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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

[7327] - É IMPORTANTE (E URGENTE) REGIONALIZAR - Parte 2

Desbravando o terreno do Debate da Regionalização
 Na realidade, Cabo Verde é um arquipélago, logo regionalizado pela natureza, e precisamente esta realidade contraria à uma visão continental e centralista da elite actual no poder, que finge ou teima pensar num país com homogeneidade territorial. Quando a realidade incomoda, ou se insurge contra ela ou se faz como a avestruz.
Ao re-equacionar Cabo Verde como uma realidade arquipelágica, a Regionalização surge como corolário, uma consequência natural. Não é por nada que os descobridores portugueses do século XV classificaram o arquipélago, de acordo com as suas características climatológicas e geográficas, em dois grupos de ilhas Barlavento (de onda sopram os ventos) e Sotavento (a face oposta aos ventos). A administração colonial, reconhecendo esta realidade, tentou nos anos 70 do século passado oficializar politicamente esta realidade regional que já era uma realidade económica no arquipélago: o Pólo Barlavento, associado a S. Vicente e configurando o pólo marítimo, comercial e industrial do arquipélago, ao qual quiseram dar um conteúdo político com a transferência da capital para a cidade do Mindelo; o Pólo Sotavento, associado a Santiago, configurando o pólo agrícola do arquipélago e dando expressão à vocação da ilha. Estas ideias corresponderam ao primeiro pensamento regionalista em Cabo Verde. Na realidade, o que propõem os Regionalistas actualmente é dar força jurídico-política a esta realidade criada pela própria natureza, resolvendo os problemas que a separação física, o afastamento do centro de decisões políticas e económicas criam à periferia do país, em prejuízo das suas populações. Com a nova ordem política no país, a situação de periferia no arquipélago não será mais um obstáculo ao desenvolvimento integral do país. Na realidade, como já explicámos bastas vezes, a regionalização que propomos consiste numa reorganização política e administrativa que rompa com o centralismo e faça reverter a macrocefalia do Estado. Em suma, importa contrariar a estratégia política que resultou num processo contínuo de transferência e concentração de recursos humanos e económicos numa única ilha e cidade, reduto em que se instalou e entrincheirou todo o Estado, ao arrepio de uma visão mais integradora, e originando uma escalada de efeitos recíprocos e multiplicadores de um processo nocivo que é agora difícil travar. Esta visão e doutrina centralista do Estado de Cabo Verde, que muitos eufemisticamente ou cinicamente caracterizam de Unidade Nacional, tem todos os efeitos perversos já denunciados.
Um outro argumento recorrente apresentado pelos detractores da regionalização que é que ela acarreta custo para um país pequeno e de recursos limitados. Este argumento foi também desmontado de maneira exaustiva no Memorando da Regionalização, mostrando que a estrutura do Estado de Cabo Verde é pesada e desmesurada para as possibilidades do país, para a sua dimensão geográfica e para a sua realidade demográfica, e que é necessário o emagrecimento do Estado em muitos sectores, a começar pelo governo, a assembleia nacional, as câmaras e as assembleias Municipais, e a traduzir-se na redução do número de ministérios, secretarias de estado, deputados nacionais e municipais, e a acarretar a extinção ou adequação de órgãos e serviços afectos ao seu funcionamento e redundâncias. O próprio MPD mostrou recentemente no seu projecto as vantagens a longo prazo para Cabo Verde da Regionalização. Com vemos há muito tempo afirmando ela deve pois ser acompanhada de uma incontornável reforma incluindo a reorganização política e administrativa do Estado. Na realidade, o que pretendem os partidários da regionalização defendem é uma autêntica reforma que resulte numa maior integração nacional num projecto de desenvolvimento equilibrado de todas as parcelas do seu território, preparando o país para os desafios do futuro. Aparentemente, uma tal política, na visão de alguma elite que se apoderou das rédeas do país e o centralizou esta reforma põe em causa a ‘Unidade do País’, um espantalho à medida do estado de ignorância e estupidez intelectual que ela pretende votar a população cabo-verdiana. 
Não sobrando mais argumentos, os neo-conservadores cabo-verdianos (tal como nos EUA ex progressistas) entrincheiraram-se na inviolabilidade da actual Constituição, transformando-a numa autêntica Linha Maginot, tida como intocável, intransponível para a regionalização. Aparentemente existem em Cabo Verde até fundamentalistas da actual constituição de inspiração quase divina tal Tábuas de Moisés cabo-verdianas. Assim, alterar pontualmente a Constituição para adaptá-la ou ajustá-la aos novos tempos e às novas vontades políticas, é para eles um crime de lesa-estado. Mas é precisamente o que defende Corsino Tolentino no seu artigo Cabo Verde - A regionalização implica a reforma do parlamento, uma posição que denota honestidade intelectual do autor. Com efeito a Constituição, que se reclamava de reformista nos anos 90, hoje parece ser olhada com laivos de um retraimento conservador, porque na realidade ela é o último refúgio da actual elite cabo-verdiana, a garantia de um statu-quo tão conveniente aos adeptos do centralismo para o qual parece encaixar como uma luva. Nada fazer para alterar a situação equivale a legitimar a condenação da periferia do país à atrofia total e a eternizar o actual atoleiro político, social e económico em que se encontra em Cabo Verde. 
A maneira como a transição para a Regionalização se processará dependerá do empenhamento da sociedade civil e de uma maior e melhor consciencialização sobre a problemática. Neste sentido convém recordar que o fim do sistema de partido único e a transição para a democracia plena não teriam acontecido sem o empenhamento e a pressão da sociedade civil, não descurando também o facto que factores exógenos associados à abertura política no Mundo e a queda no bloco de Leste europeu tenham sido determinantes. Convém lembrar também que as mudanças em Cabo Verde têm tido sempre os seus epicentros no estrangeiro, nomeadamente no seio das Diáspora mais esclarecidas. Embora seja evidente o consenso dos dois partidos do arco do poder sobre uma regionalização minimalista, este assunto está longe de estar fechado, esperando um melhor posicionamento dos diferentes actores políticos nesta matéria em função da evolução do debate que se anuncia aberto. Neste sentido a demissão dos movimentos da sociedade civil, convencidos que a regionalização já está decidida ou ganha, seria nesta fase a pior conselheira e um erro crasso ou cobardia. Nada está ganho e os partidos estão impacientes para dissolver o espírito da Regionalização, na primeira oportunidade. Uma vez que questão da Regionalização é hoje um dado aceite, o que importa debater neste momento, de maneira aberta e democrática, é qual o melhor modelo para a Regionalização de Cabo Verde? Nesta matéria o livro lançado em Cabo Verde e na Diáspora Cabo Verde: Os caminhos da Regionalização constituem uma ferramenta útil para o debate, ou teremos lançado uma outra autêntica Pedrada no Charco da estagnação pantanosa do país.

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