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segunda-feira, 24 de outubro de 2016

[9827] - AS CRÓNICAS DE ARSÉNIO DE PINA...

CRÍTICAS E DICAS À BOA GOVERNAÇÃO (2)

Entre nós, em Cabo Verde, as pessoas têm consciência e aceitam que o país vive problemas graves, que é preciso mudar as coisas, mas ninguém, no campo dos decisores, está com grande vontade de mudanças significativas. Quando se “reforma”, esta é travestida para se continuar no imobilismo preguiçoso. Nem sequer é discutida com a profundidade devida, como, por exemplo, aconteceu com a chachada da Cimeira sobre a Descentralização e Regionalização do País, organizada pelo Governo sem a participação dos elementos que propuseram o seu estudo e até publicaram um livro sobre a matéria. Sem descentralização/regionalização o poder central não terá capacidade para controlar tudo; deverá, portanto, delegar certas funções e poderes às regiões cujo cumprimento de execução controlará. As reformas do Estado levam tempo e devem começar com a definição das funções do Estado e das suas instituições para que esse universo seja gerido da forma mais racional e eficiente possível.
Já me referi bastas vezes à necessidade da responsabilização dos decisores e funcionários públicos, com penalização politica para quem não sabe gerir orçamentos e é negligente. Nos Estados de verdadeiro Direito Democrático, quem não cumpre por ignorância, incompetência ou negligência, é penalizado: exoneram-se ministros e funcionários superiores e as empresas executantes de obras públicas respondem pelos erros. Veja-se, por exemplo, o que aconteceu aos responsáveis pelo abatimento da ponte na Boavista, pela destruição de grande extensão da estrada alcatroada para o Tarrafal, em S. Nicolau, com o erro cometido na Barragem da Fajã, quando a população da região avisou os engenheiros de que a água das chuvas que se colecta nessa região desaparecia de um dia para o outro, tendo estes rido desses “ignorantes”, os quais, afinal, tinham o saber da experiência; a destruição das obras na Lajinha em S. Vicente com as últimas chuvas. Absolutamente nada, não obstante pessoas idóneas e competentes terem, antes das obras, sugerido outras soluções e criticado a falta de diálogo com a sociedade civil. Como entender, em Direito e Democracia, que governantes desviem verbas destinadas às ilhas para uma única, a de Santiago, e nada acontece? Até parece que o crime e a asneira compensam. Obviamente, que, assim como se deve penalizar, também há que premiar o bom gestor do Estado.
Porque será que a maioria das empresas públicas funciona mal com prejuízos avultados ou entram em falência? Se as contas e os objectivos fossem auditados por entidades externas a todos os níveis do Estado, seguramente, que tais desmandos não aconteceriam. Para que as empresas e actividades do Estado sejam avaliadas, necessário será que se definam metas a tingir, objectivos e indicadores pertinentes. O Parlamento tem de poder proceder a uma fiscalização total das contas públicas e das responsabilidades actuais e futuras do Estado, não em teoria ou somente definidas em lei, mas na prática, dando o governo resposta mais ou menos célere às perguntas e solicitações dos deputados. Porque será que o Estado gasta tanto dinheiro com consultorias de escritórios de advogados quando tem gente qualificada nalguns Ministérios e no Parlamento?
Os diferentes governos têm dito apostar no turismo, embora não se veja muita vontade nessa aposta e os benefícios recaírem nos hotéis estrangeiros. Tem-se permitido que estes importem tudo que consomem, quando o consumo deles poderia servir de estímulo para desenvolver a produção nacional agrícola, pecuária, da pesca, e quebrar o marasmo do comércio, como bem assinalou o guineense Carlos Lopes, secretário-geral adjunto da ONU, economista e sociólogo, conhecedor da nossa realidade. Para isso há que controlar os preços das produções nacionais que só têm beneficiado intermediários parasitas e produtores glutões, não quem produz com sacrifícios. Não se compreende porque um quilo de papaia custa trinta escudos e menos no produtor e a encontramos no mercado a duzentos, a água mineral nacional ao preço ou mais cara do que a importada, que se importe batata inglesa e fruta, destinada na Europa à alimentação de porcos e bovinos ou à produção de sumos, para consumo humano. Há que favorecer a criação de empresas de produção e comercialização dos nossos produtos de modo a curto-circuitar a cadeia de intermediários parasitas, que nem impostos pagam, exigir qualidade e preços competitivos – muito inferiores aos produtos similares importados - aos nossos produtos. Se produzíssemos a preços competitivos produtos de qualidade aceitável, iriamos diminuir as importações, e, com o tempo, incrementar a produção, criar novos postos de trabalho e até exportar. Sugeri em artigos passados o aproveitamento e valorização das nossas belezas naturais e da nossa culinária, com visitas guiadas a certos sítios de diferentes ilhas (vulcão do Fogo, Fajã d´Água, Monte Gordo, Ilhéus Raso e Branco, Baía das Gatas, Tarrafal de Santiago, Cidade Velha, Paul, Ribeira Grande e Ribeira da Cruz, etc.) e introdução dos pratos regionais (catchupa simples e guisada com linguiça da terra, djagacida, xerém e rolon com carne de porco e manteiga de garrafa foguense, feijoada com feijão congo e cachupinha com linguiça da terra, caldo de peixe, peixe grelhado, moreia frita, modge de S. Nicolau, queijo de cabra e doçaria diversa) na ementa de hotéis, pensões e restaurantes, valorizando-se os recursos endógenos.
Fala-se ultimamente na melhor utiliização das remessas monetárias dos emigrantes (10 a 12% do nosso PIB). Que não se limite somente às suas remessas, se invista também na discriminação positiva em tudo que facilite a vida dos emigrantes e os atraia a contribuir cada vez mais, desburocratizando o que se refere às suas iniciativas nacionais produtivas, com benefícios fiscais quando utilizam as suas poupanças em actividades produtivas transaccionáveis, criadoras de empregos ou que limitem importações; criar estruturas culturais e de apoio efectivo nos consulados e embaixadas e atribuir direito aos emigrantes de participarem, votando, nas eleições autárquicas, dado que, mesmo de longe, todo o emigrante vive intensamente os problemas da sua ilha. Com essas medidas aumentar-se-ia, seguramente, a participação dos emigrantes na gestão da coisa pública e progresso da sua ilha.
O nosso Estado perdeu funcionários sabedores, experientes e capazes no início da independência, algum tempo depois, no governo do MpD, quando se facilitou a saída de outros por reforma antecipada, transferências para postos pouco atractivos, aqueles que, independentes ou não comungando dos mesmos ideais políticos do governo, seriam mais capazes, com rigor e independência, para defender os interesses do Estado, não tendo sido substituídos por gente de igual valia. Por isso o Governo vê-se obrigado a recorrer a consultores e assessores, “alguns mercenários sempre prontos a defender um e o seu contrário, outro e o seu adversário”. Há que haver despartidarização da Função Pública de modo a que os funcionários públicos continuem a ocupar os seus postos depois da mudança de governos, na base da competência.
É indispensável que o Estado passe a escutar e dialogar com pessoas sensatas e experientes das diversas ilhas. Afinal, o Estado somos nós, uma forma de organização da vontade colectiva. Precisamos de ter elites no Estado a pensar o Estado, e não, como vem acontecendo, a pensar para os partidos políticos, para outros interesses utilizando políticas de remendos. A fidelidade dos funcionários e deputados deve ser connosco, com o povo, não tanto com o governo ou os partidos.

