Quando a opinião pública acredita mais numa página anónima, que não respeita, minimamente, o código deontológico do jornalismo e se dedica a espalhar o pânico, em vez de esclarecer e informar, algo vai muito mal no jornalismo cabo-verdiano...
Cabo Verde está de luto. Um luto profundo, misto de estupefacção e sofrimento. Os acontecimentos de Monte Tchota, pela sua gravidade, abrangência, proximidade e raridade, merecem a reflexão de toda a sociedade. Aos familiares de todos os envolvidos, endereçamos as nossas sentidas condolências neste difícil momento.
Lamentamos, principalmente, toda a especulação que se gerou em torno deste gravíssimo acto. E toda aquela que, infelizmente, ainda se irá gerar. É típico do ser humano, em caso de desgraça, especular sempre o pior. Quando se vislumbra um cenário intrincado de tráfico de droga, de preferência com ramificações internacionais ou quando, melhor ainda, se pode especular sobre um sumarento acto de terrorismo, poucos querem acreditar que os acontecimentos de ontem foram resultado de um simples homem. Como se o inferno pessoal de cada um não fosse importante o suficiente para justificar tal carnificina.
Nos EUA, país que muitos idolatram por aqui, já se tornou demasiado frequente alguém entrar numa escola, numa igreja, num centro comercial e atirar indiscriminadamente sobre quem passa. Nos EUA, país que muitos idolatram por aqui, já se tornou demasiado frequente alguém acordar um dia e chacinar familiares, amigos e animais domésticos porque lhes cancelaram um cartão de crédito, bloquearam um telemóvel ou sorriram-lhes de forma estranha no dia anterior.
O que aconteceu em Monte Tchota merece ser explicado e compreendido, mas temo que nunca se consiga, muito graças à constante desinformação que grassa em Cabo Verde. Muitas pessoas tomam como garantida a (des)informação que é transmitida por alguns meios de comunicação como certa. Porque sejamos claros, muitas páginas do facebook, que imperam agora pelo país, querendo exercer o papel de um meio de informação, não passam de meros meios de comunicação, o que é algo bem distinto do jornalismo. Ou devia ser. Quando a opinião pública acredita mais numa página anónima, que não respeita, minimamente, o código deontológico do jornalismo e se dedica a espalhar o pânico, em vez de esclarecer e informar, algo vai muito mal no jornalismo cabo-verdiano. E pela cobertura dada ao caso no jornal da Noite da TCV, não há dúvidas disso. Dispenso a constante ladainha da falta de meios como justificação e preferia que adoptassem a visível postura com que observam o país: a falta de profissionalismo e criatividade. Em termos jornalísticos os acontecimentos de Monte Tchota equivalem ao euromilhões informativo. Há tanto para explorar, explicar, abordar, que noutro país dava, pelo menos, para um especial de muitas horas, ainda que não houvesse nada para dizer. Mas há sempre especialistas para ouvir, testemunhos para dar, infografias para fazer. Dá tudo algum trabalho, eu sei, mas é assim que o jornalismo funciona. Nem sempre podemos depender das notas de imprensa, há que procurar a informação, inovar, esclarecer. Querem ideias para substituir as miseráveis peças transmitidas ontem à noite? Façam uma peça a explicar o que é, como funciona, para que serve o aquartelamento do Monte Tchota. Até suspeito que conseguem encontrar militares ou ex-militares que conhecem bem o espaço, podem colocá-los a falar, para não dar tanto trabalho. Havia funcionários a trabalhar nas antenas, e que tal explicar também isso, que antenas são, para que servem, etc? Estão a perceber a ideia? Ainda não? Vá, dou mais uma ajudinha...Falou-se em tráfico de droga, terrorismo, doença mental...Também suspeito que encontram pessoas, os ditos analistas, toda a gente comenta tudo, por isso será fácil, mas para a coisa ser mais profissional recomendo alguém ligado às forças policiais para o primeiro cenário, outro às relações internacionais para o segundo e um médico para o terceiro, dizia eu, chamem analistas para falar em cada uma dessas teorias e as suas implicações. E não querendo entrar por aí, mas se tiver que ser, falar com amigos e familiares dos falecidos e do (s) implicado (s). Mas com um bocadinho mais de sensibilidade do que aquilo que foi feito ontem, onde se falou com o pai de uma das vítimas como se estivesse a comentar um resultado desportivo. Não sigam a linha disparatada de desinformar, trazer ainda mais barulho, confusão, especulação, num assunto de extrema gravidade. Colocar alunos do liceu, calculo que a grande parte menores de idade, a explicar porque foram mandados para casa por um director de liceu, que não foi ouvido nem achado, com justificações patetas, não dignifica em nada o jornalismo. Vejam as peças da SIC Notícias, da TVI, até do Correio da Manhã TV. Não deixem que a opinião publica se forme através de posts anónimos e especulações perigosas.
Mais não seja, por respeito às vítimas de tão horrendo acto. Não merecem ser lembradas na boca de um adolescente feliz por ir mais cedo para casa.
(in Cabo Verde Direto)
Marisa de Carvalho | m_a_carvalho@yahoo.com
GOSTO desta jornalista que ousa dizer bem alto o que muitos pensam baixinho. Aplaudo porque diz o que gostaria de dizer e não faço por não ser jornalista (especialista) e os meus comentários são bastante reduzidos pois, discordo com a guerra declarada por anónimos que confundem liberdade de expressão com expressão libertada de todos os entraves nos jornais grátis,
ResponderEliminarTodos sabem da violência verbal que abunda na Comunicação Social virtual onde os insultos substituem os argumentos. Escondem-se por trás dos pseudónimos para, inclusive, vandalizar quem não têm à frente, por ousarem tomar posição diferente, num confronto sujo e de pouca piada porque os mais virulentos são os que não dominam o sujeito e menos sabem escrever os tempos dos verbos que utilizam.
Concordo que cada um diga o que sente mas, pelo amor de Deus, tenham cuidado porque devemo-nos respeitar e não é impossível banir os insultos e o menosprezo.
Devido isso, recomendo a terapia social que é um método transdisciplinar de intervenção e de formação, criada por Charles Rojzman (anos 80 do sec. pass.), cujo objectivo principal é a "psychoterapie du lien social", uma educação à vida democrática e a emergência da inteligência colectiva para resolver os problemas mais complexos da sociedade.