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domingo, 18 de setembro de 2016

[9690] - TRAIÇÃO POR FIDELIDADE...

“Traição por fidelidade”
António Jorge Delgado

Estou muito satisfeito com a grande vitória do MpD nas últimas eleições autárquicas. Mais satisfeito ainda com os resultados conseguidos pelo candidato Augusto por saber que ele ganhou as eleições em S. Vicente sem precisar do meu voto. Reli, há poucos dias, o texto do grande filósofo francês Raymond Aron intitulado “fidelidade dos renegados”, leitura que me proporcionou um enorme conforto espiritual ao clarificar e facilitar o caminho que eu haveria de seguir no mais recente processo autárquico que decorreu no nosso país, fundamentalmente no tocante à escolha da pessoa que iria conduzir os destinos do município de S. Vicente nos próximos quatro anos. Nesse texto, resumidamente e para simplificar, dizia ele que tinha dificuldades em entender o “mistério” que levava certos intelectuais de valor reconhecido a pôr muitas vezes em causa a sua inteligência, os seus valores e os seus princípios, tudo em nome da fidelidade a uma determinada ideologia ou a uma determinada pessoa. Utilizando um exemplo mais próximo de nós diria que se eu tivesse votado no candidato proposto pelo meu partido à Câmara Municipal de S. Vicente estaria a cometer aquilo que Aron caracterizou como sendo “traição por fidelidade”. Explicando melhor: Mesmo sabendo eu que o candidato do meu partido havia tomado decisões capazes de configurar crimes urbanísticos altamente condenáveis; mesmo reconhecendo os tiques autoritários do candidato apoiado pelo MpD; mesmo não tendo bases para negar suspeitas graves de corrupção que circularam ou circulam na ilha à volta dessa figura, por fidelidade ao meu partido, deveria votar nesse candidato pondo em causa, ou melhor, traindo a minha própria consciência. Não fiz isso e estou feliz. No passado mês de Maio, um grupo de cidadãos de reconhecido mérito na sociedade mindelense, com destaque para o ex- ministro da cultura Leão Lopes, o reconhecido ativista da sociedade civil e ex-Deputado Maurino Delgado, o prestigiado Frei Fidalgo, o intelectual e homem da emigração Luís Silva, o encenador e produtor cultural João Branco, a médica Filomena Rodrigues, de entre outros, dizia eu, esse grupo de cidadãos subscreveu um abaixo-assinado através do qual denunciava uma espécie de crime urbanístico continuado que estava a acontecer mesmo no centro do Mindelo, na cara de todos e com a cumplicidade da Câmara Municipal e outras autoridades da ilha. Nesse abaixo-assinado pode ler-se o seguinte, e passo a citar: “ Há poucos dias os proprietários do Mindelhotel, com a autorização ilegal da Câmara Municipal, decidiram demolir os antigos anexos de um piso do hotel, conseguindo, do mesmo passo, a aprovação de um projeto para a mesma área, com a altura de dois pisos. O primeiro já está construí- do, embora em tosco”. Indignados, os subscritores acrescentam no mesmo documento: “Mas como se isso não bastasse, e aqui entra o interesse de todos nós, a Câmara autorizou um avanço de cerca de dois metros em relação à implantação anterior, o que faz com que o novo corpo consuma parte importante da rua em referência, ou seja, parte importante da rua que liga a Praça Nova à Marginal, pondo em causa as potencialidades dessa área como espaço público. Para além disso a ELECTRA – Empresa de Abastecimento de Eletricidade e Água – através da televisão já chamou a atenção para esse atentado que poderá condicionar o acesso a parte importante da sua rede de distribuição de energias com consequências imprevisíveis” (fim de citação). Os subscritores denunciaram ainda o facto de esse hotel ter vindo a transformar aos poucos e a seu bel-prazer a rua em referência num espaço privado utilizado quase em exclusivo pelo hotel. Para que não restem quaisquer dúvidas devo dizer que também eu subscrevi o abaixo-assinado que foi soberanamente ignorado por Augusto Neves e pela Câmara Municipal que ele presidia. Acrescento, ainda, que, neste momento, apesar da queixa- -crime apresentada ao tribunal de S. Vicente há cerca de três meses, apesar das iniciativas tomadas junto do senhor Provedor da Justiça (que, honra seja feita, tem vindo a agir), apesar da denúncia dirigida ao Ministério da Cultura, apesar de tudo isso, os trabalhos continuaram, estando já a obra praticamente em condições de ser inaugurada. Neste caso concreto, o mínimo que se espera dos donos da obra é que na altura da inauguração, num gesto de reconhecimento, não se esqueçam de enviar convites a algumas das autoridades referidas, pela tolerância e pela compreensão demonstradas. Garanto, desde já, que, pelo conhecimento que dele tenho, o Sr. Provedor da Justiça não hesitará um minuto que seja quanto à necessidade de devolver com urgência o convite à procedência. Com tudo o que ficou dito, votar no candidato Augusto Neves em nome dos interesses do MpD não seria outra coisa senão “trai- ção por fidelidade”. “Traição por fidelidade” seria ainda votar numa figura que enquanto Presidente da Câmara, dias antes de se apresentar como candidato, havia acabado de aprovar um projeto que, se for executado, acabará por decretar a “sentença de morte” ao antigo consulado Inglês, um dos edifí- cios mais importantes e representativos da presença inglesa em S. Vicente. Sei que outras ameaças sob a forma de projetos pairam sobre o centro histórico do Mindelo, alguns deles contando já com a aprovação do Augusto Neves. Espero que o Ministro da Cultura assuma o seu papel como responsável principal pela salvaguarda do Património Cultural de todos nós que é, e que a justiça cumpra o seu papel. Como cidadão cumprirei o meu. São mais que muitos os crimes urbanísticos que vêm acontecendo no centro histórico do Mindelo Foi por isso que falei em crime urbanístico continuado numa área que por força da resolução número 6/2012, de 16 de Janeiro de 2012, publicado no BO nº 6, I série, foi classificada como Património Nacional. Essa resolução retira à Câmara Municipal qualquer competência para autorizar sozinha toda a intervenção capaz de alterar o espaço físico do Centro Histórico, transitando essa competência para a estrutura governamental responsável pelo sector da cultura. Enquanto não se mudar a lei não há volta a dar: Compete ao Governo, ouvida a Câmara Municipal, autorizar ou impedir qualquer intervenção que se pretenda fazer nessa parte da cidade. O Presidente da Câmara de S. Vicente finge ou não sabe que as coisas não podem ser feitas de outra forma. O Presidente tem que saber que ele não pode desaplicar a lei por não estar de acordo com ela ou com parte dela. Ainda há poucos dias Macá- rio Correia, autarca de Tavira, município português, perdeu o seu mandato como Presidente da Câmara e foi condenado a quatro anos de prisão por prevaricação, por ter mandado ocupar com construções terrenos de reserva ecológica da responsabilidade do Governo. Esse autarca passou por cima das competências do Governo e decidiu como se fosse o dono de tudo. E pagou caro por isso. O Presidente da Câmara de S. Vicente tem tido mais sorte. Até agora vem agindo impunemente no Centro Histórico do Mindelo ignorando a lei, num desafio constante ao Governo e às autoridades que têm a obrigação de defender o interesse público. Termino com esta pergunta: poderia eu, em nome da fidelidade ao meu partido, votar num candidato com o perfil do vencedor das últimas eleições autárquicas em S. Vicente, sem trair a minha consciência? (in Expresso das Ilhas)