Parede, Outubro de 2016                                                                 Arsénio Fermino de Pina
                                                                                                   (Pediatra e sócio honorário da Adeco)

3 comentários:

  1. Last but not least !!!

    "Depressa e bem não hà quem"
    Na minha precipitada escolha, ou melhor, no embalo da leitura do primeiro texto do Arsénio, esqueci de citar um "jovem politico" e um "tarimbeiro", dois dedicados filhos de nôs terra, embora em ritmo diferentes.
    Para fazer justiça e porque não tenho medo nem preciso de manteigar cito aqui José Fortes Lopes e Luiz Silva.

    C'est dit.

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  2. Vàrias vezes em outros lugares tenho falado da necessidade de um Departamento do Plano onde se havia de colher e estudar a aplicação de tudo quanto referisse à estrutura geral da Nação. E as sugestões do Arsénio me confortam na minha ideia.

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  3. O Arsénio, com estes artigos, revisita o acervo de propostas e sugestões que ao longo de muitos anos dirigiu ao poder político em Cabo Verde, mas sem que alguma vez tenha sido ouvido. Como ele costuma dizer, Es ca ta cdi.
    A pergunta que desde logo ocorre é: Porque é que Es ca ta cdi? Direi que o poder corrompeu-os, obnubilou-lhes a noção de que "estão" simplesmente no poder, estão de passagem. Razão suficiente para escutarem quem sabe, tem experiência e deu provas de excepcional dedicação ao serviço de Cabo Verde e dos cabo-verdianos.
    De entre as várias propostas e sugestões, sublinho a imperiosa necessidade de despartirizar completamente o funcionalismo público.

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