MINHA REACÇÃO AOS ARTIGOS DOS COMENTADORES JOHN MATOS E PEDRO DELGADO
Responder aos longos textos dos comentadores John Mattos e Pedro Rogério Delgado em simultâneo obriga-me a uma certa síntese e a remeter-me ao texto superveniente que escrevi e já postado ou em vias de o ser. Vou procurar estar à altura da elevação com que fizeram os seus comentários.
O curioso é que muito do que afirmam não constitui discordância entre nós, seja em questões de princípio, seja em matéria de facto. Apenas há desencontro no entendimento das palavras e na intenção subjacente.
A ética militar abrange, como todo o conceito de ética, os padrões, os princípios e os fundamentos da moral. Mas a ética militar propriamente dita traduz-se em valores concretos que só fazem sentido numa profissão em que, como nenhuma outra, o cidadão consagra a sua vida ao serviço da pátria e por ela jura sacrificar a sua vida sem nada em troca, a ponto de alguém dizer que “a farda é leve para quem a veste por vocação, mas é fardo insuportável para aquele que não compreendeu a missão para a qual prestou juramento solene".
Ora, a ética militar tem uma tradução muito concreta na assunção das responsabilidades mas também na sua partilha, esclarecimento e apuramento dentro das estruturas hierárquicas do comando. Não pode jamais confundir-se com o simples “conceito de pôr o cargo à disposição”, como é procedimento na classe política, porque isso pode significar precisamente o contrário: fuga às próprias responsabilidades, receio de enfrentar, enquanto em funções, o incómodo moral de ter de prestar contas ou de fazer com que a cadeia de comando subordinada assim proceda também.
Um militar não pode abandonar as suas funções por alegar “falta de condições morais e psicológicas” por aquilo que aconteceu no Monte Tchota, da autoria única e directa de um soldado, por maior que tenha sido o impacto emocional na opinião pública. Imagine-se o que seria um comandante em operações de combate desistir do seu cargo aos primeiros desaires ou insucessos. Isso é cobardia e tibieza de quem escolheu mal a profissão. Leva a julgamento marcial.
Evidentemente que longe de mim pensar que é o caso do major-general que se demitiu. Não gostaria de estar no seu lugar.
O John Mattos diz: “sobre o caso militar em debate, o coronel Adriano não entendeu bem os fundamentos do mesmo. O que está em causa não são problemas de um soldado "tresloucado" (já agora desde quando o coronel é psiquiatra para estar a fazer juízos de valor sobre o estado de saúde mental do soldado?!) mas sim os problemas sobejamente conhecidos que atravessam as forças armadas há anos.”
Claro que não sou psiquiatra, mas não é preciso sê-lo para classificar a mente de quem ceifa a vida de 11 seres humanos por um motivo aparentemente fútil.
Mas aí está o cerne do problema, John. Diz que não está em causa o crime cometido mas sim o estado de deterioração das forças armadas cabo-verdianas desde há anos. Sobre esta realidade não posso fazer juízos de valor porque não a conheço concretamente, mas acredito piamente na sua impressão ou avaliação.
Mas como afirmou que cometi contradições, então responda-me a esta questão basilar. Se não tivesse acontecido o caso Monte Tchota, tudo continuaria na mesma situação de “faz-de-conta” em que, julgo saber, se encontram as nossas forças armadas? Mantinha-se a mesma paz podre, a mesma aparência enganosa de normalidade? Foi necessário que acontecesse uma desgraça desse tamanho para o mais alto chefe militar se demitir? Ou esperar que outra semelhante acontecesse no futuro?
Pois, meu caro, pelo que me conta e parece ser voz pública, a situação é francamente má na instituição militar, o que, a ser verdade, devia ter já suscitado, em devido tempo, uma atitude de firmeza por parte da chefia militar, confrontando o governo com as suas responsabilidades. É o governo que estabelece a política da defesa militar e para isso confere os meios necessários às forças armadas. Se o governo mantém a sua passividade ou recusa em alterar a sua política para o sector, então assiste ao mais alto responsável militar pôr o cargo à disposição. É um imperativo da ética militar. Por seu turno, se o ministro da pasta sente responsabilidades próprias, por incapacidade de demover o governo da errada conduta política, com que discorda, então deve igualmente pôr o seu cargo à disposição. Isto já é ética política.
Contrariamente ao que diz, não sugeri que o actual ministro da defesa se demitisse, muito menos ele que ainda nem aqueceu o lugar. O meu raciocínio foi em abstracto e afirmei precisamente assim: “É que tenho dificuldade em entender que se possa ligar este triste e isolado episódio a um eventual quadro de deterioração da instituição militar imputável ao general CEMFA. A ser assim, então teria de se demitir também o ministro da defesa, visto que o funcionamento das forças armadas é sempre reflexo dos meios que a política põe à sua disposição.” Portanto, nada de distorcer o meu raciocínio.
Ora bem, se efectivamente as forças armadas se deparam numa situação verdadeiramente precária, como acredito ser verdade, então as responsabilidades são unicamente imputáveis à política do sector, não do actual do governo, mas sim do que o precedeu e esteve no poder quinze anos. Isto é claro como água.
Assim sendo, John, é inevitável que o confronte com a seguinte questão. Se porventura o responsável militar tivesse pedido a demissão em tempo devido, fundamentando a sua decisão na impossibilidade de cumprir a missão que lhe foi confiada, não se poderia ter evitado o trise episódio do Monte Tchota? E, supondo que o caso Monte Tchota não aconteceu, as forças armadas iriam continuar na rua rotina de “faz-de-conta” até que um outro episódio trágico idêntico acontecesse para justificar um pedido de demissão?
