Não sei lá porquê mas naqueles tempos (anos 1950/1960) era raro ouvir-se falar de cancros...Ou as maleitas tinham outros nomes ou, então, havia menos doenças cancerígenas que, assim, até parecem ser fruto da civilização...
Todavia, havia uma doença da qual os não-africanos tinham autentico pânico pois, além do paludismo, era o mal que mais vidas de cores-pálidas ceifava todos os anos. Referímo-nos à BILIOSA!
Esta terrevel febre atacava, principalmente os europeus depois de uma estadia mais ou menos prolongada e que fizessem um regime de toma de quinino não regular, no combate à malária.
Para além das altas temperaturas, vómitos e diarreias, o que mais aterrorizava as pessoas era o sangramento através da urina, que ia ficando cada vez mais escura à medida que a doença progredia até ficar quase negra...
Eram coisas de que eu já ouvira comentários os mais diversos, incluindo o de ser um mal de cura difícil até nas grandes cidades e que era fatal no mato onde não houvesse um mínimo de cuidados médico-medicamentosos. Assim, quando ao de fim de três dias recolhido com "gripe" foi diagnosticada a biliosa ao Álvaro eu fiquei petrificado...Era cunhado do dono da pensão e nascido na Figueira da Foz como a irmã, tínhamos os mais diversos contactos no dia-a-dia e, ainda por cima, era um fulano que não fazia mal a uma mosca...O enfermeiro, kimbundo, do posto médico, apenas tinha aspirinas e considerava-se impotente, além de tolhido pelo receio de contrair a doença e perante o progressivo escurecimento da urina do Álvaro...O Dr. Poupinha, claro, estava ausente...
Uma noite, sem que ninguém se tivesse apercebido, o Mário saiu e quando voltou, horas mais tarde, trazia um curandeiro luena com ele e uma garrafa de litro de cor indefinida à luz bruxuleante das velas...O homem, de baixa estatura e coberto de ornamentos mais ou menos bizarros, entoou uma melopeia em surdina enquanto fazia tinir uns sininhos improvisados mas produto de uma perícia inegável e gesticulava para que o doente engerisse o liquido...
O Álvaro devia beber um copo de tamanho razoável da mistela, de tempos a tempos, por forma a esgotar a garrafa em meio dia...Na manhã seguinte, outro litro viria para as doze horas subsequentes e outro e mais outro, até que o mal estivesse vencido..
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Passaram-se trinta e seis horas angustiosas antes de ouvirmos um berro estridente do Mário, por volta do meio-dia: "ESTÁ MAIS CLARA...ESTÁ MAIS CLARA !!!"
Era Domingo, estava todo o mundo à espera do almoço e, num repente, uma dúzia e meia de pares olhos fixavam-se no milagre de um copinho meio de uma urina nitidamente mais clara do que a que o Álvaro havia expelido horas antes...Foi um delírio, que até deu para umas rodadas de Cuca antes de um almoço que já todos tinham esquecido...


No meu Alentejo natal, quando eu era pequeno, ouvia muitas vezes dizer acerca de morte recente por cancro fulminante ou com mais regularidade relativamente a quem morria de trombose ou ataque cardíaco: "passou uma coisa por ele" ou "deu-lhe um ar". Por essa altura pensava de facto que qum morria estava sempre no meio de uma espécie de corrente de ar. Depois é que vieram os AVC e quejandos...
ResponderEliminarBraça viva,
Djack
"pensava de facto que quem"...
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