CRÍTICAS E DICAS À BOA GOVERNAÇÃO (2)
Entre nós, em Cabo Verde, as pessoas têm consciência e aceitam que o país vive problemas graves, que é preciso mudar as coisas, mas ninguém, no campo dos decisores, está com grande vontade de mudanças significativas. Quando se “reforma”, esta é travestida para se continuar no imobilismo preguiçoso. Nem sequer é discutida com a profundidade devida, como, por exemplo, aconteceu com a chachada da Cimeira sobre a Descentralização e Regionalização do País, organizada pelo Governo sem a participação dos elementos que propuseram o seu estudo e até publicaram um livro sobre a matéria. Sem descentralização/regionalização o poder central não terá capacidade para controlar tudo; deverá, portanto, delegar certas funções e poderes às regiões cujo cumprimento de execução controlará. As reformas do Estado levam tempo e devem começar com a definição das funções do Estado e das suas instituições para que esse universo seja gerido da forma mais racional e eficiente possível.
Já me referi bastas vezes à necessidade da responsabilização dos decisores e funcionários públicos, com penalização politica para quem não sabe gerir orçamentos e é negligente. Nos Estados de verdadeiro Direito Democrático, quem não cumpre por ignorância, incompetência ou negligência, é penalizado: exoneram-se ministros e funcionários superiores e as empresas executantes de obras públicas respondem pelos erros. Veja-se, por exemplo, o que aconteceu aos responsáveis pelo abatimento da ponte na Boavista, pela destruição de grande extensão da estrada alcatroada para o Tarrafal, em S. Nicolau, com o erro cometido na Barragem da Fajã, quando a população da região avisou os engenheiros de que a água das chuvas que se colecta nessa região desaparecia de um dia para o outro, tendo estes rido desses “ignorantes”, os quais, afinal, tinham o saber da experiência; a destruição das obras na Lajinha em S. Vicente com as últimas chuvas. Absolutamente nada, não obstante pessoas idóneas e competentes terem, antes das obras, sugerido outras soluções e criticado a falta de diálogo com a sociedade civil. Como entender, em Direito e Democracia, que governantes desviem verbas destinadas às ilhas para uma única, a de Santiago, e nada acontece? Até parece que o crime e a asneira compensam. Obviamente, que, assim como se deve penalizar, também há que premiar o bom gestor do Estado.
Porque será que a maioria das empresas públicas funciona mal com prejuízos avultados ou entram em falência? Se as contas e os objectivos fossem auditados por entidades externas a todos os níveis do Estado, seguramente, que tais desmandos não aconteceriam. Para que as empresas e actividades do Estado sejam avaliadas, necessário será que se definam metas a tingir, objectivos e indicadores pertinentes. O Parlamento tem de poder proceder a uma fiscalização total das contas públicas e das responsabilidades actuais e futuras do Estado, não em teoria ou somente definidas em lei, mas na prática, dando o governo resposta mais ou menos célere às perguntas e solicitações dos deputados. Porque será que o Estado gasta tanto dinheiro com consultorias de escritórios de advogados quando tem gente qualificada nalguns Ministérios e no Parlamento?
Os diferentes governos têm dito apostar no turismo, embora não se veja muita vontade nessa aposta e os benefícios recaírem nos hotéis estrangeiros. Tem-se permitido que estes importem tudo que consomem, quando o consumo deles poderia servir de estímulo para desenvolver a produção nacional agrícola, pecuária, da pesca, e quebrar o marasmo do comércio, como bem assinalou o guineense Carlos Lopes, secretário-geral adjunto da ONU, economista e sociólogo, conhecedor da nossa realidade. Para isso há que controlar os preços das produções nacionais que só têm beneficiado intermediários parasitas e produtores glutões, não quem produz com sacrifícios. Não se compreende porque um quilo de papaia custa trinta escudos e menos no produtor e a encontramos no mercado a duzentos, a água mineral nacional ao preço ou mais cara do que a importada, que se importe batata inglesa e fruta, destinada na Europa à alimentação de porcos e bovinos ou à produção de sumos, para consumo humano. Há que favorecer a criação de empresas de produção e comercialização dos nossos produtos de modo a curto-circuitar a cadeia de intermediários parasitas, que nem impostos pagam, exigir qualidade e preços competitivos – muito inferiores aos produtos similares importados - aos nossos produtos. Se produzíssemos a preços competitivos produtos de qualidade aceitável, iriamos diminuir as importações, e, com o tempo, incrementar a produção, criar novos postos de trabalho e até exportar. Sugeri em artigos passados o aproveitamento e valorização das nossas belezas naturais e da nossa culinária, com visitas guiadas a certos sítios de diferentes ilhas (vulcão do Fogo, Fajã d´Água, Monte Gordo, Ilhéus Raso e Branco, Baía das Gatas, Tarrafal de Santiago, Cidade Velha, Paul, Ribeira Grande e Ribeira da Cruz, etc.) e introdução dos pratos regionais (catchupa simples e guisada com linguiça da terra, djagacida, xerém e rolon com carne de porco e manteiga de garrafa foguense, feijoada com feijão congo e cachupinha com linguiça da terra, caldo de peixe, peixe grelhado, moreia frita, modge de S. Nicolau, queijo de cabra e doçaria diversa) na ementa de hotéis, pensões e restaurantes, valorizando-se os recursos endógenos.
