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sábado, 5 de novembro de 2016

[9879[ - UM NOVO EVANGELHO...


Sobre a Oficialização do Crioulo segundo Manuel Veiga

     O Senhor Manuel Veiga (MV), ex-Ministro da Cultura do regime do PAICV, um natural de Sª Catarina (julgo) de Santiago, deu uma extensa entrevista no Expresso da Ilhas sobre a oficialização do Crioulo e a problemática das línguas em Cabo Verde. Recorde-se que MV tem trabalhado sobre esta questão e é considerado um dos mentores do ALUPEK e da oficialização do crioulo de Santiago, situação que já é de facto uma realidade.
      Não é meu objectivo iniciar um debate sobre a problemática, porque não sou especialista nesta área, ao contrário de outros mais bem colocados para o fazer. Contudo, quando leio jornais, como foi o caso desta entrevista, não posso reter os meus comentários sobre questões de âmbito político. Para além do mais, esta é uma matéria muito complexa e sensível, na medida em que nenhum cabo-verdiano ou amante de Cabo Verde poderá um dia imaginar este arquipélago sem os seus crioulos, as suas sonoridades que os caracterizam e que os distinguem uns dos outros e do resto do Mundo. Também ninguém pode conceber Cabo Verde de costas viradas para a língua portuguesa, como alguns fundamentalistas pretendiam e continuam a obstinar, como se a língua pudesse servir de motivação para complexos libertários em relação à ex-metrópole colonial. Portanto, os que acusam de reaccionários ou “cães de dois pés” os cidadãos que pedem contenção e ponderação em matéria de tanta delicadeza e importância para o futuro de Cabo Verde, procedem assim por se julgarem paladinos da verdade, convencidos de que a defesa do crioulo é a principal, se não a única, via para a afirmação do nacionalismo cabo-verdiano.
     Segundo MV, "É uma aberração o crioulo (de Santiago, anotação minha) não ter sido ainda oficializado. Mas, de facto, o crioulo (de Santiago, anotação minha) já é língua oficial, porque já está no espaço da oficialidade. No Parlamento fala-se em crioulo (de Santiago, anotação minha) e depois a acta é lavrada em crioulo (de Santiago, anotação minha), fala-se crioulo (de Santiago, anotação minha) nas rádios, nas televisões, etc. Portanto, o crioulo (de Santiago, anotação minha) está conquistando o espaço da oficialidade a cada dia que passa. O que falta agora é o reconhecimento jurídico e não será uma oficialização pontual, estática, mas uma oficialização em construção."
     Efectivamente, a ofensiva do ALUPEK tem seguido, nos últimos anos, embora imperceptivelmente ou discretamente, a todo vapor, já não se confinando à ilha de Santiago, o seu berço, alastrando-se, por imposição oficial, pelas ilhas onde teve e continua a ter oposição. De resto, segundo consta, já se ensina oficialmente em S. Vicente em Alupek e no crioulo de Santiago, não se respeitando assim o crioulo autóctone falado nessa ilha. A tarefa é facilitada pelo centralismo reinante, com o apoio tácito do Estado e dos partidos do arco do governo, que de resto estão de acordo quanto ao apoio parlamentar para a implementação desta reforma linguística. Com efeito, os seus mentores têm a seu favor, como sempre tiveram, o efeito induzido pelo centralismo, mercê da concentração na capital dos diversos meios de comunicação social do país. Se a comunicação oral através da televisão e da rádio tem no crioulo de Santiago o seu único instrumento, calcule-se quão fácil é influenciar os espíritos e lavrar de mansinho uma campanha insidiosa a favor do crioulo desta ilha.
     Inclusivamente, ainda não há muito tempo, durante a campanha eleitoral para as legislativas (Julho de 2016), o candidato (do actual partido do poder, O MPD) à reeleição da Câmara Municipal de S. Vicente, Augusto Neves, teve que retirar à pressa, depois de protestos, um cartaz de campanha escrito em crioulo de Santiago e ALUPEK. Para quem tinha dúvidas, esta é a prova mais que evidente, que até mesmo as eleições municipais, que têm um carácter eminentemente local, são, hoje, planeadas e decididas na Praia, com os candidatos locais a serem puros fantoches dos partidos sediados na capital. Aquele incidente não deixou de ser um acto de desrespeito para com a população de S. Vicente, ainda mais vindo do próprio candidato da câmara, prova bem real de que o centralismo já nem se coíbe de disfarçar o seu rosto odioso, e que o MPD e o PAICV, os dois partidos do poder em Cabo Verde, em matéria de centralismo estão de mãos dadas, diferindo somente no método da sua imposição.
     Mas, voltando à entrevista, convenhamos que MV só diz aquilo que lhe interessa e se limita a generalidades, pouco se importando com as consequências nefastas para o país que advirão do enfraquecimento das competências linguísticas em português. Sim, só um ingénuo não reconhece que a promoção a todo o custo do crioulo vai a curto prazo acarretar aquela consequência. 
     A primeira coisa que se lhe pode perguntar é quem fala hoje correctamente e correntemente o português. Parece que já nem nas escolas se fala esta língua, a ponto de os estudantes saírem sem as mínimas competências linguísticas orais e escritas para ingressarem nas universidades. Acontece que hoje, praticamente, só as elites que aprenderam a língua portuguesa noutros tempos, a dominam. Essa elite é composta por intelectuais, ministros, deputados, enfim toda a nata cabo-verdiana bem relacionada internacionalmente com o mundo (e de preferência com Lisboa, onde são exímios em discursar na língua de Camões, não vão eles fazer má figura na ex-metrópole). Ela (a elite) conhece a mais-valia em dominar a língua portuguesa. Em Cabo Verde é outra história, continua-se a vender discursos demagógicos para consumo interno popular, sabendo de antemão que andam a vender banha da cobra: O povo “liberto” não precisa sequer de aprender, nem de ler na língua portuguesa pois há abundância de literatura em “lingu maternu”, onde se aprende, se educa e se cultiva. Ao povo basta-lhe, pois, o crioulo e mais nada. Contudo, os filhos da elite podem e devem cultivar 4 ou 5 línguas, a começar pela portuguesa, pois dispõem de privilégios que são inacessíveis ao cidadão comum. 
     Outra questão pertinente é saber como resolver a situação de usar simultaneamente duas línguas, o crioulo (de Santiago, anotação minha) e a língua portuguesa, multiplicando os custos por dois, ou se progressivamente irá sendo eliminada a língua portuguesa do panorama linguístico, na sequência, aliás, da menorização a que vem sendo votada desde há algumas décadas. Quanto esta “ignorância” vai custar a Cabo Verde? Onde está o dinheiro? Quem vai pagar os custos desta atabalhoada e extemporânea soberania linguística? Qual é o Plano B quando tudo descarrilar? Portanto, MV fala do crioulo no abstracto sem concretizar nem esmiuçar os problemas, o que é muito típico em Cabo Verde, um país que continua a viver num ambiente de irresponsabilidade e facilitismo, onde tudo é permitido uma vez que o dinheiro vem de fora, sem avaliar os custos reais e as implicações das opções políticas. Por outro lado, qual a variante do crioulo de que estamos a falar?! Terão as variantes do Norte de Cabo Verde o direito de existência no quadro desta cavalgada “sem djobê pa lado” (expressão do crioulo de Santiago que significa “não olhar para o lado”), ou estarão elas condenadas à morte?  Ele mesmo, MV, sabe que há variantes do crioulo (as 9 ilhas habitadas deste arquipélago) que têm todas o mesmo direito à existência e que em momento algum passaram procuração a quem quer que seja, linguista ou governo, para se falar em nome delas. Muito menos para se suicidarem para que seja clamada uma suposta “lingu maternu” como a língua oficial de Cabo Verde. Só democratas de conveniência poderão passar por cima das diferenças culturais em Cabo Verde e omitir a realidade dos variantes do Crioulo. 

