O primeiro-ministro decorrente destas eleições tem pela frente uma gestão complexa de interesses contraditórios que determinaram a sua vitória eleitoral e que exigem argúcia, capacidade de negociação e, acima de tudo, que ao fim de muitos anos o governo de Cabo Verde diga, olhos nos olhos, a verdade ao país...
A investidura dos deputados eleitos em 20 de março, a eleição do novo presidente da Assembleia Nacional e a tomada de posse do governo de Ulisses Correia e Silva, que acontece hoje, marcam a inauguração de um novo ciclo, que se pretende não seja só de mudança de figurantes, tão pouco de maquilhagem para a emergência de velhas práticas derrotadas nas eleições de 20 de março.
Uma derrota, aliás, decorrente da confluência de vários fatores, de uma alargada heterogeneidade social e política, e não apenas do malogro de um governo e de um partido.
Concitando o apoio de um largo consenso social, político e ideológico, Ulisses Correia e Silva foi depositário da esperança e da vontade de mudança de empresários, trabalhadores, intelectuais, donas de casa, jovens e idosos, envolvendo uma vasta área de apoio interclassista muito heterogénea e, por vezes, com interesses divergentes.
Mas concitou, de igual modo, um espectro político e ideológico que vai da esquerda à direita, confluindo no centro (onde se revê o MpD) setores com trajetos, avaliações e perspetivas muito diversas sobre o futuro de Cabo Verde.
O que permitiu tal congregação “contranatura” que impulsionou a esmagadora derrota do PAICV nas eleições de 20 de março? Naturalmente, a rejeição de um governo desligado da vida real das pessoas, arrogante e autoritário; obviamente, também, a impreparação da líder tambarina e a entrada na corrida de José Maria Neves, os escândalos da TACV, as “nomeações camaradas” e os escândalos dos “fundões” (do Ambiente e do Turismo); e, ainda, a credibilidade, o trabalho e o trajeto político de Ulisses Correia e Silva.
O primeiro-ministro decorrente destas eleições tem, pois, pela frente uma gestão complexa de interesses contraditórios que determinaram a sua vitória eleitoral e que exigem argúcia, capacidade de negociação e, acima de tudo, que ao fim de muitos anos o governo de Cabo Verde diga, olhos nos olhos, a verdade ao país.
Se Ulisses Correia e Silva conseguir neste mandato resolver questões tão pertinentes como emprego para os jovens, rendimento para as famílias e segurança para as pessoas, tem, à partida, garantida a renovação do mandato em 2021. Mas, pelo meio, terá ainda que promover profundas reformas no Estado, implementar a regionalização, promover claras políticas de descentralização da administração, garantir as pendências no que respeita às classe profissionais, resolver o problema dos transportes entre ilhas e o “cancro” que é a TACV, entre outras emergências de um país que esteve tempo demais adiado e frustrando as expetativas dos cidadãos.
Entrementes, o sufoco do partido único e do pensamento único (do qual o PAICV nunca se conseguiu apartar – e latente na sociedade caboverdiana por outros meios) parece ter sido afastado por muito e bom tempo - e esperemos que para sempre. A liberdade e a democracia adquirem, a partir de agora, um novo fulgor e, para além da capacidade de Ulisses em provar que é diferente e faz diferente, compete à chamada “sociedade civil” tomar a dianteira, fazendo da cidadania ativa o centro da política caboverdiana.
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