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segunda-feira, 13 de maio de 2013

ERA UMA VEZ, ANGOLA - XXX...



Não sei lá porquê mas naqueles tempos (anos 1950/1960) era raro ouvir-se falar de cancros...Ou as maleitas tinham outros nomes ou, então, havia menos doenças cancerígenas que, assim, até parecem ser fruto da civilização...

Todavia, havia uma doença da qual os não-africanos tinham autentico pânico pois, além do paludismo, era o mal que mais vidas de cores-pálidas ceifava todos os anos. Referímo-nos à BILIOSA!

Esta terrevel febre atacava, principalmente os europeus depois de uma estadia mais ou menos prolongada e que fizessem um regime de toma de quinino não regular, no combate à malária.

Para além das altas temperaturas, vómitos e diarreias, o que mais aterrorizava as pessoas era o sangramento através da urina, que ia ficando cada vez mais escura à medida que a doença progredia até ficar quase negra...

Eram coisas de que eu já ouvira comentários os mais diversos, incluindo o de ser um  mal de cura difícil até nas grandes cidades e que era fatal no mato onde não houvesse um mínimo de cuidados médico-medicamentosos. Assim, quando ao de fim de três dias recolhido com "gripe" foi diagnosticada a biliosa ao Álvaro eu fiquei petrificado...Era cunhado do dono da pensão e nascido na Figueira da Foz como a irmã, tínhamos os mais diversos contactos no dia-a-dia e, ainda por cima, era um fulano que não fazia mal a uma mosca...O enfermeiro, kimbundo, do posto médico,  apenas tinha aspirinas e considerava-se impotente, além de tolhido pelo receio de contrair a doença e perante o progressivo escurecimento da urina do Álvaro...O Dr. Poupinha, claro, estava ausente...

Uma noite, sem que ninguém se tivesse apercebido, o Mário saiu e quando voltou, horas mais tarde, trazia um curandeiro luena com ele e uma garrafa de litro de cor indefinida à luz bruxuleante das velas...O homem, de baixa estatura e coberto de ornamentos mais ou menos bizarros, entoou uma melopeia em surdina enquanto fazia tinir uns sininhos improvisados mas  produto de uma perícia inegável e gesticulava para que o doente engerisse o liquido...
O Álvaro devia beber um copo de tamanho razoável da mistela, de tempos a tempos, por forma a esgotar a garrafa em meio dia...Na manhã seguinte, outro litro viria para as doze horas subsequentes e outro e mais outro, até que o mal estivesse vencido..
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Passaram-se trinta e seis horas angustiosas antes de ouvirmos um berro estridente do Mário, por volta do meio-dia: "ESTÁ MAIS CLARA...ESTÁ MAIS CLARA !!!"

Era Domingo, estava todo o mundo à espera do almoço e, num repente, uma dúzia e meia de pares olhos fixavam-se no milagre de um copinho meio de uma urina nitidamente mais clara do que a que o Álvaro havia expelido horas antes...Foi um delírio, que até deu para umas rodadas de Cuca antes de um almoço que já todos tinham esquecido...



2 comentários:

  1. No meu Alentejo natal, quando eu era pequeno, ouvia muitas vezes dizer acerca de morte recente por cancro fulminante ou com mais regularidade relativamente a quem morria de trombose ou ataque cardíaco: "passou uma coisa por ele" ou "deu-lhe um ar". Por essa altura pensava de facto que qum morria estava sempre no meio de uma espécie de corrente de ar. Depois é que vieram os AVC e quejandos...

    Braça viva,
    Djack

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