(Nova Sintra - Brava - Cabo Verde)
Quando, em 1960 regressei ao Mindelo, depois da minha aventura por terras de Angola, não tinha nenhuma ocupação profissional à minha espera pelo que, quando me acenaram com um emprego de encarregado de secretaria da Brigada de Estradas que, na altura, se ocupava na azáfama de romper a golpes de dinamite a estrada para a Fajã d'Água (Brava), onde se comiam as melhores mangas roxas do universo, não pensei duas vezes...
Até aprendi a trabalhar com o teodolito e a fazer mapas com curvas de nível e tudo...
Não sei porque razão, eu pensava com muita frequência naquela aventura dos meus pais que, quase vinte anos antes, havia redundado num fracasso chamado Bar Restaurante Atlas...Um dia contei a história à minha sogra Djêdjê e, para meu espanto, no dia seguinte ela dizia-me que, se eu quisesse abrir um restaurante em Vila Sintra, ela me financiaria...
Poucos meses depois, com mobiliário desenhado e produzido localmente e louça, talheres, toalhas etc., mandados vir da Praia, inaugurava-se, com pompa e circunstancia, o Bar-Restaurante Atlântico, num sobrado recuperado para o efeito e que constava de sala de jantar, sala de jogos, e bar com música da boa proporcionada por um móvel rádio com gira discos que eu havia trazido de S.Vicente e era uma novidade importada pelo meu pai da Inglaterra, da marca Philco...
Uns meses antes, estava eu ainda no Mindelo, quando o José Almeida, mais conhecido por Djô ou Djô de Mari'Roque vindo dos States para onde tinha emigrado há muitos anos, me trouxe uma preciosa colecção de discos de vinil de um musico-compositor de origem cabo-verdiana, editados pela discográfica em que ele próprio trabalhava...Tratava-se de Horace Silver (Horácio Silva) que, pouco tempo antes tinha arrecadado um prémio de melhor intérprete de "jazz"...
Era normalmente esta musica que animava o ambiente do Bar, que abria às 17H00, depois de eu acabar o meu dia laboral na Brigada de Estradas, para atender uma freguesia na sua maior parte representada por reformados regressados de uma vida de trabalho árduo nos EUA, que por ali se mantinham horas, "contando passagem" e beberricando várias doses de "grog-orange" (aguardente de cana com concentrado de sumo de laranja)...Tudo corria bem ou, pelo menos, razoavelmente quando, uma tarde, cerca das 18H00, me apareceu, na magestade do seu metro e sessenta, Nhô Djon, ou Pá Djón para os familiares...A esta figura emblemática da Ilha Brava já aqui nos referimos, em postagem de 8 de Maio de 2013 (ainda não numerada) e sob o titulo de "O Último Patriarca"...
Como era de esperar, mal o Senhor João Maria Feijóo entrou, logo debandaram os clientes presentes pois seria da maior indelicadeza beber - ainda por cima álcool - na presença do velho senhor!
Impávido, acenando uma saudação com um leve inclinar de cabeça, Pá Djón entrou, sentou-se numa cadeira, mesmo ao lado do móvel onde o gira-discos, alimentado a bateria, debitava o virtuosismo de Horácio Silva...De perna traçada, chapéu preto sobre o joelho e olhar distante, manteve-se imóvel até ao fim do disco, cerca de dez minutos mais tarde...Perguntou-me se podia colocar outro, o que fiz e, quando próximo das 19H00 se levantou para ir jantar, respirei aliviado mas, nessa noite, não apareceu mais ninguém, nem para beber um copo de água...
No dia seguinte, quando cheguei para abrir o Bar, fiquei gelado ao dar com Pà Djón à minha espera..."Vim ouvir mais um pouco daquela música esquisita..."
E ouviu, disco após disco enquanto os eventuais clientes assomavam a cabeça, viam Nhô Djón e davam meia volta, descendo a escada que dava acesso à rua...Passei a ser o meu único cliente e, uma tarde, até servi um refresco de groselha ao idoso melómano que, afinal, me estava a dar cabo do negócio!
Nova Sintra, como anos antes havia acontecido no Mindelo, também não tinha clientela para um Restaurante que, por sinal, teve a sua coroa de glória quando foi convidado a servir um jantar ao então Ministro do Ultramar, Dr. Adriano Moreira, comitiva e convidados, em Agosto de 1962...
Passados todos estes anos, dou graças a Deus por nenhum dos meus filhos se ter lembrado de abrir um Restaurante que, na certa, não daria certo...Espero, também, que nenhum dos meus netos o tente...
Mais um episódio curioso das aventuras do Zito na nôs terra. Dá mesmo gozo ler, por muitos e óbvios motivos, o primeiro dos quais é a inigualável singularidade de tudo o que se passa em Cabo Verde, ainda por cima na ilha do Sal. Mas o Zito não explica a razão por que os clientes fugiam de Pá Djón. Ele representava o censor dos costumes, neste caso vigiando o consumo de álcool?