Fala-se ultimamente na melhor utiliização das remessas monetárias dos emigrantes (10 a 12% do nosso PIB). Que não se limite somente às suas remessas, se invista também na discriminação positiva em tudo que facilite a vida dos emigrantes e os atraia a contribuir cada vez mais, desburocratizando o que se refere às suas iniciativas nacionais produtivas, com benefícios fiscais quando utilizam as suas poupanças em actividades produtivas transaccionáveis, criadoras de empregos ou que limitem importações; criar estruturas culturais e de apoio efectivo nos consulados e embaixadas e atribuir direito aos emigrantes de participarem, votando, nas eleições autárquicas, dado que, mesmo de longe, todo o emigrante vive intensamente os problemas da sua ilha. Com essas medidas aumentar-se-ia, seguramente, a participação dos emigrantes na gestão da coisa pública e progresso da sua ilha.
O nosso Estado perdeu funcionários sabedores, experientes e capazes no início da independência, algum tempo depois, no governo do MpD, quando se facilitou a saída de outros por reforma antecipada, transferências para postos pouco atractivos, aqueles que, independentes ou não comungando dos mesmos ideais políticos do governo, seriam mais capazes, com rigor e independência, para defender os interesses do Estado, não tendo sido substituídos por gente de igual valia. Por isso o Governo vê-se obrigado a recorrer a consultores e assessores, “alguns mercenários sempre prontos a defender um e o seu contrário, outro e o seu adversário”. Há que haver despartidarização da Função Pública de modo a que os funcionários públicos continuem a ocupar os seus postos depois da mudança de governos, na base da competência.
É indispensável que o Estado passe a escutar e dialogar com pessoas sensatas e experientes das diversas ilhas. Afinal, o Estado somos nós, uma forma de organização da vontade colectiva. Precisamos de ter elites no Estado a pensar o Estado, e não, como vem acontecendo, a pensar para os partidos políticos, para outros interesses utilizando políticas de remendos. A fidelidade dos funcionários e deputados deve ser connosco, com o povo, não tanto com o governo ou os partidos.
Parede, Outubro de 2016 Arsénio Fermino de Pina
(Pediatra e sócio honorário da Adeco)
Last but not least !!!
ResponderEliminar"Depressa e bem não hà quem"
Na minha precipitada escolha, ou melhor, no embalo da leitura do primeiro texto do Arsénio, esqueci de citar um "jovem politico" e um "tarimbeiro", dois dedicados filhos de nôs terra, embora em ritmo diferentes.
Para fazer justiça e porque não tenho medo nem preciso de manteigar cito aqui José Fortes Lopes e Luiz Silva.
C'est dit.
Vàrias vezes em outros lugares tenho falado da necessidade de um Departamento do Plano onde se havia de colher e estudar a aplicação de tudo quanto referisse à estrutura geral da Nação. E as sugestões do Arsénio me confortam na minha ideia.
ResponderEliminarO Arsénio, com estes artigos, revisita o acervo de propostas e sugestões que ao longo de muitos anos dirigiu ao poder político em Cabo Verde, mas sem que alguma vez tenha sido ouvido. Como ele costuma dizer, Es ca ta cdi.
ResponderEliminarA pergunta que desde logo ocorre é: Porque é que Es ca ta cdi? Direi que o poder corrompeu-os, obnubilou-lhes a noção de que "estão" simplesmente no poder, estão de passagem. Razão suficiente para escutarem quem sabe, tem experiência e deu provas de excepcional dedicação ao serviço de Cabo Verde e dos cabo-verdianos.
De entre as várias propostas e sugestões, sublinho a imperiosa necessidade de despartirizar completamente o funcionalismo público.