4 de Novembro de 2016
 José Fortes Lopes

6 comentários:

  1. A lingua é uma questão essencialmente politica. Não ha' colonizaçao sem a imposiçao da lingua, o que bem dizia os teoricos da colonizaçao espanhola nas Américas. E' o que pretende Manuel Veiga ao impôr dum lado o crioulo de Santiago e alupec. Pode o Manuel Veiga explicar da necessidade do alupec (fonologico) em substituiçao da escrita do crioulo (etimologico). Sera' que toda a historia de Cabo Verde escrita no crioulo etimologico por Eugénio Tavares, B.Leza, Jotamonte, Pedro Cardoso, Baltasar Lopes, Luis Romano, Gabriel Mariano vai ser reescrita em crioulo fonoligico (alupec)? Sera' que essa gente letrada do latim ao português não sabia escrever o crioulo? Parece-me, que pretender impôr o alupec e oficializar o crioulo de Santiago, ser um insulto à nossa cultura poética e literaria consagrada ha' mais de cem anos. Vi na Praia a deturpaçao da escrita do Eugénio Tavares junto a cidade: "SI KA BADO KA TA BIRADO". Assisti em São Vicente uma manifestaçao violenta contra o Manuel Veiga no Centro Cultura do Mindelo sobre o alupec. Creio que Cabo Verde não aguentaria mais uma crise divisionista que entende impôr o Manuel Veiga e o seu grupo. No crioulo etimogoico cantamos Cabo Verde a morna no crioulo etimologico ja' anda pelo mundo fora livre e autonoma. As mornas que serão apresentadas na Unesco serão alteradas na sua escrita? Longe disso. A identidade das ilhas do Norte tem de ser respeitada por qualquer governo que defenda a unidade nacional, na sua diversidade, enriquecedora. Obrigado Djô por esta intervençao patriotica.

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  2. O artigo do José é mais uma achega ao nosso argumentário sobre esta delicada mas tão desnecessária questão linguística que alguns patrícios de Santiago se lembraram de desencantar. Como bem observa o José, o seu principal protagonista, Manuel Veiga, não parece ter em conta as reais consequências da sua pretensão. E uma delas, entre outras que serão verdadeiramente gravosas, será a "crise divisionista" que se instalará entre os cabo-verdianos, por causa de um problema que se só se levanta
    por vaidade e egocentrismo de alguns.

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  3. Quanta hipocrisia !!!
    Vi hoje no "expressodasilhas" uma entrevista onde o ex-ministro Manuel Veiga, o que cometeu a felonia, fala, entre outras coisas, da publicação de mais um livro em lingua portuguesa que ele quer fazer desaparecer subrepticiamente das escolas nacionais. Imaginem ! Ê que assim é melhor para o ego e para comerciar. Pudera, em alupec não ganharia galões para qualquer prémio na lusofonia nem teria leitores.

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    1. OPS.:
      Felicitações, Djô. De ti não esperava outra coisa.
      Força !!!

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    2. Utilizaste bem o termo, Val: hipocrisia. Certamente que em badio/alupek ninguém o vai ler. E, ironia das ironias, desconfio que nem os santiaguenses.

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  4. Amigos thanks pelos comentários. Estamos sempre juntos!!!

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