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sábado, 14 de maio de 2016

[9203] - A GREVE DA ESTIVA...


Consta que os custos acumulados pela greve dos estivadores do Porto de Lisboa, ultrapassa já os sete milhões de euros... Desde que o recurso às greves laborais foi um direito devolvido aos trabalhadores pelo 25 de Abril, os estivadores - de Lisboa e não só - e os trabalhadores do Metro de Lisboa e da C.P. têm vindo a disputar entre si o título de "reis-das-greves", situações em que os principais lesados são, sempre os mesmos, ou seja, quem não nada a ver com tais assuntos mas depende, no seu dia-a-dia, dos serviços prestados pelos grevistas...
Em 1954, o realizador Elia Kazan realizou um filme cuja acção decorre nos domínios da estiva do Porto de Nova Iorque que tinha por título "Há Lodo no Cais", vencedor de 8 Òscares, incluindo o de melhor desempenho masculino, para Marlon Brando... O filme foi violentamente atacado pelos Sindicatos dos Estivadores e outras estruturas com poder sobre as Direcções Sindicais o que não evitou que tenha sido um êxito de bilheteira e, ainda hoje, seja considerado um dos melhores filmes americanos de todos os tempos... A história colocava a nú as manobras mafiosas que mantinham a estiva presa a escuras negociatas levadas a cabo sob um império de terror em que, quem não colaborava podia pagar a ousadia com a própria vida...
Numa outra dimensão, recordo aqui um velho amigo, o Benvindo, que vendia na sua loja da Rua de Lisboa, umas belas de umas camisas "casca-de-ovo", importadas de Macau e que, um dia, encontrou, dentro de uma das enormes caixas, onde faltavam dúzias de camisas, dois cartões de identidade de estivadores...do Porto de Lisboa...
Todos os anos, por alturas do Natal, a Farmácia do Leão, que também estava - e lá continua - instalada na Rua de Lisboa, importava uma importante variedades de produtos de cosmética e perfumaria da marca inglesa Yardley... Ao compor as encomendas, a ultima preocupação era apontar para o dobro do que se pretendia importar pois era sabido que, como todos os anos, só chegaria ao Porto Grande metade das encomendas...
Nesses tempos, a quase totalidade dos bens importados do estrangeiro faziam escala no Porto de Lisboa de onde, a bordo dos navios da Sociedade Geral, faziam o ultimo percurso da sua viagem até S.Vicente (ou Praia...).
Pessoalmente, e no desempenho de funções na Direcção de Importação na empresa em que me mantive entre 1977 e 2015, tive inúmeras experiências, algumas dramáticas, em desempenhos de descarga de fruta fresca que, durante muito tempo, foi a principal actividade da empresa. Vinha das origens mais diversas como, África do Sul, Chile, Colômbia, Costa Rica envolvendo, principalmente, bananas, maçãs, uvas, laranjas, etc. Recordo que, aquando de uma greve geral de estivadores no país, fomos forçados a desembarcar um carregamento de bananas da Costa Rica em Terragona (Espanha), de onde veio para Portugal em dezenas de camiões frigoríficos pela fronteira do Caia... Foi lindo de ver e, claro, o preço das bananas disparou em flecha e em prejuízo pois, na época, a banana era tabelada a 130$00 o quilo! (Cento e trinta escudos ou cerca de € 0,65...)
Uma descarga de perecíveis a partir de barcos frigoríficos, era, via de regra, trabalho para dezasseis horas e dois turnos de pessoal, entre as 08H00 e as 24H00, com mudança de turno às 16H00... Ocasionalmente, a descarga podia prosseguir para além das 24 horas caso se previsse haver carga para um novo turno de 8 horas, completo. Tais descargas podiam ser feitas a partir de um ou mais porões, conforme a disponibilidade de pessoal mas, normalmente, nunca menos de dois o que significa umas largas dezenas de estivadores que, findo o turno, lá iam dispersando vergados ao peso de sacos pejados de fruta, claro...
Os estivadores do Porto de Lisboa até terão razões de queixa, certamente mas  nunca conheci nenhum - e conheci muitíssimos - que não regressasse a casa de carro - incluindo Mercedes - ostentasse grossos colares e robustos anéis de ouro, não comesse do bom e do melhor às refeições, rematadas com generosas doses de whisky velho...
Compreende-se, pois,  que queiram manter os seus rentáveis postos de trabalho a todo o custo, e tanto melhor quando a parte de leão de tais custos lhes é completamente alheia...

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