General Alberto Fernandes |
A DEMISSÃO DO CHEFE DE ESTADO-MAIOR GENERAL DAS FORÇAS ARMADAS DE CABO VERDE
Julgo saber que um major do exército cabo-verdiano, na reforma, afirmou publicamente que o general Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Cabo-Verdianas (CEMGFA) devia demitir-se do seu cargo, em virtude do acto tresloucado cometido pelo soldado no Monte Tchota, de que resultou a morte de oito militares e três civis. O pedido de demissão, de facto, ocorreu e foi aceite.
Eu discordo e explico porquê.
Como pode um chefe militar ao mais alto nível responsabilizar-se institucionalmente por um soldado se ter passado da cabeça? É muito forçado e dá a impressão de uma tentativa (saloia ou bacoca) de querer-se seguir supostos padrões de ética (política) que não têm lugar no universo castrense. A ética militar é de outro jaez e jamais pode confundir-se com qualquer práxis política.
Se um chefe militar ao mais alto nível tiver de se demitir por causa de um episódio desta natureza, então teria de o fazer igualmente toda a cadeia hierárquica descendente até chegar-se ao comandante imediato do soldado, que, no caso em apreço, deve ser sargento. Com efeito, a demissão teria de passar por todos os escalões de comando inferiores até desembocar na função comandante de secção, efectivo de cerca de dez homens, que organicamente é comandada por sargento. É quem lida mais directamente com os homens e tem obrigação de os conhecer um por um: os seus problemas pessoais e até familiares, o seu comportamento psicológico, a sua formação disciplinar, as suas tendências e hábitos, o seu espírito de sociabilidade, etc. Este grau de conhecimento de proximidade também é obrigatório que o tenha o comandante de pelotão e até mesmo o comandante de companhia que se preze.
Neste processo encadeado e partilhado de conhecimento e responsabilização hierárquica, resulta que tudo o que se desvia dos padrões comportamentais normais e regulamentares, tem de ter resposta imediata e cabal por parte dos chefes mais directos. O sargento comandante de secção informa o alferes comandante de pelotão e este, por seu turno, o capitão comandante de companhia. É este último que tem competência disciplinar para resolver por si próprio qualquer problema com os seus homens, ou então para submeter ao major comandante de batalhão qualquer solução que eventualmente transcenda as suas competências ou exija tratamento especial.
Ora, um caso comportamental que indicie tendências psicopáticas, como parece ter sido o do soldado assassino, teria de ser atentamente resolvido, mal se evidenciassem os primeiros sintomas. Não acredito que se diga, como penso ter lido, que o soldado era um “rapazinho calmo e sossegado” e que nunca dera antes sinais de comportamentos desviantes. Os seus chefes directos tinham a obrigação de detectar quaisquer sintomas, por mais ténues que fossem. Era exigível essa atenção porque não se pode confiar uma arma e munições a um desequilibrado mental. E detectada qualquer anomalia, teria de haver medidas disciplinares ou cautelares, estas passando por tratamento médico e/ou pela sua eliminação das fileiras, o que em linguagem militar se designa “passagem à disponibilidade”.
As situações da rotina diária e disciplinar das unidades em princípio nunca chegam nem têm necessidade de chegar ao conhecimento das altas hierarquias do comando.
Se no exercício do mando político, costumam acontecer demissões, por mero simbolismo de responsabilização do ponto de vista ético-político, o mesmo não acontece nem pode acontecer na instituição militar, que se pauta por normas de conduta completamente distintas. Se há falhas, averiguam-se os factos e é punido quem, comprovadamente, tem uma clara responsabilidade material directamente ligada ao caso. Ora, não faltariam demissões na instituição militar se a moda pegasse.
Esta minha opinião funda-se no capital de conhecimento e experiência profissional de quem comandou homens quase quarenta anos, não só na rotina normal como em combate em dois teatros de operações, primeiro em Angola e depois em Moçambique. Tive ocasião de agir em duas situações distintas, uma enquanto alferes e outra enquanto capitão, que me obrigaram a atitudes de previsão e providência disciplinar. Mas, se algum militar, numa atitude de eventual transtorno mental matasse alguns camaradas, de certeza absoluta que se seguiria a instauração dos seguintes processos: um de averiguações, outro disciplinar e outro criminal. Haveria responsabilização quer ao nível disciplinar quer criminal. As consequências disciplinares, caso se denunciassem situações de incúria ou imprevidência por parte dos comandantes directos, morreriam na esfera do escalão companhia. Mas não seria caso para o comandante de companhia pedir a demissão, e muito menos ainda o comandante de batalhão, tenente-coronel. Só não subo por aí acima para insinuar qualquer responsabilização do brigadeiro comandante de sector ou do general comandante de região, porque o absurdo obriga-me a ficar por aqui.
Li também que o general CEMGFA de Cabo Verde não teria boas relações com o presidente da república, por questões de falha protocolar ou mesmo de ordem política. Mas as situações de forma alguma são misturáveis. Se o presidente da república teve razões objectivas para perder a confiança no general CEMGFA, então deveria, ou poderia, ter agido na esfera política no sentido da sua demissão.
O que é ridículo e brada aos céus é o mais alto responsável da hierarquia militar cabo-verdiana ter pedido demissão por um soldado se ter passado da cabeça. Porém, se isto é a ponta do iceberg de outros problemas relacionados com a instituição militar, então estamos a misturar coisas diferentes e, ao fim e ao cabo, a descredibilizar a imagem de dignidade e respeitabilidade que aquela instituição deve ostentar.
Desculpar-me-á o camarada militar cabo-verdiano a minha discordância com o que parece ter sugerido publicamente, mas o que ele fez foi contribuir para colar ao nosso país um rótulo de menoridade.
Lisboa, 2 de Maio de 2016
Adriano Miranda Lima
Depois da opinião de um militar de alta patente sobre o horrivel incidente que enlutou a Nação, só resta pedir para que nunca mais haja um tarado como o jovem que não aceitou a sova de um colega porque, além de não ser natural, não temos generais suficientes para se revezarem. Mas comentaristas teremos de toda a espécie, lá isso sabemos. Com a relativa liberdade de imprensa que temos aparece uma certa imprensa libertada.
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