Não é a primeira vez que nas páginas deste jornal tenho refletido acerca do excesso de concentração que existe hoje em dia na Ilha de Santiago, mais propriamente, na cidade da Praia.
Por P. L. Lima
Logo após a independência das Ilhas, em 1975, os primeiros governantes passaram a fazer as suas políticas de desenvolvimento com uma lógica segundo a qual Cabo Verde começava na Praia por ser a capital e acabava também ali.
Ou seja, pelo mero fato de ser a capital do arquipélago, ali devia ser o centro de tudo. Era onde deveria viver o senhor Presidente da República (claro), o senhor Primeiro Ministro, a Assembleia Nacional tinha de se localizar também na cidade da Praia, todos os Ministérios sem esquecer que deveria ser onde se localizariam todas as representações diplomáticas no pais.
Ao não se levar em conta que o arquipélago está dividido em dois grandes grupos, barlavento e sotavento, sendo a ilha de São Vicente um polo giratório extremamente importante para as ilhas de Santo Antão, São Nicolau, Boa Vista e Sal, estava-se a relegar para o esquecimento a vertente comercial, cultural e estratégica da cidade do Mindelo na confluência dessas ilhas ao redor.
Esse desvirtuamento da importância da cidade do Mindelo, do seu Porto Grande como ponto de passagem conhecida internacionalmente, da sua vertente comercial inegável e da sua faceta cosmopolita e um fervilhar cultural como nenhuma outra no arquipélago, ao longo dos anos teve o seu preço muito elevado.
Sim. Porque num pais que é um arquipélago e não terra continua, a partir do momento em tudo ou quase tudo se concentra numa só cidade ou ilha, a mensagem que se passar é que Cabo Verde é Praia e o resto.Claro que uma reflexão destas, hoje em dia já tem o valor que tem. Qualquer um que tentasse nestes tempos fazer uma espécie de descentralização teria de ter os recursos necessários e haveria de enfrentar muita resistência. Aliás, no meu entender, o golpe de misericórdia foi dado quando se mandou construir o Palácio do Governo ali na Capital. Não sei se as pessoas se deram conta de tamanha monstruosidade. Ou seja, Praia por ser a capital do país é a sede do Governo, da Presidência da República de todos os Ministérios, da Assembleia Nacional, das representações diplomáticas, das empresas mais importantes do pais, não sobrando mais nada que pudesse caber nas outras ilhas.
A título de exemplo ou de miragem, imaginem um Cabo Verde onde a Assembleia Nacional funcionasse na cidade do Mindelo no palácio onde hoje, creio, que é o palácio da Justiça, em que o Ministério da Agricultura se localizasse na Ribeira Grande, em Santo Antão, em que o Ministério da Educação fosse na Vila da Ribeira Brava, a Secretaria de Estado do Turismo fosse na Boavista, as pescas na ilha do Maio e a saúde em São Vicente.
No caso de uma universidade pública que tivesse a sede na Praia mas dois ou três polos importantes distribuídas, por exemplo, entre São Vicente, São Nicolau e o Fogo.
Eu sou do tempo em que todo o jovem que terminasse os seus estudos liceais e concorresse para uma bolsa de estudos tinha de o fazer para o Ministério da Educação na Praia, esperar os resultados e deslocar-se à capital tratar de todos os procedimentos. Quando vinha de férias tinha de ir de novo ao Ministério da Educação e ao finalizar o curso era obrigatório apresentar-se de novo a estes serviços onde lhe era dito onde iria trabalhar. Ha pouquíssimos casos de licenciados que foram destacados para as outras ilhas. A esmagadora maioria ficou na Paia. Não havia escolha. A mesma coisa com os deputados da nação. Da Brava a Santo Antão todos tinham de viajar para a Assembleia Nacional na cidade da Praia.
Qual é a capital do país no mundo que consegue absorver tanta gente em tão poucos anos? Qual município consegue uma resposta razoável em termos habitacionais, rede de esgotos, água potável, electricidade, escolas, sítios de lazer à chegada de tantos num curto espaço de tempo?
A Praia hoje em dia está a rebentar pelas costuras. Arquitectonicamente tudo cresceu sem planeamento algum. Basta descer no aeroporto Internacional da Praia, apanhar um táxi até o Plateau e vir apreciando o cenário.