5 comentários:

  1. Rogo aos meus conterrâneos que tenham a consciência do dever, que tomem as suas responsabilidades, que metam toda a pressão para que a Justiça se faça de forma a que os problemas não sejam resolvidos pelo sistema politico/partidàrio mas sim pela vontade popular segundo as necessidades da terra preterida.

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  2. O ARQUITECTO E EX-MINISTRO ANTÓNIO JORGE DELGADO DENUNCIA CRIMES URBANÍSTICOS E PATRIMONIAIS PERPETRADOS NO CENTRO HISTÓRICO DA CIDADE DO MINDELO
    ArrozCatum publicou hoje o artigo ANTÓNIO JORGE DELGADO intitulado ""Traição por fidelidade""
    É um artigo que foi publicado na semana passada no Expresso das Ilhas. Recordemos que o autor é arquitecto já foi deputado do MPD, partido actualmente no poder e já foi Ministro da Cultura.
    Basicamente o autor diz-se muito satisfeito com a grande vitória do seu partido MpD nas últimas eleições autárquicas mas não está de todo satisfeito com a reeleição do Augusto Neves para a Câmara Municipal de S. Vicente e mesmo muito preocupado.
    Basicamente denuncia o que todos sabemos, estão a acontecer diariamente crimes urbanísticos e patrimoniais na barba cara de todos e na indiferença generalizada das pessoas e das autoridades.
    As denúncias que ele faz neste artigo sobre a Câmara são muito graves e não deixam ninguém indiferente e preocupa-nos de que maneira:
    "".......................................................................................................
    “Traição por fidelidade” seria ainda votar numa figura que enquanto Presidente da Câmara, dias antes de se apresentar como candidato, havia acabado de aprovar um projeto que, se for executado, acabará por decretar a “sentença de morte” ao antigo consulado Inglês, um dos edifícios mais importantes e representativos da presença inglesa em S. Vicente.
    Sei que outras ameaças sob a forma de projetos pairam sobre o centro histórico do Mindelo, alguns deles contando já com a aprovação do Augusto Neves. Espero que o Ministro da Cultura assuma o seu papel como responsável principal pela salvaguarda do Património Cultural de todos nós que é, e que a justiça cumpra o seu papel. Como cidadão cumprirei o meu.
    São mais que muitos os crimes urbanísticos que vêm acontecendo no centro histórico do Mindelo Foi por isso que falei em crime urbanístico continuado numa área que por força da resolução número 6/2012, de 16 de Janeiro de 2012, publicado no BO nº 6, I série, foi classificada como Património Nacional...................................................................................................................................................................................................
    Até agora vem agindo impunemente no Centro Histórico do Mindelo ignorando a lei, num desafio constante ao Governo e às autoridades que têm a obrigação de defender o interesse público. Termino com esta pergunta: poderia eu, em nome da fidelidade ao meu partido, votar num candidato com o perfil do vencedor das últimas eleições autárquicas em S. Vicente, sem trair a minha consciência?"
    Continue a ler no ArrozCatum

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  3. A população de São Vicente precisa saber de todos esses abusos de poder do Presidente da Câmara e agir em conformidade com a lei para que o mesmo seja destituído imediatamente e que o tribunal da Comarca siga, com urgência, os devidos trâmites legais com a queixa crime instaurada.

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  4. Estou de acordo e apoio toda a iniciativa cidadã para apurar responsabilidades públicas e punir quem infringe as leis da República. As coisas não podem continuar neste estado na nossa terra.

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    1. Amigo Adriano, ao aperceber-me dos abusos de poder deste e doutros autarcas, não posso deixar de os comparar aos "coroneis" brasileiros da pós proclamação da Republica até aos anos 30...Será influência das tele-novelas?!

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