ResponderEliminarSe o Adriano se der ao incómodo de ler o post de 8.05.2013, O Ultimo Patriarca, ficará a conhecer melhor o Nhô Djón, decerto um guardião do respeito e dos bons costumes...E, a coisa passa-se na Brava e não no Sal......
ResponderEliminarOlá Zito!
ResponderEliminarTenho igual curiosidade...
Gostei muito de conhecer este retalho de vida; assim como o anterior, esse tendo os seus pais como protagonistas. Aquela fotografia, quantos sonhos e receios povoavam naquele momento o espirito dos empreendedores. E os meninos com os amigos cães, que ternura...
Sabe que eu (nós) passámos por situações identicas algumas vezes, e depois foi: - " e tudo o vento levou..." Levou, e deixou as marcas e os prejuísos, e alguma tristeza e frustração também.
Mas, em frente, que atrás vem gente...
Zito, como eu gostei de o ouvir cantar. Tinha uma voz muito bonita. E diga-me nunca tentou fazer carreira com esse predicado? Foi pena. E aquela foto é também da mesma época?
Tudo tem seu tempo certo, é bem verdade.
Abraço, e bom Domingo.
Dilita
Obrigado, amiga...Sempre simpática e solidária, à moda antiga! Tenho o maior prazer em partilhar com as pessoas estes pedaços da minha já longa passagem pelo mundo pois assim me sinto menos só e renovo as minhas esperanças no curto futuro que me resta...
EliminarCantar foi coisa de alguns anos, muito mais tarde do que a foto do Restaurante de meus pais...As musicas que se ouvem agora aqui, foram gravadas em 1969, na antiga Emissora Nacional, estava eu de férias em Portugal com a família...Cantava por gosto e nunca pensei fazer carreira...Eram outros tempos e as minhas perspectivas de vida orientavam-se noutras direcções...Infelizmente, os chamados "ventos da História" encarregaram-se de me vedar caminhos que eu teria percorrido, mesmo sem meta à vista!
Um abraço
Zito
Isto é uma história e pêras!... Eu já nem perco tempo com este mucim, porque ele não me ouve, mas história a história enchem os livros o papo e estas davam um book verdiano que toda a gente nas ilhas havia de gostar de ler, O que se coloca no éter da internet é muito bonito mas não há nada como o papel, aquele produto com tchêr, que se pode folhear. Ó Zito, bô uvi? Zitooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo, bô uvi rapaz?
ResponderEliminarBraça à espera... sentado,
Djack
Tá bem, Djack...Tá bem! Talvez eu acredite menos em mim do que o amigo ou me falte coragem para dar o passo necessário...Infeliz, ou felizmente, vou deixar o trabalho de "part-time" que me complementava a magra reforma o que me vai deixar mais tempo livre para reorientar o tempo que me resta desta maratona de tantas ladeiras...Vamos a ver!
EliminarObrigado, amigo!
Zito
Quer dizer:
ResponderEliminarO único restaurante com êxito dos é o "ARROZCATUM"... Oxalá não apareça por lcá spiirit de Pa Djón...!
"dos Azevedos"
ResponderEliminardigo
ResponderEliminar"dos Azevedos"
Não sei o que me levou a escrever "Sal" em vez de "Brava". A mente tem destas coisas.
ResponderEliminarFico com curiosidade de revisitar o post sobre o Pá Djón, que deve ter sido uma pessoa que se impunha com a sua simples presença, a ponto de intimidar os apreciadores de grogue.
Quanto aos atributos vocais do Zito, acho que ele ainda está a tempo de gravar um CD. A idade por vezes até aprimora a voz, se bem que a antiga não precisa. Quanto ao livro de memórias, concordo com o Djack.
Já fui ao post antigo que fala do patriarca Pá Djon. Gostei de ler. Gente antiga, com as suas virtudes mas também com os seus preconceitos de pedra e cal. Folgo saber que o Zito teve este exemplar avô por afinidade familiar, de que se recorda certamente com saudade e respeito.
ResponderEliminarSim Adriano, recordo-o com saudade, com respeito e com admiração...Apenas com o seu curso do Magistério Primário, aprendeu à sua custa a projectar e fazer calculos de construção civil e meteu ombros à tarefa, que muitos julgavam impossivel, de rasgar uma estrada entre o Porto da Furna e a Vila de Nova Sintra...Era um espírito introspectivo mas aberto às novidades tecnológicas...Ficou encantado quando lhe revelei o sistema de fazer cópias de projectos em papel ozalid, graças ao papel vegetal, à luz solar e aos vapores de amoníaco...A partir desse dia, deixou de ser necessário desenhar o mesmo projecto DUAS VEZES, para apresentar na Câmara, em duplicado Encheu-me de felicidade detectar o olhar de espanto e de gratidão ostentado pelo velho PATRIARCA, ante aquele "milagre" da ciência!
EliminarSaudações amigas...
Eu não digo? Eu não digo?...
ResponderEliminarDjack