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quarta-feira, 30 de maio de 2012

O ETERNO TRIANGULO - (5)


Mentiria se dissesse que a noticia do "duelo" não me afectou...Antes do mais, o apetite, de tal forma que, depois do cinema, nem sequer acompanhei a malta à padaria do Anacleto para comprar aqueles cheirosos pães de dez tostões que, depois, em casa, besuntávamos com manteiga inglesa e devorávamos em gulosas dentadas que faziam esguichar a manteiga para os cantos da boca...Depois, a ansiedade não me deixou conciliar o sono e passei uma noite desgraçada...De manhã, tinha umas olheiras como se tivesse andado a noite toda na borga, a boca estava seca e tinha a testa perlada de suor...Cheirava a café, coisa que só muitos anos mais tarde aprendi a saborear e acabei por despejar pela goela abaixo uma caneca de leite de cabra frio e sem açúcar - o ultimo desejo do condenado...
Eu já não via a Mariazinha há três dias: o Manecas disse-me que ela tinha ido passar uns dias (estávamos em férias...) a casa da prima Alzira que explorava uma horta no Mato Inglês, que dava uns pepinos que pareciam pichas de burro, alfaces e outros vegetais que, de dois em dois dias, Nhô Casimiro vinha vender na morada, aos costados de uma mula que dava pelo nome de Cleópatra, tão velha, que já  ninguém se lembrava de quem a tinha baptizado...
Passei o dia em casa mas nem consegui dormir uma sesta e quando, ao fim da tarde me fiz ao caminho parecia que estava oco por dentro e a cabeça andava-me à roda...Quase a chegar, quando a quase-noite projectava a sombra dos montes nus sobre a cidade, vi que já lá estavam todos e mais alguns, o que não me agradou muito: eu não estava à espera de um ajuste de contas com espectadores...
Cheguei, murmurei um "oi" entre-dentes e no silencio que se seguiu vimos chegar alguém, de bicicleta: era o Quirino e trazia, à garupa...a Mariazinha! Mas, com o é que ela tinha sabido? Olhei, de soslaio, para o Manecas e compreendi e ia a abrir a boca para dizer sabe-se lá o quê, quando ela, naquela voz de sereia, disse: "Eu vim comunicar que estou a namorar com o Quirino...E vocês, aproveitem estarem aqui ao pé do mar e façam o favor de se afogarem!"
O Quirino deu  meia volta à bicicleta e lá continuou, a caminho da Laginha...Nós, ficamos todos mudos...Olhámos, envergonhados, uns para os outros e, sem palavras, debandámos, cada um para seu lado...Não sei porquê mas senti-me aliviado, livre, contente e esfomeado...
Meses mais tarde, Manecas e família - incluindo a Mariazinha - embarcaram para Lisboa e perdi-lhes o rasto: nunca mais soube mais nada da Mariazinha e só voltei a ver o Manecas, numa das Festas de Confraternização dos Antigos Alunos do Liceu, em Lisboa, já andávamos pelos nossos 70 anos...
Eu e o Nhelass somos, hoje, bons amigos mas jamais comentamos os segundos de vergonha com que a Mariazinha, numa tarde de sol-posto cobriu o nosso machismo estúpido embora juvenil...Jamais esqueci a lição! Tcháu, Mariazinha!
FIM...

4 comentários:

  1. cbSinceramente não te conhecia estes dotes de romancista!!!!!!!
    Que eras de pena leve, já me tinha apercebido, agora tão leve assim...
    Espero e desejo que continues.
    Força.

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  2. Pois é, devo confessar que me dão algum gozo estes mergulhos na memoria e, a partir de factos reais, construír uma história minimamente verosimil...É natural que, outros que não tu, gostem menos mas bastam-me as tuas palavras para conforto e a réstea de algum orgulho...
    Obrigado, mano!

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  3. Estou quase sem palavras, como aqueles que leram e não comentaram. Como sabes tenho um grande gosto pela leitura e és com certeza o meu autor favorito, não porque sejas meu pai, mas porque és um génio da escrita e das emoções. Bem hajam os meus avós que te fizeram!! Um beijinho muito orgulhoso da tua filha :-)

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  4. Agora sou eu que quase fico sem palavras...Gostei muito das tuas palavras pois sei que são honestas e não de circunstancia...Ser génio aos teus olhos é coisa muito boa e ser teu autor favorito creio que será honroso para qualquer manuseador da palavra...Obrigado, filha, prometo reincidir...Como se diz agora, "um grande beijinho"!

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