Rua Direita - Nova Sintra - Brava - Cabo Verde CONTOS SINGELOS de Guilherme da Cunha Dantas JULIA (Segunda parte) Vinte anos depois |
E o aldeão volta-se para esconder as lágrimas que lhe correm em fio pelo rosto.
Esta súbita explosão de dor passou despercebida aos olhos do moço piloto, ocupado em pousar cuidadosamente sobre um leito que o camponês lhe indicara, o corpo daquele a quem acabara de salvar a vida.
Imediatamente, parte para Santana a chamar o “ facultativo”, enquanto o ferido fica entregue aos cuidados do seu salvador.
Pela madrugada, graças aos cuidados do “facultativo” que prestes acudira, e daqueles a quem poderemos chamar seus amigos, José Pedro foi quasi completamente abandonado da febre que ao princípio o acometera, resultado dum ferimento algum tanto grave na cabeça. Reabrindo os olhos, voltou-os ao princípio incertos sobre as pessoas e os objectos que o rodeavam.
-- Onde estou eu? Perguntou ele enfim com voz fraca.
-- Entre amigos, responderam-lhe os seus três enfermeiros.
-- Ah! … Fui atacado inopinadamente, caí do cavalo, desmaiei … depois … parece-me ter ouvido um tiro, e em seguida muitos passos de pessoas que fugiam … senti-me transportado… A quem devo eu a vida?
-- A este senhor, respondeu o médico apresentando-lhe o jovem marinheiro, o qual chorava de alegria vendo salvo aquele por quem momentos antes arriscara a própria vida.
-- Quem sois, meu amigo! Perguntou o pai de Júlia, estendendo afectuosamente a mão ao mancebo.
Este caiu aos pés do leito, cobrindo de beijos e de lágrimas a mão que lhe estendiam. Depois, prorrompeu comovido:
-- Não me conhece! Já se não lembra de … Rodolfo?! … Perdão, perdão José Pedro! Deixei-te órfão!...
-- Rodolfo?! … Pois és tu, meu amigo?! …Sim, fui bem desgraçado, mas tu não tiveste a culpa; eras tão novo ainda… Por tal um fatal acaso, pela tua pouca idade, pela influência da natureza, ocasionaste a morte do pai. Hoje, a tua coragem e dedicação acabam de salvar o filho. Lá do céu, onde nos contempla, meu pai por certo te louva e abençoa. Abençoado sejas, Rodolfo, meu amigo, meu filho!
E aqueles dois excelentes corações uniram-se em estreito abraço.
OS DOIS PRIMOS – José Pedro coma expansão sincera de uma alma boa e reconhecida, agradeceu aos outros dois homens que também haviam contribuído para a sua salvação.
-- António Silvestre, disse ele depois a seu hóspede, que assim se chamava; e a minha família já sabe do sucedido!
-- Descanse, meu senhor! Respondeu-lhe o bom do aldeão na sua rude linguagem, armei-lhe lá uma historieta, dizendo-lhes que não José Pedro, por urgências de serviço se tinha visto obrigado a pernoitar em Fagã d´Água, e me tinham enviado a participar-lho.
Todavia, ao romper da manhã, partia António Silvestre a dar parte a D. Elvira do verdadeiro estado de seu esposo, que era o menos assustador possível.
Duas horas depois, duas senhoras se apeavam dos seus burrinhos à porta da rústica habitação de António Silvestre, o qual as acompanhava com alguns escravos de José Pedro.
Eram D. Elvira e sua encantadora filha, que debulhadas em lágrimas foram cair de joelhos aos pés do leito em que jazia ferido seu esposo e pai, as recebeu nos braços.
Serenados os primeiros transportes de dor e alegria, José Pedro apresentou às duas senhoras o seu salvador.
Júlia, ao dar a casta fronte a beijar àquele que seu pai chamou sobrinho e filho, corou até às alvas dos olhos. Da sua parte, o gentil mancebo não ficou menos perturbado ao tocar com os lábios trémulos na face acetinada da bela priminha.
Devo dizer aqui ao leitor que a mãe de Rodolfo era irmã da avó de Júlia, a defunta D. Júlia de Lima.
Rodolfo informou-se então de sua mãe, e soube com inteiro júbilo que era viva, e não se quis demorar em ir abraçar. A pobre velhinha pouco faltou para morrer de alegria ao ver o filho. Não estava só no mundo! Era viúva, mas tinha um filho, que lhe viera trazer a consolação e o alívio da sua cansada velhice.
Quatro dia depois, achando-se José Pedro já quase completamente restabelecido, quis regressar à sua casa em Santana, no que o “facultativo” assentiu.
Partiu pois em uma comoda cadeirinha levada por dois possantes escravos, seguido de sua esposa e filha que iam montadas nos seus burrinhos. Fechavam a marcha Rodolfo e António Silvestre, que iam conversando.
Mas Rodolfo parecia estar muito distraído. Não tirava os olhos da esbelta figura de sua prima, alegando para isso que o pacífico orelhudo em que ela ia tropeçava frequentemente. Da sua parte, a gentil donzelinha parecia ser da opinião de seu primo, por que voltava frequentemente a cabeça do lado em que ele ia, e nestas ocasiões seus olhos se encontravam, vivo rubor lhes coloria as faces … Já se amavam!
Voz de Cabo Verde – 1912 continua
Pesquisa de A. Mendes
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