Não, não é assim que a instituição militar funciona. Para não me repetir, poderá ler, no outro texto que escrevi, o mais recente, como os problemas se tratam nas forças armadas. Se o Monte Tchota fosse um caso isolado e acidental, reafirmo que não justificaria a responsabilização senão do próprio criminoso e dos escalões de comando directos que pecaram por eventual imprevidência e incúria. Se, pelo contrário, é o reflexo da incapacidade de as forças armadas cumprirem a missão que a nação delas espera, então a demissão devia há muito ter acontecido e implicando necessariamente responsabilidades políticas.
Quanto à sua afirmação sobre os textos que há anos escrevi acerca das nossas forças armadas (cabo-verdianas), defendendo um formato e uma tipologia mais consentâneos com as características do território e os nossos recursos, claro que mantenho a opinião. Mais, não se surpreenda que a minha opinião tenha evoluído com o decrescendo das nossas possibilidades económicas. Hoje, sou de opinião de que Cabo Verde deve prescindir de forças armadas no sentido convencional do termo e aplicar os respectivos meios e recursos possíveis no reforço das forças de segurança. Os actuais quadros profissionais militares podem facilmente ser reconvertidos em funções nas forças de segurança. O Dr. Arsénio de Pina escreveu um artigo sobre o tema.
O anterior primeiro-ministro afirmou, no ano em que se realizou a última cimeira sobre regionalização, que não se pode comparar Cabo Verde com, por exemplo, as Canárias ou os Açores porque essas regiões autónomas não têm encargos com as Forças Armadas, as Foças de Segurança, a Justiça e a Representação Externa. Ele tem toda a razão no que disse. O país está com uma dívida pública elevadíssima para poder ser sustentável, embora o anterior primeiro-ministro afirmasse que é sustentável.
Mas esta pergunta que segue é inevitável. Não foram os cabo-verdianos que quiseram ser um estado independente, quando a solução poderia ter sido diferente permitindo que o povo escolhesse livremente o seu destino? Agora deparamo-nos com manifesta dificuldade em acudir às nossas necessidades mais elementares. É o problema dos TACV, é o das Forças Armadas, é o da estagnação da economia, é o do desemprego, é o dos desequilíbrios regionais, é o das clivagens sociais dentro do próprio país, e sei lá que mais!...
Agradeço as vossas opiniões.
Adriano Miranda Lima
Muito bem. O assunto é demais sério para não se estar atento e responder ponto por ponto para não se "diabolizar" ninguém. (Estamos entre gente civilizada)
ResponderEliminarSe o "conflito" é a base do debate democràtico, não se pode distrair, nem deformar, nem recusar de entender.
Força !!!
Respondendo rapidamente ao meu caro conterrâneo mindelense, coronel Adriano! E concretamente à pergunta que me coloca, pois, ele reconhece que a minha critica tem fundamento. Pois bem Adriano, continuo a dizer que nao está a saber gerir este seu deslize e respondo à pergunta: Claro que nao se tinha esperar para se resolver este "faz-de-conta" nas forças armadas. Eu ja tinha escrito em termos mais globais, que o MPD, foi eleito para arranjar a Casa Cabo Verde, quer dizer todos os seus cantos, logo as forças armadas. Meu caro, o caso do soldado, repito, foi um pretexto, aproveitou-se para apanhar a bola no ar, para se avançar com a reforma que ja se impunha ha varios anos. Ja agora, você reconhece que ha um "faz de conta" no exercito, e repito, você escreveu no passado sobre uma reforma das nossas forças armadas, logo, porquê, esta solidariedade castrense, com esses larapios com comportamentos perversos, (nao somos psiquiatras, mas estudámos psicologia no no nosso curriculum) que nao dignificam a sua farda de coronel e o corpo militar a que pertence? Desculpe, meu caro, mas foi apressado demais e estatelou-se. Como é possivel num homem que conhece a bibliografia estratégica militar e afins? Meu caro mais velho, eu nao sou a Rosario, eu conheço a Histôria militar e a Estratégia e ja lhe disse no passado que lemos os mesmos livros. Faça a sua mea culpa, ou entao deixe a coisa morrer, porque você nao tem razao! Esta reforma devia ter sido feita pelo proprio Chefe de estado em funçoes ha muito tempo. Toda a gente sabe o que é a rebaldaria nas forças armadas em CV. Logo, o presidente da republica, nao fez também o seu trabalho. Um abraço!
ResponderEliminarDesulpe so mais esta, amigo Adriano. O seu titulo é tendencioso, sabe porquê? Porque eu sou jornalista de profissao, mas tenho formaçao intelectual na area de Estratégia, Diplomacia e Politica internacional. Entre outras coisas. Os jornalistas (assim como os militares) nao sao todos semi-analfabetos. Tenho uma carreira internacional, Cabo Verde, Alemanha e França. Ja agora, ha neste momento em França, uma "guerrinha", entre o politico Alain Juppé, antigo PM e futuro candidato às presidenciais e um general muito "politico". Juppé, disse-lhe: "numa republica e numa democracia de estado de direito, um militar, cumpre ordens da sua hieraquia militar, mas ambos estao sob ORDENS DO PODER POLITICO".. Abraços!
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