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segunda-feira, 2 de maio de 2016

[9178] - A ENCRUZILHADA DA REGIONALIZAÇÃO...

Pela sua importância, "Cabo Verde Direto" reproduz, a partir de hoje, as intervenções dos oradores da Palestra/Debate “Cabo Verde: A Encruzilhada da Regionalização”, que teve lugar, em Lisboa, no último sábado e contou com intervenções de Adriano Miranda Lima, Arsénio Fermino de Pina, José Fortes Lopes e Luiz Andrade Silva


Esta segunda-feira reproduzimos a primeira parte (de três) da intervenção de José Fortes Lopes (na foto, ao centro), professor da Universidade de Aveiro, na área da Física da Atmosfera e dos Oceanos, e investigador em Oceanografia Física Costeira e Ambiental no CESAM, Centro de Estudos do Ambiente e do Mar.

Considerações Gerais: Realidade Eleitoral e Representatividade
Realidade do Centralismo expressa em números (Parte A)

«Em primeiro lugar gostaria de saudar todos as pessoas presentes nesta sala (assim como os eventuais e potenciais expectadores online), que decidiram sacrificar o seu precioso sábado para vir até aqui à sede da Associação dos Antigos Alunos do Ensino Secundário de Cabo Verde assistir a esta palestra/debate, ouvir-nos e partilhar com todos nós, neste espaço, estes momentos valiosos de reflexão. Queria agradecer à direcção da associação e a todos os seus colaboradores pela excelente programação e organização desta jornada cujo objectivo é debater a Regionalização. Sem elas este evento ficaria muito aquém daquilo que experienciamos hoje. Quero lembrar que hoje juntou-se pela primeira vez, quase todo o actual núcleo duro do Movimento da Regionalização/Diáspora (de que fez parte o saudoso Zizim, que lá no alto deve estar satisfeito com os progressos desta causa). O Valdemar Pereira não pode estar presente por razões que todos sabemos. Desde a constituição deste grupo de reflexão, com quase uma década de existência (embora muitos de nós nos conhecêssemos há muito mais tempo), já aconteceram muitas coisas: tivemos debates internos, trocas de opiniões com amigos, avanços e recuos nas causas em que nos engajamos, sem que nunca nos tivéssemos desviado do propósito essencial, que consiste em contribuir para melhorar, naquilo que for possível, a situação em Cabo Verde.

Nesta comunicação proponho fazer algo de, a priori, muito simples: analisar a realidade passadas e presente de Cabo Verde através de números, analisar a sua evolução em tabelas e gráficos, para tirar algumas conclusões e ensinamentos, embora sempre partindo de um ponto de vista de um observador leigo. Antes de isso queria fazer uma esta Nota Introdutória que julgo importante para o contexto deste trabalho

Como todos sabemos em Março último os cabo-verdianos elegeram os seus deputados para a VI Legislatura, em regime de democracia multipartidária. Na prática, por ocasião das eleições legislativas, cada ilha escolhe um conjunto de pessoas, os denominados deputados, que deverão representá-la (a ilha) no Parlamento nacional. Sendo Cabo Verde um país arquipelágico, o Parlamento Nacional, na prática, será (seria ou deveria ser) um órgão colegial onde cada ilha, incluindo a Diáspora, seria representada por um certo número de deputados. É o que sugere, a priori, a presente constituição. Na ótica do princípio da Unidade Nacional que se pretende cultivar no arquipélago/nação, o Parlamento Nacional representaria o país no seu todo, com as suas particularidades e diversidades: um todo em que cada parcela (representada por um ilha) assim como o conjunto são todos importantes. Acontece que, findo os processos eleitorais, os deputados acabam, invariavelmente, capturados pelas máquinas partidárias, os deputados e o parlamento eleitos pelas populações, na prática acabam por representar os partidos do arco da governação, e em última análise os poderes. O povo confere assim aos partidos o mandato e a carta-branca para durante a legislatura governar ou fazer oposição, através de leis votadas no Parlamento, não havendo mais obrigatoriedade de escrutínio popular, ou mesmo diálogo com as populações no ‘intermezzo’ entre eleições. Podemos dizer que, uma vez eleito o Parlamento, realiza-se o corte com as bases, os deputados alheiam-se delas, passando agora a representar, quase exclusivamente, os interesses dos partidos, as máquinas partidárias, nos seus jogos do poder e dos contrapoderes. Daí que, não tendo, pois, necessidade durante a legislatura de estarem em contacto in loco com as populações que representam, os deputados afastam-se das populações, sendo convidados a residir na Praia, junto ao Parlamento. Nestas condições o Parlamento Nacional transcende a expressão dos direitos e das aspirações locais das populações, para se situar a um nível superior, o do poder central supranacional, em que só contam doravante as opções políticas tomadas em função dos interesses gerais, mas que acabam por ser os dos grupos maioritários e das elites, como manda a própria natureza de uma democracia, assente na exclusividade contabilística dos números. É assim que as aspirações da esmagadora maioria das ilhas e das suas populações poderão ficar frustradas. Daí que o restauro de uma democracia local verdadeiramente representativa seja fundamental para o aprofundamento da mesma num país arquipelágico como Cabo Verde. A Unidade Nacional não pode ser pois o simples leitmotiv para cobrir os interesses de certos grupos, mesmo os mais representativos ou maioritários, mas sim para defender os direitos gerais das populações, incluindo os das minorias periféricas. Daí que sem o aprofundamento da democracia a um nível mais regional ou local, a democracia cabo-verdiana está incompleta e condenada ao constante fracasso. Nesta perspectiva as intenções e promessas do governo saído das eleições de Março passado são encorajadores pois todas apontam para a reforma do actual sistema, que sem apoio da sociedade civil e dos partidos serão goradas.

Embora esta temática seja de extrema importância, não é todavia o objectivo deste trabalho, da minha intervenção hoje. Queria dedicá-lo aos números, à sua análise, à questão do Centralismo espelhada na realidade desses números.»

[continua]

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