeldes e terroristas desde a década de oitenta”. As autoridades americanas sabiam disso, mas nunca tomaram nenhuma medida contra a Arábia Saudita.
Outro progenitor de al-Qaeda, dos talibãs e movimentos jihiadistas foi o Paquistão, por intermédio dos seus serviços secretos militares e de informação. “A guerra contra o terrorismo” falhou, depois de se ter gastado biliões de dólares por ter errado o alvo, a Arábia Saudita, o Paquistão, os emiratos árabes. E isso aconteceu e continua a acontecer por os EUA não quererem ofender dois países que são aliados importantes, muito próximos do Pentágono, grandes compradores de armas e bases militares americanas. Além disso, a Arábia Saudita e seus satélites, acordaram com os EUA só aceitar dólares na venda do seu petróleo, que os outros produtores de petróleo respeitam.
Da entrevista recente na RTP dos ex-primeiros-ministros Guterres e Durão Barroso podemos reter, no que interessa para este artigo, que a melhor via de solução para a questão síria é uma trégua entre o governo sírio de Assad e os chamados “rebeldes moderados”, o que permitiria aos dois lados aplicarem os seus recursos no combate ao EI e reduziriam os ódios e receios comunitários que lhe dão origem. Em boa verdade, a chamada “coligação de esforços” incluindo países como a Arábia Saudita e outros Estados que professam a mesma religião (sunitas e suas seitas) não deseja fazer qualquer esforço para enfrentar o EI, enquanto os excluídos, como o exército sírio, o Irão (xiita), os curdos do PKK (organização considerada terrorista pela Arábia Saudita e EUA) e o Hezbollah (também considerado terrorista pelo Ocidente) são as foças no terreno dispostas a lutar contra o EI e os falsos moderados, com apoio da Rússia.

Parede, Fevereiro de 2016                                                          ArsénioFermino de Pina
 Pediatra e sócio honorário da Adeca

2 comentários:

  1. O Arsénio (médico que também sabe outras coisas) aparece hoje com este texto eminentemente político, entrando numa guerra fratricida entre ditadores, sob o fundo de religião.

    Em vez de comentar, transcrevo extractos de uma conferência/debate onde a jornalista Rineb el Rhazaoui diz "...não tenho medo de dizer que não tenho nenhum respeito pela minha religião de nascimento onde, como mulher, sou menos que nada. Na herança só tenho direito a metade, não posso testemunhar em caso de assassinato e se disser que sou ateia devo ter degolada."[...]"Não existe nenhum texto corânico que proíbe representar o profeta; nunca encontrei" [...] "Nada nos proíbe o acesso à cultura universal".

    Quantas mulheres cabo-verdianas quererão mudar para essa religião?

    ResponderEliminar
  2. Este problema do Médio Oriente reveste dois aspectos fundamentais que o Arsénio de Pina aqui analisa: a irracionalidade do Estado Islâmico e a hipocrisia da Arábia Saudita. No mais, concordo com o que conclui: uma negociação de tréguas entre o governo do Assad e os opositores "normais", para convergirem na eliminação do Estado Islâmico.

    ResponderEliminar