Este tipo de concentração exponencial chama consigo gente de todos os arredores da ilha para virem à cidade e de todo o arquipélago. Quem almeja um trabalho, quem pense em algum negócio, procura logicamente a cidade da Praia.
Sem dizer que o crime aumenta, a insegurança é uma constante tanto para os nacionais como para os turistas, a mendicidade cresce a olhos vistos, tudo como fruto natural de uma sementeira feita ao longo de anos por quem pensou, mesmo que ingenuamente, que Cabo Verde se reduzia a Praia. Hoje chegamos ao ponto de poder afirmar que Cabo Verde é realmente a ilha de Santiago e o resto. A tal ponto que, as eleições poderão ser decidas somente pela ilha de Santiago.
Já houve tempo em que até se queria colocar o porto da Praia como o mais importante do país esquecendo-se da importância histórica do Porto Grande no Mindelo e da vertente comercial que a ilha teve ao longo de séculos. E essas políticas ao longo dos anos foram "dessangrando" a ilha de São Vicente ao mesmo tempo que as consequências se iam sentindo nas outras ilhas adjacentes como Santo Antão e São Nicolau.
Hoje as coisas chegaram quase a um ponto irreversível. Existe uma espécie de resignação quanto a este cenário. No entanto, como filho da terra que sempre pensou Cabo Verde como um todo, de Santo Antão à Brava, quis muito modestamente através desta reflexão dizer apenas isto: sempre houve e haverá sempre muito mais Cabo Verde para além da Praia. (in Terra Nova).
Leio com interesse este artigo de alguém que, não obstante a letargia que se apoderou de alguns que ainda pretendem pensar de modo independente, mostra que há sempre a possibilidade de organizar Cabo Verde como deveria ser e não deste modo revanchista que se vê.
ResponderEliminarHá dias propus que os intelectuais cabo-verdianos que se reclamam da regionalização adoptassem a regionalização na base bem conhecida de Barlavento e Sotavento. A resposta que pude ter e, agradeço a quem ma deu, é que não há nada a fazer: decidiram na Praia que será uma ilha-uma região e acabou a discussão. É mais que evidente que a razão que leva os centralistas da Praia a defenderem esta pseudo-regionalização é que ela lhes garante o domínio de Cabo Verde em moldes muito próximos do que é feito hoje.- MANUEL DELGADO - Por e-mail...
Com certeza esta é uma verdade, que deveria ser de Lapalisse, mas que infelizmente não é, e tem que ser martelada por muitos, constatemente e sempre, para que as elites gordas e os fazedores de opinião, que não gostam de verdades, comecem a reflectir. Não se pode condenar ao perpétuo abandono aquilo que virou periferia, por obra da incúria de desgovernates incompetentes. Água mole em pedra dura fura.........
ResponderEliminarBem,creio que estou à vontade para falar porque tenho sido quem mais se tem oposto a essa ideia de região-ilha. E ainda estou à espera que alguém rebata a argumentação por mim apresentada no debate realizado na Associação de Alunos em Lisboa e que consistiu em demonstrar os inconvenientes e riscos desse modelo. Não sei se vai ser implementado o que o novo governo prometeu (precisamente, região-ilha), mas se o caminho for esse, a Praia vai respirar de alívio porque continuará a reinar à vontade. As razões são óbvias e só não as vê quem não quer. Face à impossibilidade de agregar ilhas, ao menos que se pondere numa reedição Barlavento-Sotavento.
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ResponderEliminarParece que sim. Pois reparem Santiago já tem Regionalização Santiago Norte e Santiago Sul. E agora parece que querem Estatuto Especial (EE). Qualquer dia desenterram o projecto de várias centenas de milhões da Cidade Administrativa. Sabem para quê o EE?? Para arrecadar milhões do estado não à socapa mas legalmente, a partir da desorçamentação legal. Mas porque Maio e Brava não tem EE, por 10 anos. Esta pretensão de mais dinheiro e regalias é injusta sobretudo num momento em que há pessoas a passar dificuldades, desmprego nas outras ilhas e que o dinheiro não chega para tudo. Cabo Verde assim está feito ao bife e talvez a Regionalização seja pouco Praia um Estado e formamos um Federação Barlavento Sotavento. Afinal os portugueses tinham razão há 2 Cabo Verdes em Cabo Verde.
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