Dois tremendos desafios à governação de UCS: cortar o cordão umbilical à perdulária administração pública e acabar com o nepotismo nas embaixadas...
José Maria do Rosário
Dois tremendos desafios à governação de UCS: cortar o cordão umbilical à perdulária administração pública e acabar com o nepotismo nas embaixadas
Há muito que vozes respeitáveis vinham pressionando que fosse dita a verdade ao povo, daí são gigantescas as expectativas, após 15 anos de autismo, de se conhecer os legados ao novo governo e que não hão-de ser “cachos de uvas”. De entre muitos destacam-se dois tremendos desafios ao futuro Primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva: A Administração Pública, um dinossáurio despesista e obstrutiva, cirurgicamente minada pelo partido defunto, e as missões no exterior, um covil de nepotismo e amiguismo, convertido em **FAIMOL, Frente de Alta Intensidade de Mão-de-obra de Luxo.
Com ambas as máquinas movendo-se como o planeta Júpiter, em orbita inversa ao decréscimo das ajudas externas, ainda bem que vamos ter um PM que promete rezar para que o poder não lhe suba ao tino, começando por dar exemplo em própria sede do governo, com cortes de despesas que ascenderiam 200 mil contos.
A política de um governo enxuto, mais integrado e articulado, tem que, imperativamente, imprimir o mesmo impacto na gigantesca estrutura diplomática montada ao longo dos tempos (sempre com muitos atletas de “oi na Melon”) e que hoje já não se justifica, face às novas tecnologias.
A mesma terapia é extensiva à AP-Administração Pública, área blindada com estirpes resistentes a uma ousadia organizacional que dificilmente será inteligível aos “provincianos” movidos pela psicose de que “tout court”, quanto mais instituições mais desenvolvimento.
Tirar Cabo Verde da rota do malogrado “Vicente” não será pêra doce. O fatalismo que se vislumbrava na aurora, não fosse o discernimento do povo das ilhas, o desfecho seria bancarrota. Porém, que não se acalentem soluções milagrosas, devendo cada cabo-verdiano cuidar do que pode e deve fazer para o país.
Já lá vão quatro décadas que o cidadão sonha o dia que terá um Sector Público Estatal capaz de lhe ser útil e á altura de servir como lubrificante, em vez de obstáculo ao desenvolvimento do país.
Nos últimos quinze anos falou-se de mérito, novos estatutos, novas grelhas salariais, promoções, progressões, novos PCCS, instalações condignas e equipamentos informáticos, tudo apenas para o Romeu ver, pois, os resultados ou o impacto ninguém sentiu. Essas medidas de cosmética nada valeram para mudar a face da AP-Administração Pública, que quando mais suga o erário público mais surda e muda se torna, para a cólera dos utentes e desespero dos operadores económicos.
Numa população inferior a um bairro de Nairobi, continuam-se as risadas pela forma como se desenvolveu a política de gestão dos funcionários públicos, havendo dezenas de estatutos, ora por classes sócio-profissionais ora por institutos, ora por departamentos, originando uma derrapagem de reivindicações, nuances, distorções entre categorias e funções, a ponto de se perguntar até onde aguentará a arca, a rebentar pelas costuras, no meio de tanta paranóia.
Com cada um a puxar a brasa para a sua sardinha eis que aparecem os professores a sacar reforma aos 55 anos (algo que nem na Suíça se pratica), com todos os reflexos que isso poderá ter nas demais classes, estando já os marítimos de “alabardas” prontas para saltar o murro, alguns mesmo fazendo finca pé de que quando as profissões combinam com a cara-metade, não faz sentido uma ficar em casa e outro continuar mais 10 anos a suar, desgaste que pode desajustar o “feeling dos patinhos”.
Dizer verdade ao povo, desta feita, para além dos “dossiers” internos que vão da hipoteca do país versus dívida externa á aventura do BAD (baú a ser escancarada e esmiuçadas as devidas responsabilidades), Fundão entre outros, deverá igualmente estender-se às missões no exterior, pois ainda é uma incógnita os efeitos do tal ”caderno de encargos” da diplomacia que o ministro prometera.
Num contexto em que as ajudas públicas ao desenvolvimento estão drasticamente diminuindo, uma ampla reforma e racionalização dos recursos afectos àquele sector impõe-se.
Já é altura de dar basta ao esquema das embaixadas continuarem a trabalhar na lógica de compadrio, “pa mi, pa bô, pa mi”.
A extinção do Ministério das Comunidades foi já uma medida louvável de contenção de custos, um órgão que pouca gente sabia onde estava instalado e uma ministra que entrou e saiu sem ninguém saber o que fazia. Todavia, é necessário que ás comunidades sejam informadas, a tempo, as razões da medida antes que a desinformação se instale.
Aliás, o espaço de tempo entre eleições, sejam quais forem, e a subsequente tomada de posse precisa de ser corrigido, com carácter de urgência, para que o que está acontecendo nestas legislativas não volte a acontecer. Os custos, bem com as consequências desse hiato desabonam a transparência do processo democrático.
A longa estada do PAICV no poder gerou clientelismo e um ciclo de perda de imaginação e criatividade. Por outro lado, as políticas adoptadas “vendo-se para a lua” e o despesismo criaram um ambiente de ostentação de riqueza face à bolsa de pobreza que grassa pelo país real.
A democracia estava em perigo e em boa hora chegou a mudança, ventilando o clima de crispação, senão provocação em que se vivia.
Todavia, se o desejo do povo é mudar de valores, não é justo que se mantenham apartamentos luxuosos no centro de Nova Iorque, (para o gáudio dos felizardos inquilinos) enquanto a família Mané Pimpa ainda se encontra com “o … ao léu” nas brisas de Chã das Caldeiras.
Para a sua meditação, no gozo da choruda pensão, Sr. Mosso, ( a não ser que já tenha por aí outro lugar á espera, em detrimento de um jovem licenciado) o fosso que o seu partido semeou entre ricos e pobres é que é uma vergonha nacional, e não o “faits divers”do emigrante que labutando sol a sol na diáspora, trouxe um Mercedes “d’ocasion” e omitiu o pagamento da taxa de uma consulta.
** FAIMO-Frente de Alta Intensidade de Mão-de-Obra, eram trabalhos sazonais abertos nos meios rurais, na época colonial, como via de apoiar a sobrevivência das populações. A produtividade, bem como os resultados eram praticamente nulos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 754 de 11 de Maio de 2016.
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