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quarta-feira, 2 de novembro de 2016

[9871] - CARTA DA AMÉRICA...

COMENTÁRIO AO POST Nº 9858 E ÀS INQUIETUDES DE UMA MENINA DE 
FAJÃ DE CUMES - SANTO ANTÃO...



Olá, Menina de Fajã dos Cumes/ Pé de Neva

Fiquei muito sensibilizada com tua crónica sobre o lugar onde nasceste,  quase a tocar os céus!  Bela descrição feita com coração e sensiblidade. ao mesmo tempo, descrevendo o bravado dos alunos que desciam montes  e vales para adquirirem mais escola que os havia de fazer singrar na vida! 
É que eu também sou da majestosa Ilha de Santo Antão, que eu amo e admiro  e auguro que algum dia tenha "seu lugar ao sol", quando for realmente descoberta para o turismo!
Outro aspecto da tua crónica  que me ligou a ti foi a reminiscência dos anos de caminhada pelas ribeiras da ilha, em demanda de explicadores nas vilas da Ponta do Sol e da Ribeira Grande. 

No meu tempo de estudante, em Santo Antão, a escolaridade ia até a 4ª classe do ensino primário. Nessa altura tinham introduzido um ano mais acima da 4ª classe, o de "admissão aos liceus", que se estudava fora e ia-se fazer o exame no Liceu Gil Eanes, em São Vicente.
Do Terreiro eu  ia todos os dias até o Tarrafal onde assistia explicação  pelo meu professor, Manuel Coutinho, aluno brilhante do liceu à espera de oportunidade de ir continuar os estudos em Portugal. Depois de prestar provas em MIndelo, regressei a casa, ciente de que eu iria para o Liceu. Mas não aconteceu. Meus pais não concordaram em enviar uma criança de 11 anos a viver em São Vicente por si mesma. Senhor Coutinho anuiu en explicar-me o primeiro ano do liceu. No segundo ano, passei a ir com um grupo de crianças e jovens da Povoação para a Ponta do Sol onde os irmãos Brigham Gomes tinha iniciado um curso de explicações para alunos do liceu. 

Todos as manhãs, antes das 7 horas, saía com os Caldeira Marques para a caminhada a pé para a Ponta do Sol .Terminadas as aulas às 12 h,  dentro de uma hora regressávamos a casa. Entretanto no ano seguinte, João Morais abriu um curso de explicações na Povoação. Isso beneficiou muito os alunos da vlla e das ribeiras, por estar mais perto .  De Fachoca, de Coculi, de Chã de Pedras. das montanhas circumvizinhas,  todos caminhávamos de manhã para a escola: uns a pé, outros de burro, de mula, a fazer "quartos" uns, enfim. Éramos um grande grupo. Sacrificio? Ninguém pensava nisso, mas na oportunidade de atingir nosso alvo, pois queríamos alcançar nossos sonhos de ser alguém. Além disso criaram-se belas amizades que continuam até hoje, não falando das traquinices pelas ribeiras de jovens despreocupados a caminho dos seus sonhos... 

Como no passado, gerações anteriores à  minha, também prosseguiram estudos em Portugal, antes mesmo de haver o Liceu en São Vicente. Familias sacrificavam-se a mandar filhos e filhas a estudar em Lisboa. Dessa geração surgiram medicos, engenheiros, professores, agrónomos, funcionários públicos que serviram a terra e as colónias por anos a fio, enaltecendo o espírito do desejo de  conhecimento do santantonense, perseverança na adversidade, mesmo calcorreando aquelas ribeiras pedregosas e montanhas  íngremes -- mas sem desvanecer, pois em cada um de nós havia  o desejo de vencer -- qual espírito firme com as rochas altaneiras de Santo Antão, minha Ilha querida!

Bem hajas, menina de Fajã dos Cumes!  Singraste! Que outros sigam teu exemplo! 

Manuela Chantre de Barros (Nov.1,2016,EUA) 

Através de Valdemar Pereira  

2 comentários:

  1. Manuela Medina Chantre de Barros ou Manuela Chantre. Lembrem-se da ex-aluna do Liceu Gil Eanes? Prima dos irmãos Marques da Silva (Lulu, Djosa, Tony e Manel de Nhô Césa) é a filha do nosso ilustre professor Dr. Gregorio Chantre é, portanto, prima do Dr. Guilherme Chantre, professor que foi também do liceu e depois da Escola Técnica.
    Peço desculpas à Madame de Jorge Barros em não ter pedido a devida autorização para trazer a carta que enviou à sua (nossa) conterrânea.
    Como não estaria a ilha dos Duartes Silva, dos Januàrios e de tantas outras Familias ilustres (do passado e contemporâneas) se a ela fosse dado a devida atenção e o quinhão a que tem direito se houvesse equidade nas partilhas?

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  2. Se a crónica da menina de Fajã dos Cumes nos comoveu, esta da Manuela Chantre vem trazer-nos mais algumas centelhas de emoção. Com as suas próprias vivências, em que se revêem muitos santantonenses de tempos de diazá, evoca aquilo que cada vez mais vai ficando delido na memória colectiva. Tuto isto tem de ser constantemente recordado e comentado, porque caso contrário as gerações actuais e as futuras jamais se convencerão de que antigamente tínhamos mesmo de driblar as pedras dos caminhos montanhosos em demanda dos nossos sonhos.

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